Não, não tem jeito. Pode até ter o jeito de que tem jeito, mas não tem jeito. Não tem jeito, porque algumas coisas simplesmente não têm. Nossas instituições não têm jeito. E refiro-me também às igrejas. Não é à toa que o movimento chamado "desigrejista" cresceu exponencialmente e cada vez mais vemos pessoas vazias, duvidosas de tudo, menos da ideia de que as "igrejas" não são coisas boas para elas.
O problema é antigo, mas creio que o dilema vem desde a implantação dos Estados nacionais... que tiveram suas "igrejas nacionais", com "denominações nacionais" e tudo o mais que decorre daí. A institucionalização de uma entidade espiritual, como a Igreja, tem efeitos óbvios, previsíveis, mas espantosos a olhos vistos. Um dos tais é o esvaziamento do sentimento de comprometimento com o REINO DE DEUS, aliás, mensagem que está no fundamento, na base da história da Igreja. Esta foi a mensagem de JESUS, por exemplo, por todo o Evangelho de Mateus, no qual há os melhores ensinos do Mestre sobre o "Reino dos Céus" (vd. cap. 13).
Aquela ideia de Reino, tão falada, tão alardeada, tão propagada e paradoxalmente tão negligenciada pelas igrejas, hoje, é justamente o que faz da Igreja, Igreja. E aqui refiro-me ao sentido estrito, bíblico, não o lato. No sentido lato, "igreja" é prédio, é "basílica", é "santuário", é "templo", ideia perpetuada pelos romanos. No sentido bíblico, "Igreja" é ajuntamento, congregação. A Igreja descaracterizou-se tanto do conceito estrito, do qual nasceu, para um sentido lato vazio, cuja vivência não poderia causar outra coisa em suas respectivas "congregações", senão um aglomerado de pessoas, muitas das quais possuem, no máximo, retórica vazia, linguagem "espiritualista", religiosidade patente, nada mais.
Este sistema FALIU. Digo isso há anos. No impulso, não soube lidar com as consequências do que mesmo concluí - até porque me cerquei, como a maioria dos que leem estas linhas - de pessoas tão frágeis quanto eu, mas infinitamente mais iludidas com uma força que não sabiam que não tinham, inclusive de caráter... e refiro-me ao caráter cristão. Os que não aceitam a obviedade do que digo aqui, não o fazem porque não veem o que vejo, mas porque não querem que seja assim. Sua subjetividade, contudo, não anula o fato de que o sistema que lutamos para manter tem produzido tantas excrescências religiosas, que fica difícil ao maior dos entusiastas negar que, do que jeito que está, não tem jeito.
Com o que as "igrejas" passam seu tempo, hoje? Não é nem um pouco difícil responder: mesmo fingindo que não vemos, sabemos que o que predomina é a competição ministerial, as lutas descaradas por poder e influência, a política do apadrinhamento, uma espiritualidade debilóide, de um lado, para fazer com que a superstição continue custeando os desejos nababescos de líderes magalômanos; e por outro lado, um recrudescimento da fé ao ponto de vermos o que, penso eu, geração eclesiástica alguma jamais viu: uma gama enorme de cristãos que tenta se afirmar, reafirmando a Bíblia a todo o instante, vivendo, contudo, o mais longe possível dela, numa demonstração a olhos vistos da mais completa falta de espiritualidade - e, aqui, falo de mínima espiritualidade, de um pedido de perdão básico... de um reconhecimento mínimo por atos crassos que fazem corar até os mais descrentes.
O profeta pergunta retoricamente, "Quem creu em nossa pregação?" (Is. 53:1), lamentando uma das marcas do que seria o ministério do próprio Cristo: a "surdez" seletiva dos que o ouviriam. Como o próprio Senhor Jesus advertiu, em Mateus 24, que "como foi nos dias de Noé, assim será nos dias da vinda do Filho do Homem...", àqueles que devotam um pouco do tempo para pensar na confusão espiritual reinante de nossos dias, não existe de fato nada que não fora predito. Mas, ainda assim, tal fenômeno não deixa de surpreender, e entristecer. É triste vermos quantas "amizades espirituais" foram e são reprovadas nos testes do amor! Quanta euforia espiritual é interesseira! Quantas juras e palavras de ordem auto-dirigidas não conseguem passar no teste dos mais simples contratempos. Como, a exemplo dos dias de Jesus, parecemos com o povo que proclamara "Hosana nas alturas!" na segunda-feira, e crucificava o Filho do Homem na sexta!
A resposta? Não há respostas em palavras. Nem sempre há respostas prontas. O problema, penso eu, é por demais complexo. A resposta mal pensada pode se tornar um doloroso exercício demagógico, para quem escreve e para quem lê. Não me atreveria a dar quaisquer respostas, até porque, pelo que vejo, uma resposta definitiva não existe. O que existe é a esperança de que haja uma resposta. Na verdade, esta esperança encarna na pessoa de Cristo. ELE É A RESPOSTA. Sei que muitos, dentro e fora das igrejas, hoje, assumiram para si esta ideia, transformando-a em um "clichê" de nossos tempos. Entendendo você como clichê ou não, confio plenamente na força desta ideia: "CRISTO É A RESPOSTA", como diz uma canção antiga. E, como só Ele pode responder ao dilema desses sistemas religiosos que criamos, com todas as nossas tradições separatistas, desagregadoras, disfuncionais e arrogantes, então Ele, Cristo, precisa estar aqui para provar as nossas obras.... e queimar os edifícios criados de palha, feno, papel e madeira, bem como purificar mais e mais os edifícios intelectuais e espirituais construídos com ouro, ou seja, os que melhor refletem a verdadeira beleza e a grandiosidade do Reino de Deus, na terra.
Que Deus tenha misericórdia. Misericórdia, mesmo.
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