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domingo, 27 de março de 2016

Quem são os "escolhidos" de Mateus 22:14? Discurso e analogias


A passagem "muitos são chamados, poucos os escolhidos" aparece no Evangelho de Mateus, em duas ocasiões distintas: em 20:16 e 22:14. Em ambas as passagens, as palavras são as mesmas: "Πολλοί. γάρ είσι κλητοί, όλiγοι δέ έκλεκτοί". Vejamos o contexto do texto de Mateus 22:14:

"De novo, entrou Jesus a falar por parábolas, dizendo-lhes: O reino dos céus é semelhante a um rei que celebrou as bodas de seu filho. Então, enviou os seus servos a chamar os convidados para as bodas; mas estes não quiseram vir. Enviou ainda outros servos, com esta ordem: Dizei aos convidados: Eis que já preparei o meu banquete; os meus bois e cevados já foram abatidos, e tudo está pronto; vinde para as bodas. Eles, porém, não se importaram e se foram, um para o seu campo, outro para o seu negócio; e os outros, agarrando os servos, os maltrataram e mataram. O rei ficou irado e, enviando as suas tropas, exterminou aqueles assassinos e lhes incendiou a cidade. Então, disse aos seus servos: Está pronta a festa, mas os convidados não eram dignos. Ide, pois, para as encruzilhadas dos caminhos e convidai para as bodas a quantos encontrardes. E, saindo aqueles servos pelas estradas, reuniram todos os que encontraram, maus e bons; e a sala do banquete ficou repleta de convidados. Entrando, porém, o rei para ver os que estavam à mesa, notou ali um homem que não trazia veste nupcial e perguntou-lhe: Amigo, como entraste aqui sem veste nupcial? E ele emudeceu. Então, ordenou o rei aos serventes: Amarrai-o de pés e mãos e lançai-o para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger de dentes. Porque muitos são chamados, mas poucos, escolhidos", (Mt. 22:1-14). 

A primeira coisa que nos salta aos olhos é a expressão: "Entrando, porém, o rei para ver os que estavam à mesa, notou ali um homem que não trazia veste nupcial e perguntou-lhe: Amigo, como entraste aqui sem veste nupcial? E ele emudeceu". É claro que, quando digo "primeira", levo em consideração que o leitor percebeu a livre ação dos que foram chamados às bodas do rei. Outro ponto interessante é a reunião de "maus e bons" à mesa do rei ("πονηρούς τε καί άγαθούς"). O homem, contudo, sem as vestes nupciais, foi aquele que seria lançado nas "trevas exteriores". Bem. A pergunta que não quer calar é: como se aplica a esta parábola a frase "muitos são chamados, poucos os escolhidos"? Ora, pelo contexto, "escolhidos" foram todos aqueles que, à mesa, estavam preparados. "Escolhidos", no texto, são os convidados que, mesmo sem muita intimidade com o rei, foram às bodas, após serem convidados. Ainda assim, havia alguém, entre os que foram que não estava devidamente preparado: o homem que não havia se trajado adequadamente para a festa.

Não podemos nos esquecer de que esta perícope retrata uma parábola. E, com as regras hermenêuticas acerca das parábolas, sabemos que há um ensino central e, possivelmente, outros secundários. Com certeza, o ensino central não é falar acerca da eleição incondicional, como pretendem alguns. Mas, longe disso, é mostrar como a preparação é importante para aqueles que ´ouvem´ o chamado do Rei. É inevitável que façamos uma analogia com a fé salvífica, resposta adequada ao chamado do Salvador que, indubitavelmente, é associado ao rei da parábola. Por que é importante fazermos associações, analogias? Porque esse é o intuito de tais discursos. Note que Jesus começa, nesta perícope, revelando como o Reino dos Céus é semelhante a...; isto é, a essência de qualquer parábola é um ensino análogo. Façamos outra analogia: imagine uma agência de trabalho. Faz-se uma seleção e 100 pessoas se classificam até àquela etapa. Contudo, só há 25 vagas. O responsável pela seleção diz aos 100 classificados que os primeiros 25 a chegarem no outro dia, antes das 08 horas, serão os contratados. 25 chegam e são contratados. Quem foram os "escolhidos" desta seleção? Obviamente que foram os 25, mas o foram porque chegaram antes. Associe este "chegar antes" a preparar-se adequadamente para as bodas do filho do rei: todos foram chamados, poucos foram escolhidos. Ora, se devo desenvolver uma fé que cresça, por exemplo, como cresce um grão de mostarda, então como ser autônomo que sou, devo canalizar minha fé - mediante a qual somos salvos, cf. Ef. 2:8-9 -, para que seja uma resposta devida ao Criador.


