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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Chesterton vs. Nietzsche: para além da humana filosofia


“Era Deus quem, nos últimos dias da Criação, se aninhou sob forma de serpente debaixo da árvore do conhecimento. Então, ele recuperou-se de ser Deus. O diabo é apenas o descanso de Deus nesse 7º dia”  Nietzsche.

Lenin disse que a religião é o ópio do povo…Mas é apenas por acreditar em Deus que nós podemos criticar o Estado. Retirado Deus, o Estado torna-se deus. Este facto encontra-se presente ao longo da História; mas encontra-se mais enfaticamente presente na história recente da Rússia, que foi criada por Lenin…Lenin apenas caiu num ligeiro erro: percebeu tudo ao contrário. A verdade é que o ateísmo é o ópio do povo. Sempre que as pessoas não acreditarem em algo para além do mundo, passam a adorar o mundo” Chesterton.

Por António Campos (Sociedade Chesterton de Portugal)
Adaptado e revisionado por Artur Eduardo

Na reconstituição do diálogo virtual entre Chesterton e Nietzsche efectuado pela sociedade chestertoneana americana, assistimos ao confronto entre o pensamento doentio de um escritor louco, solitário e contraditório, e o pensamento sóbrio de um homem são, com família e senso comum.

Friedrich Nietzsche (1844-1900), era uma criança obediente e terna, bondosa, submissa e respeitadora, “o pastorzinho”. Esse foi um dos seus paradoxos. A miopia, que o conduziu à cegueira, foi uma das ironias da sua vida. A sua exaltação dos fortes e o aniquilamento dos fracos foi, não só um paradoxo, mas uma miopia.

Muitos atribuem à sífilis terciária a loucura de Nietzsche, incluindo Dale Ahlquist. Mas em Leipzig, onde Nietzsche terá frequentado prostitutas e bordéis homossexuais, ele já era adepto do pensamento de Schopenhauer. E existe aquele pequeno detalhe de que a sífilis terciária só se manifesta 8 a 30 anos após a primo-infecção. E, claro, existem outros problemas a considerar: nem toda a neuro-sífilis produz paranóia e nem toda a paranóia que ela possa causar implica um ódio profundo ao ser humano. Há escritores paranóicos, como Franz Kafka, que parecem sofrer, mas têm empatia, compaixão e um esforço construtivo. Parece que o papel fundamental e determinante da personalidade prévia e do livre-arbítrio nunca são consideradas no caso de Nietzsche. Tal, só indica a monstruosidade dos seus postulados e afirmações, por mais que a sua prosa seja embriagadora, poética, metafórica, musical. Mas ouçamos o que Nietzsche diz de si próprio:

“Meu pai morreu demasiado cedo- faltou-me a conduta severa e superior de um intelecto masculino… Sem dúvida eu era um entendido em sombras.” O Viajante e a sua Sombra, 1879. “Convoquei a Roma uma assembleia de príncipes; quero mandar fuzilar o jovem Kaiser. Adeus.” Carta a Strindberg, 1888.  Assina Nietzsche-CésarDionísio ou, o Crucificado.

Por várias vezes falou da necessidade de nos mascararmos, como numerosas seriam as suas máscaras. 
Ficou conhecido pelas suas afirmações de que Deus está morto, de que necessitamos de outro homem, um super-homem, de que a moralidade acabou, uma vez que, no seu conceito, Deus era o guardião da moral. Nietzsche iria causar a maior revolução que a Terra tinha conhecido até então, todos os meios justificariam os fins, fazendo a apologia da vontade e da força: “vocês dizem que uma boa causa justifica uma guerra; eu digo que uma boa guerra justifica qualquer causa”. Os fracos deveriam ser eliminados pelos fortes ou, inclusive, nem deveriam nascer, os indesejáveis deveriam ser esterilizados, o casamento só deveria ocorrer sob supervisão médica, muita gente deveria ser sacrificada, a fim de que se salvasse a Humanidade.


Existem duas grandes influências em Nietzsche (imagem acima):Schopenhauer (1788-1860) e Darwin (1809-1882).

O seu pessimismo inicial vem da influência de Schopenhauer: Deus não existe, a matéria é má, vale mais não nascer, vale mais morrer do que viver, não existe qualquer sentido para a vida. A suprema felicidade é apenas pessoal e consegue-se pela anulação da vontade, pela ascese- como tal, não é possível ser feliz. O suicídio só é mau porque é um acto voluntário. Existe predestinação, não existe livre-arbítrio, nem Bem e Mal; o mundo é uma representação e o homem luta para chegar ao nada, à não existência, a um estado onde se dissolverá, sem individualidade, numa espécie de éter, o nirvana oriental. Não existe uma consciência individual; cada consciência humana expressa tons de uma consciência comum, a que  chama Nietzsche A Alma da Colmeia. Sobre o pessimismo, Nietzsche afirma que o Mal é tão grande que o Bem não existe, pois tudo o que é material é mau. Por outro lado se Deus é Criador do que é material, então o pessimismo transforma Deus num demónio.

