DO GORDINHO G. K. CHESTERTON: "A LÓGICA E O TÊNIS"
NOTA: Brilhante! Inclusive - permitam-me dizer - a crítica que Chesterton fez ao intelectualismo liberal protestante de seus dias, logo no início do texto. Texto esse que, aliás, foi feito cerca de 7 anos após a conversão de Chesterton do Anglicanismo ao Catolicismo Romano. Não concordo com todas as opiniões teológicas de Chesterton. Ele, inclusive, comete algumas falhas históricas ao citar o que para ele foram exemplos emblemáticos de uma sociedade "ignorantemente cheia de si". Realmente, muitos de seus desafetos, tratados com humor mordaz, tornaram-se ícones modernos paradoxais: alguns dos tais, entre escritores, jornalistas e ensaístas, além de não entenderem sobre o que costumavam versar, ainda eram incoerentes e incoerentemente entendidos e ovacionados por uma sociedade que, para Chesterton, havia perdido a beleza, eloquência e pureza do pensamento simples, provinciano e rigidamente lógico do medievalismo tardio. Apesar de seu posicionamento teológico, é indiscutível que Chesterton foi um homem de perspicácia social social ímpar. Um gigante com as palavras e na defesa da cerne do Cristianismo. Para mim, é muito mais gratificante que alguém que queira sair da mediocridade (sentido lato) intelectual atual leia e um texto como esse, impecável dos pressupostos às implicações, do que ficar hipnotizado por "palavras proféticas" de "líderes" como Ana Paula Valadão, que se gaba de confundir "jejum" com "dieta", que detrata as pessoas por seu peso e, depois do papelão, pede parcas desculpas num texto medíocre como seus discursos, para logo em seguida asseverar o óbvio, como que denotado uma necessidade imensa de mostrar que "é espiritual e bíblica"... acimda de qualquer um que ouse questionar seus dogmas espirituais esdrúxulos.
Antonio Emilio Angueth de Araujo
Adaptado por Artur Eduardo
Capítulo do livro The Thing (A Coisa), publicado em 1929
Quando
digo que duvidamos do aprimoramento intelectual produzido pelo
protestantismo, pelo racionalismo e pelo mundo moderno, isso geralmente
causa uma confusa controvérsia, que é um tipo de emaranhado semântico.
Mas, em geral, a diferença entre nós e nossos críticos é esta: eles
entendem que crescimento é um aumento do emaranhado; enquanto nós
entendemos que pensamento é desemaranhar o emaranhado. Mesmo um pequeno
pedaço de fio reto vale mais do que toda uma floresta de mero
emaranhamento. Que haja mais assuntos sendo discutidos, ou mais termos
sendo usados, ou mais pessoas usando-os, ou mais livros e autoridades
citadas – tudo isso não é nada para nós se as pessoas usam
impropriamente os termos, entendem mal os assuntos, invocam autoridades à
esmo e sem o uso da razão; e finalmente conseguem um resultado falso.
Um camponês que diz simplesmente, “Tenho cinco porcos; se mato um, fico
com quatro porcos,” está pensando de uma maneira simples e elementar;
mas está pensando tão clara e corretamente quanto Aristóteles e
Euclides. Agora, suponha que ele leia ou passe os olhos nos jornais e
livros populares de ciência. Suponha que ele comece a chamar um porco de
Terra e outro de Capital e um terceiro de Exportação, e finalmente
chega a um resultado de que quanto mais porcos ele mata, mais ele
possui; ou que cada porca que pare faz decrescer o número de porcos no
mundo. Ele aprendeu a terminologia da economia como um meio de
simplesmente se emaranhar com a falácia econômica. Ela é uma falácia em
que ele nunca cairia se tivesse firmemente imbuído do dogma divino de
que porcos são porcos. Para tal tipo de instrução e avanço, não temos
nenhum uso; e é verdade, neste sentido somente, que preferimos um
camponês ignorante a um pedante instruído. Mas isso não é porque
consideramos a ignorância melhor do que a instrução ou o barbarismo
melhor do que a cultura. É simplesmente porque consideramos que uma
clara cadeia lógica de pequena extensão é melhor que uma interminável
extensão do que é interminavelmente emaranhado. É simplesmente porque
preferimos um homem que faça uma simples soma certa do que uma longa
divisão errada.
O
que observamos sobre toda a cultura atual do jornalismo e das
discussões gerais é que as pessoas não sabem como começar a pensar. Não
somente que seu pensamento é de terceira ou quarta mão, mas que ele
começa já na terça parte do processo. Os homens não sabem de onde vêm
seus pensamentos. Eles não sabem quais as conseqüências de suas
palavras. Eles chegam ao final de toda controvérsia e não sabem de onde
ela começou ou de que se trata. Eles estão sempre supondo certos
absolutos, que, se corretamente definidos, chocariam até eles próprios
como sendo não absolutos, mas absurdos. Pensar é assim estar num
emaranhado; continuar a pensar é se aprofundar mais e mais no
emaranhado. E por trás de tudo há sempre algo entendido; que é realmente
mal-entendido.
