OBS.: apesar de ter o título contundente (esse é o título original do artigo), a intenção aqui é uma refutação à ideia, não a pessoas. Há erros, penso, na forma como os calvinistas vêem a justiça de Deus e sua interpretação à luz do que entendem, nas Escrituras. Mas, a discussão aqui é e sempre será no nível das IDEIAS (Nota pessoal).
Por Robin Phillips
Adaptado por Artur Eduardo
Na parte 2 desta série vimos que o Calvinismo afirma essencialmente que o caráter de Deus tem dois lados, um lado que tem prazer em mostrar misericórdia e um lado que se deleita em punir o pecado. Ambos os lados devem ser manifestados. Ao redimir os eleitos, o amor e a misericórdia de Deus são demonstrados. Mas para que a ira do Pai seja completamente apaziguada e esqueçamos o quanto Ele odeia o pecado, Ele precisa ter um outro grupo sobre o qual Seu ódio pelo pecado possa ser expresso.
O nosso post anterior olhou para os problemas teológicos dessa ideia. Neste post eu gostaria de olhar para os problemas existenciais que surgem a partir dela, os quais eu mesmo experimentei como um calvinista.
Descobri progressivamente que era impossível ter um relacionamento com o Deus do Calvinismo, ou pelo menos ter uma relação positiva com um Deus assim. Eu sempre me senti como o escritor grego Xenofonte, o qual registrou que havia sido socorrido por Zeus em sua autoridade de deus da segurança e rei dos deuses, mas, tinha então caído em desgraça com Zeus na sua qualidade de deus da propiciação. Da mesma forma, o Calvinismo ensina que Deus tem dois conjuntos de atributos independentes, os quais devem ser ambos expressos, a fim de que Deus possa ser completamente Ele mesmo – atributos que são a antítese um do outro. Nossa tarefa é, presumivelmente, estar daquele lado de Deus que precisa expressar amor e, então, ser gratos por não sermos um alvo do outro lado de Deus, aquele que precisa expressar seu ódio ao pecado, assim como Xenofonte tinha que chegar do lado de Zeus como deus da segurança, e não como deus da propiciação.
Ora, estes são os problemas existenciais que me confrontaram: eu posso seguir a maré e adorar um Deus assim e posso tentar estar sob o olhar de Seu lado bom; e posso reconhecer que, embora dê a impressão de que Ele deve ser bom, visto que palavras como bondade, justiça e amor não têm nenhum significado aparte de Deus como o padrão último, todavia, em nível experiencial, eu não sei como amar um Deus assim ou sentir outra coisa senão horror ao contemplá-Lo. Isso não faz de tal ideia falsa (que talvez Deus realmente seja assim), mas fez com que ela se tornasse existencialmente problemática para mim.
A distinção entre as vontades prescritiva e decretiva de Deus (que Calvino herdou de teólogos católicos medievais tardios) é fundamental para qualquer discussão de tais assuntos. Vontade prescritiva de Deus é o que Deus ordena [prescreve], enquanto que a vontade decretiva de Deus é o que Ele faz faz acontecer. Assim, no que diz respeito à vontade prescritiva de Deus, Ele não quer que ninguém cometa adultério; mas no que diz respeito à Sua vontade decretiva, todos os dias Ele deseja que milhares de pessoas sejam infiéis a seus cônjuges.
Alguns calvinistas vão além ao afirmar que a vontade prescritiva de Deus inclui aquilo que Deus quer que aconteça, enquanto que Sua vontade decretiva inclui muitas coisas que Deus não quer que aconteçam, embora Ele ainda as deseje. Outros calvinistas dirão que Deus nem mesmo quer que sua vontade prescritiva aconteça, embora Ele use uma linguagem nas Escrituras que sugere o contrário.
A vontade decretiva de Deus é as vezes referida como a “vontade secreta” de Deus. Mas é enganoso chamar a vontade decretiva de Deus de “secreta”, visto que os calvinistas afirmam saber muito sobre ela. Por exemplo, eles afirmam saber que tudo o que já aconteceu na história da humanidade aconteceu por causa da vontade decretiva de Deus.
A partir destes dois modos de vontade, emergem inúmeras outras justaposições, as quais Hans Boersma prestativamente articulou:
Enquanto a vontade revelada de Deus é comum (com Deus querendo que todos sigam a sua lei), a sua vontade secreta diz respeito aos resultados das vidas de indivíduos específicos. Embora a pregação externa da Palavra se estende a muitos (embora não a todos), o trabalho interior do Espírito é limitado àqueles que foram escolhidos desde a eternidade. Embora o chamado externo apenas leve a uma adoção geral e assim permanece impessoal, a adoção através do dom da fé significa uma união íntima e mística com Cristo. Finalmente, enquanto a pregação da vontade revelada de Deus é sempre acompanhada pela exigência de fé, a vontade eletiva de Deus é incondicional e absolutamente certa, de modo que todos àqueles a quem foi concedida a graça especial do Espírito de Deus perseverarão até o fim.