“Parecia-me que Schopenhauer se estava a dirigir a mim, pessoalmente”, Schopenhauer como educador, Nietzsche, 1874.

De Darwin, numa fase posterior, Nietzsche herda o optimismo:O mundo está errado porque quem o controla são os mais fracos, uma classe de escravos, que impedem o seu progresso porque utilizam a moralidade, para submeter os mais fortes. O mundo pode e deve ser mudado, deve sofrer uma revolução para se livrar da moralidade e de Deus, para que, tal como na natureza, apenas sobrevivam os mais fortes. Os mais fracos devem ser eliminados ou escravizados. A vida é a vontade de poder. Os novos valores da humanidade devem radicar no homem forte, poderoso, nobre e belo. O determinismo é marcante: o destino individual está no homem desde o início, inscrito num perene movimento da vida, circular, em que tudo o que foi, voltará a ser, o eterno retorno1. Chesterton diria que os optimistas não acreditam num destino do homem após a morte, mas aprisionam o homem num destino antes de nascer! Tal “optimismo”, diria ainda Chesterton, tem a concepção de um Mal tão pequeno que nem existe; faz do diabo, Deus.
A época de Nietzsche, suficientemente louca, com a emergência da Prússia e de Frederico, O Grande; com o pensamento de Hegel, Marx, Göthe e Wagner. Mas não foi, contudo, tão louca que tivesse reconhecido a sua obra em vida. O reconhecimento e identificação viriam mais tarde com o cumprimento das suas “profecias”. Os seus super-homens chegaram ao poder na revolução russa bolchevique em 1917 e, na Alemanha, em 1933. O resultado foi catastrófico. Milhões de mortos, judeus e cristãos, quer na União Soviética, quer na Alemanha nazi. Os super-homens demonstraram o que Nietzsche verdadeiramente dizia: o homem morreu, não Deus.Diz Chesterton: Nietzsche sugere-nos que pairemos acima das bestas, abolindo a única coisa que nos coloca a todos acima das bestas: o sentido do pecado.


Dale Ahlquist afirma que Nietzsche queria negar Deus porque queria negar o pecado. E ainda hoje ninguém quer falar de Deus porque ninguém quer falar do pecado, que é a verdadeira razão da nossa separação de Deus. Mas, mesmo com toda esta catástrofe, este genocídio, em nenhuma época Nietzsche é estudado com tanto entusiasmo e paixão como na nossa época. As nossas universidades ensinam as doutrinas de Nietzsche às novas gerações de estudantes, omitindo sempre a sua insanidade e as suas consequências. Mesmo este texto, no meu próprio país, seguramente encontrará uma dezena de académicos que nele encontrarão uma centena de reparos. Curiosamente, contam-se pelos dedos de uma mão os académicos que podem apontar as várias incorrecções que cometemos com Chesterton (imagem abaixo). E Chesterton previu tudo isto: a ascensão dos nazis ao poder na Alemanha e o despotismo, a pobreza e a escravatura socialista na Rússia. Disse mesmo, em 1934, que a guerra se iniciaria na Polónia. Previu a eugenia do nosso tempo e a chegada ao poder dos plutocratas.
Todos o esqueceram.Pelo contrário, a insanidade que ele apontou a Nietzsche, progrediu para o Gramscismo, o Existencialismo e o Desconstrucionismo.
“Não existem factos, só interpretações.”
“Tu tens o teu caminho; eu o meu. Quanto ao caminho certo, ele não existe.”
“Todas as coisas dependem da interpretação; a interpretação que prevalece num determinado tempo é função do poder, não da verdade”.
“O sentido da vida e a moralidade depende de cada um. Os fortes expandem-se experimentando tudo e vivendo de forma arriscada. A vida consiste em muitas possibilidades e devemos experimentá-las a todas. As religiões que ensinam a misericórdia, a culpa, a compaixão, o arrependimento, estão erradas. Uma vida boa está sempre em mudança, desafia, é desprovida de culpa, intensa, criativa e arriscada”. 
Se a imortalidade não existe, a vida torna-se insuportável. E porque não há-de a vida ser insuportável?2 

A vida de Nietzsche foi. Incapaz de constituir família ou de ter uma relação duradoura com uma mulher, excepto a sua irmã. Seriamente doente a partir de 1870, aos 26 anos, até final da sua vida, por mais 30 anos! Onze anos louco, internado num asilo. A Polónia, de onde clamava ter as suas verdadeiras origens, viria a ser uma das principais vítimas, de um lado e do outro da fronteira, dos seus super-homens. Morreu em Weimar, o nome da república que foi a antecâmara da ascensão do partido nacional socialista na Alemanha. Deus já tinha morrido há muito tempo, antes dele, mas continuava vivo, e, ao que dizem, à frente da sua Igreja. Os cristãos encontraram o caminho para fora do túmulo, porque, como diz Chesterton em O Homem Eterno, têm um Deus que lhes mostrou o caminho.