De fato, a parábola das bodas do filho do rei ilustra bem o que queremos defender aqui. Os "escolhidos" não são, em hipótese alguma, pessoas especiais, pessoas com quem "Deus estabeleceu de maneira inefável, inenarrável, indiscernível" um relacionamento "especial", em detrimento de todas as demais, que não são de fato o alvo de sua Graça salvadora. Esta ideia NÃO se encontra presente em textos como o de Mateus 22. Pelo contrário, há uma analogia em que se apresentam todas as fraquezas, deficiências e a ingratidão do sentimento humano em relação à ação do divino. Esta corrupção, digamos assim, inclina o Homem a afastar-se de Deus, mas não o impede de saber, de conhecer, de discernir o certo, que leva à vida, do errado, que leva à morte. Este discernimento é o ponto neuvrágico de vários textos bíblicos, inclusive naqueles em que a fé aparece como uma atribuição da racionalidade humana, isto é, da maravilhosa capacidade de o Homem crer:

"Isto, portanto, digo e no Senhor testifico que não mais andeis como também andam os gentios, na vaidade dos seus próprios pensamentos, obscurecidos de entendimento, alheios à vida de Deus por causa da ignorância em que vivem, pela dureza do seu coração, os quais, tendo-se tornado insensíveis, se entregaram à dissolução para, com avidez, cometerem toda sorte de impureza. Mas não foi assim que aprendestes a Cristo, se é que, de fato, o tendes ouvido e nele fostes instruídos, segundo é a verdade em Jesus, no sentido de que, quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe segundo as concupiscências do engano, e vos renoveis no espírito do vosso entendimento, e vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade", Ef. 4:17-24. 

Esta primeira série de ordenanças do texto paulino, que subjazem ante à realidade da "fé salvífica", renovadora, transformadora do Evangelho, ilustra bem a questão. Só homens e mulheres que creram, podem ouvir as "ordens", as prescrições do Ap. Paulo. Observe que, mesmo após crerem, suas prescrições lhes dizem respeito, e não apenas a uma ação do Espírito, que passa a operar após a decisão consciente de me deixar ser guiado, orientado por Ele.

"Digo, porém: andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne. Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer" Gálatas 5:16-17

Esta é a realidade da eleição: há um esforço, uma responsabilidade, um "chegar antes de 8" (como no exemplo acima), que deve ser satisfeito. Antes da conversão, é a fé. Depois, a santificação. E é nisto que consiste a Eleição de Deus. Aqui, JAMAIS encontra-se qualquer ideia de uma "salvação por obras", ou algo parecido. Mas o desenvolvimento natural do que a Bíblia nos revela, de fato, acerca do processo salvífico e de santificação de Deus. A maior alegria de um criador humano de robôs é a de ver sua criação tomando decisões autônomas. É claro que não igualo robôs autômatos a seres humanos, pois robôs jamais terão alma. Mas, ainda que guiados pelo determinismo físico das rígidas leis matemáticas e físicas de nosso universo, a ilusão de um "livre-arbítrio" entre máquinas autômatas é, sem dúvida, a maior realização para um gênio inventor de tais robôs.


Quando o Homem construir uma geração de robôs que simulem o cuidado, a especulação, o sentimento, a defesa do justo, do correto e ajam e falem como outros seres humanos, então este será, sem dúvidas, o ápice para a robótica. Não só porque se construíram máquinas autômatas, mas máquinas autômatas à nossa semelhança. E serão esses robôs, autômatos, e só estes e todos a partir destes, que a História, posteriormente, chamará de "escolhidos" pelos seres humanos como seus favoritos. A escolha, análoga à divina, não se dá por qualquer diferença em si, pois tanto robôs autômatos quanto não-autômatos continuarão sendo robôs. Mas, por uma qualidade que os distingue e que se aplica a quaisquer robôs autômatos. Todos serão eleitos pelo Homem. Todos serão a sua semelhança.

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