Esta dicotomia fundamental entre dois modos da vontade de Deus forçou Calvino a levar em oposição a teleologia que é normativa para um objeto, e a teleologia que Deus no final das contas quer para ele. Mas eu estou me adiantando e devo definir meus termos. O telos de algo é o objetivo ou fim último para o qual ele existe. Então, o telos de um martelo é bater [para fixar] as coisas na parede, ao passo que o telos de uma semente é ser uma planta adulta. Agora, o Calvinismo afirma que, com relação à vontade revelada de Deus, o telos ou objetivo de todo e cada indivíduo inclui a união eterna com Ele, mas no que diz respeito à Sua vontade secreta, o telos de certos indivíduos inclui a desunião eterna com Ele. Isto significa que, para todo aquele que não é salvo, há um telos duplo (em um sentido, o desejo final de Deus para essas pessoas é a salvação, mas em outro sentido é a condenação).
Novamente, o problema que tivemos com este modelo foi mais existencial do que teológico, embora se possa elaborar bons argumentos teológicos contra ele. O problema existencial é que, visto que Deus se revela à humanidade nos termos do primeiro modo (Sua vontade revelada) enquanto se relaciona com a humanidade nos termos do segundo modo (Sua vontade secreta), uma descontinuidade radical é estabelecida entre Deus como Ele é e Deus como nós o experimentamos.
Esta descontinuidade cria uma série de dificuldades práticas quando se trata de tentar ter um relacionamento com o Deus Calvinista, pois significa que a nossa experiência de Deus é fundamentalmente discordante de quem Ele realmente é.
Esta descontinuidade é diferente de simplesmente dizer (como a tradição do cristianismo oriental faz) que há um aspecto de Deus que será para sempre incognoscível para nós (isto é, a essência de Deus que é incognoscível e Suas energias é que são cognoscíveis, para simplificar ao extremo). Em vez disso, o Calvinismo diz que podemos e sabemos algumas coisas sobre como Deus é em si mesmo, e que isso é o oposto de como Ele se revela ser.
Aqui está um exemplo: todos os calvinistas afirmarão que durante o tempo de Jeremias, quando as pessoas estavam sacrificando seus filhos à Moloque, isso só ocorreu porque fazia parte de decretos eternos de Deus. No entanto, o calvinista também é obrigado a dizer que Deus se revela tão horrorizado com tal ato que, antropomorficamente falando, Ele pôde declarar que tal coisa nunca tinha sequer passado pela Sua mente (Jr 19:5; 32:35; 7: 31). Onde isso nos leva? Isso nos leva a uma descontinuidade constante entre Deus como Ele é em Si mesmo (isto é, decretando continuamente o mal) e entre o modo pelo qual Deus acomoda-se a nós (isto é, continuamente não desejando o mal).
Quando se insiste nessa questão, ela nos leva a problemas existenciais que podem conduzir uma pessoa à loucura. Os Calvinistas geralmente reconhecem isso, e é por isso que continuamente nos incitam a separar nosso conhecimento de como Deus realmente é, do conhecimento de com Deus adapta-se a nós. Na verdade, os Calvinistas frequentemente dizem-me que não devo tentar relacionar-me com Deus em termos daquilo que nós sabemos ser verdadeiro quanto aos seus decretos eternos. Por exemplo, embora saibamos que para cada coisa que acontece nada poderia finalmente ter sido de outra forma, todavia é preciso agir como se houvesse um elemento de contingência significativa real. Novamente, nós sabemos que o telos de muitas pessoas é a desunião eterna com Deus, mas temos de agir como se otelos de cada pessoa fosse a união eterna com Ele. Outra vez, nós sabemos que Deus não ama realmente cada pessoa, mas temos de agir como se a afirmação “Ele é um Deus bom e ama a humanidade” se aplicasse a todos. E assim por diante.
Assim, o Calvinismo nos obriga a constantemente suspender a crença, a fim de ter um relacionamento com Deus. Isto é especialmente verdadeiro quando nos aproximamos de versos como Efésios 5:1 e Mateus 5:48 sobre ser imitadores de Deus. Um calvinista acredita que seria desastroso imitar a Deus como Ele realmente é, e exorta-nos a somente imitá-Lo naquilo que Ele acomoda-se a nós.
Novamente, isto não seria um problema se os calvinistas estivessem contentes em dizer que é um mistério o modo como Deus é. O problema surge precisamente porque o Calvinista tem a pretensão de saber sobre a chamada “vontade secreta” de Deus, que às vezes é oposta aos modos pelos quais Deus acomoda-se a nós.
Desta forma, o que o Calvinismo ensina sobre Deus é radicalmente discordante da nossa experiência Dele, e um calvinista pode ter um relacionamento significativo com o Senhor somente suspendendo sua crença.
Robin Phillips é o autor de Saints and Scoundrels e um editor que tem contribuído para uma série de publicações, incluindo Salvo Magazine, Touchstone e Chuck Colson Center. Ele está trabalhando em um Ph.D. em teologia histórica na King’s College, Londres e blogando em Robin’s Readings and Reflections.
Fonte: Deus Amou o Mundo
Robin Phillips é o autor de Saints and Scoundrels e um editor que tem contribuído para uma série de publicações, incluindo Salvo Magazine, Touchstone e Chuck Colson Center. Ele está trabalhando em um Ph.D. em teologia histórica na King’s College, Londres e blogando em Robin’s Readings and Reflections.
Fonte: Deus Amou o Mundo
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