Relativamente àquele ateu, como alguns dos outros oriundos da negrura das florestas do Bradenburgo, como sublinha Chesterton, o seu ateísmo escondia um paganismo; o seu paganismo escondia a adoração pelo demónio:

Se um demónio vier e te disser que tens que voltar a viver esta vida uma e outra vez, vezes sem fim, ficarás abatido e triste ou experimentarás um momento de exaltação sublime? Na verdade, dir-lhe-às: tu és o meu deus e eu nunca ouvi nada mais divino!” 3
A “novidade” do pensamento de Nietzsche já tinha sido expressa por Sófoclesou pelos gnósticos, cátaros e albigenses. A sua “novidade” remonta aHeráclito e a Esparta. Sua “novidade” é pagã, pré-cristã. O seu pensamento já acorrera a outros, como Shakespeare, que o atribui a loucos como Ricardo III:

“A consciência não passa de uma palavra que os cobardes usam
 Concebida a princípio para amedrontar os fortes.
 Que os nossos fortes braços sejam a nossa consciência, as espadas a nossa lei!”

David Garrick como o rei Ricardo III, 1745, aludindo à peça de Shakespeare. Pintura de William Hogarth. Ricardo III foi rei da Inglaterra entre 1483 e 1485.

O homem comum está com Shakespeare e considera o cavalheiro alemão um louco. Só os académicos e as escolas do nosso tempo o consideram lúcido e apelativo. O que aconteceu à nossa época para o considerar apelativo? Porque se encontra nos programas de filosofia das nossas universidades como um ícone estético? Porque há inteiros sistemas de filosofia e de arte que defendem a eugenia, a fealdade, a ausência de moral, de Bem ou de Mal, da verdade, do correcto significado das palavras?

A resposta que ocorre, a mais horrível e inquietante, é que por baixo desta ideologia se esconde um ódio místico à infância, à maternidade e à Igreja de Deus. A outra resposta, que nos chega na calma pesada e soturna de um Outono, é que algo grandioso e horrível, algo angustiante e tenebroso se prepara no interlúdio. E que o crepúsculo se vai abater sobre a terra dos homens; não o dos ídolos, mas o dos demónios.

NOTAS:

É verdade que aquele tipo de recorrência a que Buda chamava a “Roda da Tristeza”, o pobre Nietzsche lá conseguiu arranjar maneira de chamar Alegre Sabedoria ou Gaia Ciência. Ocorre-me dizer que, se a sua ideia de alegre sabedoria era esta simples e nua repetição, sempre gostaria de saber qual seria a sua ideia sobre uma Triste Sabedoria. Mas é um facto que, no caso de Nietzsche, esta ideia não pertence ao momento do seu exórdio, mas antes ao momento do seu esgotamento. Ela apareceu no fim da sua vida, quando já estava perto do colapso mental e, na realidade, é algo de bem contrário às suas primeiras e melhores inspirações: essas que falavam de uma liberdade selvagem ou de uma inovação fresca e criativa. Pelo menos uma vez, ele tentara partir para novas ideias, mas só lhe serviu para acabar ele próprio partido- pela roda. Chesterton em São Tomás de Aquino, 1925.

2 ”O discurso de Nietzsche é forte e sedutor. Mas o seu tom é sempre de desdém. Ele tratava o homem com um desprezo profundo, com um sarcasmo infinito; ele escarnecia mas não sorria. Os seus seguidores têm as mesmas características. Nunca ninguém encontrou uma alegria nietzscheana.” Chesterton versus Nietzsche, reconstituição de debate virtual da sociedade chestertoneana americana.

Deverão existir poucos outros exemplos de vida que nos recordem tanto as palavras de Mateus 12, 36-38: “Todo o homem néscio prestará contas pelas suas palavras. Porque pelas tuas palavras serás justificado e pelas tuas palavras serás condenado”Iosef Stálin, o carniceiro georgiano e talvez o líder mais emblemático da ex-URSS, no quarto dia de coma tem um instante de lucidez. Aponta uma das muitas fotografias ampliadas que decoram as paredes – (uma daquelas fotos que) tirou com Nadja num Verão feliz: uma menina alimenta um cordeiro com um biberão. É uma ironia. Em 5 de Março de 1953 a agonia recomeça. Desfigurado, tenta respirar. Ergue o braço esquerdo. Svetlana, a filha, dirá depois que foi um último gesto de ameaça, como se quisesse amaldiçoar todos os presentes.

Fonte: Sociedade Chesterton Portugal

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