"A LENDA DE BEOWULF" E A SANHA PÓS-MODERNISTA PELO ´ABSOLUTO RELATIVO´
Por Artur Eduardo
Recém lançada no Brasil, a adaptação para o cinema da aventura épica anglo-saxônica, "A Lenda de Beowulf" está tendo uma aceitação razoável por parte do público. Esta é uma segunda adaptação para o cinema. Em 1999 Cristopher Lambert protagonizou o herói da saga noutro filme sobre a mesma história. A nova adaptação usa os mais modernos recursos de captação de imagem para formular uma animação computadorizada que às vezes nos fazem, como telespectadores, esquecermo-nos de que estamos vendo uma animação! Como o filme realizado em 1999, o atual diferencia-se em vários pontos do épico clássico.
Por Artur Eduardo
Recém lançada no Brasil, a adaptação para o cinema da aventura épica anglo-saxônica, "A Lenda de Beowulf" está tendo uma aceitação razoável por parte do público. Esta é uma segunda adaptação para o cinema. Em 1999 Cristopher Lambert protagonizou o herói da saga noutro filme sobre a mesma história. A nova adaptação usa os mais modernos recursos de captação de imagem para formular uma animação computadorizada que às vezes nos fazem, como telespectadores, esquecermo-nos de que estamos vendo uma animação! Como o filme realizado em 1999, o atual diferencia-se em vários pontos do épico clássico.
A história (de 700 a 1000 d.C.) foi escrita em inglês antigo, abundante em aliteração(*). E enredo se passa na Dinamarca do século VI d.C., no reino de Heorot, cujo rei é Hrothgar. As pessoas deste reino são aterrorizadas pelo demônio Grendel e o rei lança um desafio: dar um fabuloso tesouro a quem matasse o demônio Grendel. Beowulf chega de terras longínquas para aceitar o desafio, mata o demônio Grendel com as próprias mãos, mas não conta com a vingança da mãe-demônio de Grendel. Ela vem vingar-se e deixa um trilha de morte e destruição. Beowulf segue sua trilha e encontra seu esconderijo aonde a enfrenta e vence, em batalha. Depois há, no poema, um hiato de tempo e vemos o herói já velho e reinando. