"OS HISTÉRICOS NO PODER"
Por Olavo de Carvalho
Adaptado por Artur Eduardo
Uma das experiências mais perturbadoras que tive na
vida foi a de perceber, de novo e de novo ao longo dos anos, o quanto é
impossível falar ao coração, à consciência profunda de indivíduos que
trocaram sua personalidade genuína por um estereótipo grupal ou
ideológico. Diga você o que disser, mostre-lhes mesmo as
realidades mais óbvias e gritantes, nada os toca. Só enxergam o que
querem. Perderam a flexibilidade da inteligência. Trocaram-na por um
sistema fixo de emoções repetitivas, acionadas por um reflexo insano de
autodefesa grupal.
No começo não é bem uma troca. O estereótipo é
adotado como um revestimento, um sinal de identidade, uma senha que
facilita a integração do sujeito num grupo social e, libertando-o do seu
isolamento, faz com que ele se sinta até mais humano. Depois a
progressiva identificação com os valores e objetivos do grupo vai
substituindo as percepções diretas e os sentimentos originários por uma
imitação esquemática das condutas e trejeitos mentais do grupo, até que a
individualidade concreta, com todo o seu mistério irredutível,
desapareça sob a máscara da identidade coletiva. Essa transformação torna-se praticamente inevitável
quando a unidade do grupo tem uma forte base emocional, como acontece em
todos os movimentos fundados num sentimento de "exclusão",
"discriminação" e similares.
Não me refiro, é claro, aos casos efetivos de
perseguição política, racial ou religiosa. A simples reação a um estado
de coisas objetivamente perigoso não implica nenhuma deformação da
personalidade. Ao contrário: quanto mais exageradas e irrealistas são as
queixas grupais, tanto mais facilmente elas fornecem ao militante um
"Ersatz" de identidade pessoal, precisamente porque não têm outra
substância exceto a ênfase mesma do discurso que as veicula. À dessensibilização da consciência profunda
corresponde, em contrapartida, uma hipersensibilização de superfície,
uma suscetibilidade postiça, uma predisposição a sentir-se ofendido ou
ameaçado por qualquer coisinha que se oponha à vontade do grupo.
No curso desse processo, é inevitável que o
amortecimento da consciência individual traga consigo o decréscimo da
inteligência intuitiva. As capacidades intelectuais menores, puramente
instrumentais, como o raciocínio lógico verbal ou matemático, podem
permanecer intactas, mas o núcleo vivo da inteligência, que é a
capacidade de apreender num relance o sentido da experiência direta, sai
completamente arruinada, às vezes para sempre. A partir daí, qualquer tentativa de apelar ao
testemunho interior dessas pessoas está condenada ao fracasso. A
experiência que elas têm das situações vividas tornou-se opaca,
encoberta sob densas camadas de interpretações artificiais cujo poder de
expressar as paixões grupais serve como um sucedâneo, hipnoticamente
convincente, da percepção direta.
O indivíduo "sente" que está expressando a realidade
direta quando seu discurso coincide com as emoções padronizadas do
grupo, com os desejos, temores, preconceitos e ódios que constituem o
ponto de intersecção, o lugar geométrico da unidade grupal. O mais cruel de tudo é que, como esse processo
acompanha "pari passu" o progresso do indivíduo no domínio da linguagem
grupal, são justamente os mais lesados na sua inteligência intuitiva que
acabam se destacando aos olhos de seus pares e se tornando os líderes
do grupo.
Um grau elevado de imbecilidade moral coincide aí com
a perfeita representatividade que faz do indivíduo o porta-voz por
excelência dos interesses do grupo e, na mesma medida, o reveste de uma
aura de qualidades morais e intelectuais perfeitamente fictícias. Não conheço um só líder esquerdista, petista,
gayzista, africanista ou feminista que não corresponda ponto por ponto a
essa descrição, que corresponde por sua vez ao quadro clássico da
histeria. O histérico não sente o que percebe, mas o que
imagina. Quando o orador gayzista aponta a presença de cento e poucos
homossexuais entre cinquenta mil vítimas de homicídios como prova de que
há uma epidemia de violência anti-gay no Brasil, é evidente que o seu
senso natural das proporções foi substituído pelo hiperbolismo retórico
do discurso grupal que, no teatro da sua mente, vale como reação genuína
à experiência direta.
Quando a esposa americana, armada de instrumentos
legais para destruir a vida do marido em cinco minutos, continua se
queixando de discriminação da mulher, ela evidentemente não sente a sua
situação real, mas o drama imaginário consagrado pelo discurso
feminista. Quando o presidente mais mimado e blindado da nossa
História choraminga que levou mais chicotadas do que Jesus Cristo, ele
literalmente não se enxerga: enxerga um personagem de fantasia criado
pela propaganda partidária, e acredita que esse personagem é ele. Todas
essas pessoas são histéricas no sentido mais exato e técnico do termo. E
se não sentem nem a realidade da sua situação pessoal imediata, como
poderiam ser sensíveis ao apelo de uma verdade que não chega a eles por
via direta, e sim pelas palavras de alguém que temem, que odeiam, e que
só conseguem enxergar como um inimigo a ser destruído?
A raiz de todo diálogo é a desenvoltura da imaginação
que transita livremente entre perspectivas opostas, como a de um
espectador de teatro que sente, como se fossem suas, as emoções de cada
um dos personagens em conflito. Essa é também a base do amor ao próximo e
de toda convivência civilizada. A presença de um grande número de histéricos nos
altos postos de uma sociedade é garantia de deterioração de todas as
relações humanas, de proliferação incontrolável da mentira, da
desonestidade e do crime.
NOTA: O prof. Olavo chamou-os de "histéricos". Talvez, Chesterton os chamasse de "maníacos", a exemplo do que descreve no seu sensacional "Ortodoxia".
Nenhum comentário:
Postar um comentário