Por
exemplo, leio um artigo do admirável Sr. Tilden, o grande tenista, que
estava debatendo o que está errado com o tênis inglês. “Nada pode salvar
o tênis inglês,” disse ele, exceto certas reformas de um tipo
fundamental, que ele explica a seguir. O inglês, parece, tem uma maneira
estranha e artificial de considerar o tênis como um jogo, ou uma coisa
divertida. Ele admitia que isso é parte de um tipo de espírito amador em
tudo que é (como ele observou verdadeiramente) também uma parte do
caráter nacional. Mas tudo isso se coloca no caminho do que ele chama da
salvação do tênis inglês. Por salvação ele entende o que outros
chamariam de tornar o tênis perfeito e outros de torná-lo profissional.
Tomo isso como uma passagem muito típica, tirada de jornais ao acaso, e
que contém a visão de uma pessoa perspicaz e arguta sobre um assunto que
ele compreende totalmente. Mas o que ele não compreende é a coisa que
ele supõe entender. Ele conhece totalmente seu assunto e ainda assim não
sabe do que está falando; porque ele não conhece suas suposições
básicas. Ele não percebe a relação de meios e fins, ou axiomas e
inferências, em sua própria filosofia. E ninguém estaria provavelmente
mais surpreso e mesmo legitimamente mais indignado que ele, se eu
dissesse que os primeiros princípios de sua filosofia parecem ser estes:
(1) Há na natureza das coisas um certo Ser absoluto e divino; (2) Todos
os homens existem para o bem e a glória desse Sr. Tênis e são obrigados
a se aproximar de sua perfeição e obedecer sua vontade; (3) A esta
elevada obrigação eles submetem seus desejos naturais de divertimento
nesta vida; e (4) Eles são obrigados a colocar esta lealdade em primeiro
lugar, e amá-lo mais apaixonadamente que a tradição patriótica, que a
preservação de seu próprio estilo nacional, que suas virtudes nacionais.
Este é o credo ou esquema da doutrina que é aqui desenvolvida sem ser
definida. A única maneira que temos de salvar o tênis é impedi-lo de ser
um jogo. A única maneira de salvar o tênis inglês é impedi-lo de ser
inglês. Não ocorre a esses pensadores que algumas pessoas podem gostar
do tênis porque ele é inglês e apreciá-lo porque ele é divertido. Há
algum padrão abstrato e divino na coisa, para quem todos devem se
levantar, sacrificando todo o prazer e afeição. Quando os cristãos dizem
a mesmo coisa sobre os sacrifícios feitos para Cristo, soa como uma
coisa inaceitável. Mas quando jogadores de tênis dizem isso em relação
aos sacrifícios exigidos pelo tênis, soa muito natural e casual na
confusão dos pensamentos e expressões da atualidade. E ninguém nota que
um tipo de sacrifício humano está sendo oferecido a um tipo novo e
anônimo de deus.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgGvpuP79qzES7Eiyzo5fSlZzIM8Zm_fiLQXj-mQCQxu9gA1fZyCpi71CPQ2_y2fFxQudNLVNUqR_SvgHgHo8ze5cDzpALPAN86lMRMjmYmgeoEDIWul8py7x661TMLmONtRulxD-3fIOy5/s320/Prince_of_Tennis_Seigaku_Academy_costume_ver_01-5-03%255B1%255D.jpg)
Os japoneses, que são bons em tênis de mesa, criaram o mangá "Prince of Tennis", que mostra, assim como em outros mangás de esportes, jovens praticantes de Tenis como "heróis" estilizados. Nada contra, mas o Tênis, aqui, saiu do propósito para o qual foi criado: de diversão e lazer humano para um tipo de "divindade moderna", a quem todo o sacrifício do tenista, seu devoto, é pouco!
Nos
velhos e bons tempos do racionalismo vitoriano, era convencional zombar
de Santo Tomás de Aquino e os teólogos medievais; e especialmente
repetir perpetuamente uma surrada piada sobre o homem que discutia
quantos anjos poderiam dançar na ponta de uma agulha. Os confortáveis e
comerciais vitorianos, com seu dinheiro e mercadorias, poderiam muito
bem ter sentido uma ponta mais afiada da mesma agulha, mesmo que fosse
seu outro lado. Teria sido bom para suas almas ter procurado pela
agulha, não no palheiro da metafísica medieval, mas no elegante
agulheiro de sua própria Bíblia de bolso. Teria lhes sido melhor
meditar, não sobre como muitos anjos poderiam permanecer numa ponta de
agulha, mas sobre como muitos camelos poderiam passar no buraco de uma.
Mas há outro comentário sobre essa curiosa piada, que é mais relevante
para nossos propósitos aqui. Se o místico medieval realmente discutiu
sobre anjos permanecerem sobre uma agulha, pelo menos ele não discutiu
como se o objetivo dos anjos fosse permanecer sobre uma agulha; como se
Deus tivesse criados todos ao Anjos e Arcanjos, todos os Tronos,
Virtudes, Potestades e Principados, somente a fim de que pudessem ser
algo para vestir e decorar a inconveniente nudez da ponta de uma agulha.
Mas essa é a maneira de raciocinar dos modernos racionalistas. O
místico medieval não teria dito nem mesmo que uma agulha existe para ser
suporte de anjos. O místico medieval teria dito, em primeiro lugar, que
uma agulha existe para fazer roupas para os homens. Pois os místicos
medievais, em sua maneira obscura e transcendental, estavam muito mais
interessados nas razões reais das coisas e na distinção dos meios e dos
fins. Eles desejavam conhecer a razão da existência de uma coisa, e como
uma idéia dependia da outra. E eles poderiam até mesmo ter sugerido, o
que tantos jornalistas parecem esquecer, a possibilidade paradoxal de
que o tênis foi feito para o homem e não o homem para o tênis.
Os
modernistas foram particularmente infelizes quando disseram que não se
deve esperar que o mundo moderno tolere os antigos métodos silogísticos
do escolástico. Eles estavam propondo que se desfizesse do único
instrumento medieval que o mundo moderno exigirá mais urgentemente.
Teria sido melhor ter dito que o renascimento da arquitetura gótica foi
sentimental e fútil; que o movimento pré-rafaelano na arte foi somente
um episódio excêntrico; que o uso da palavra “guilda” para todo tipo
possível de instituição social foi artificial e fingido; que o
feudalismo da jovem Inglaterra foi muito diferente do da antiga. Mas
esse método elegante de dedução, com a definição de postulados e a real
resposta da questão, é algo que a nossa sociedade midiática está em
desesperada e urgente necessidade; como um envenenado está em
necessidade do antídoto. Tomei aqui um único exemplo que atraiu meu
olhar de centenas de milhares que acontecem a cada hora. E como o tênis,
como qualquer outro jogo, tem de ser jogado tanto com a cabeça quanto
com as mãos, penso que seja altamente desejável que ele seja discutido
ocasionalmente pelo menos tão inteligentemente quanto ele é jogado.
Fonte: ChestertonBrasil
Fonte: ChestertonBrasil
NOTA: Brilhante! Inclusive - permitam-me dizer - a crítica que Chesterton fez ao intelectualismo liberal protestante de seus dias, logo no início do texto. Texto esse que, aliás, foi feito cerca de 7 anos após a conversão de Chesterton do Anglicanismo ao Catolicismo Romano. Não concordo com todas as opiniões teológicas de Chesterton. Ele, inclusive, comete algumas falhas históricas ao citar o que para ele foram exemplos emblemáticos de uma sociedade "ignorantemente cheia de si". Realmente, muitos de seus desafetos, tratados com humor mordaz, tornaram-se ícones modernos paradoxais: alguns dos tais, entre escritores, jornalistas e ensaístas, além de não entenderem sobre o que costumavam versar, ainda eram incoerentes e incoerentemente entendidos e ovacionados por uma sociedade que, para Chesterton, havia perdido a beleza, eloquência e pureza do pensamento simples, provinciano e rigidamente lógico do medievalismo tardio. Apesar de seu posicionamento teológico, é indiscutível que Chesterton foi um homem de perspicácia social social ímpar. Um gigante com as palavras e na defesa da cerne do Cristianismo. Para mim, é muito mais gratificante que alguém que queira sair da mediocridade (sentido lato) intelectual atual leia e um texto como esse, impecável dos pressupostos às implicações, do que ficar hipnotizado por "palavras proféticas" de "líderes" como Ana Paula Valadão, que se gaba de confundir "jejum" com "dieta", que detrata as pessoas por seu peso e, depois do papelão, pede parcas desculpas num texto medíocre como seus discursos, para logo em seguida asseverar o óbvio, como que denotado uma necessidade imensa de mostrar que "é espiritual e bíblica"... acimda de qualquer um que ouse questionar seus dogmas espirituais esdrúxulos.
Um comentário:
Não o conhecia. Pela dialética tinha uma habilidade de raciocínio muito grande. Me lembra as palestras de Mario Ferreira dos Santo.
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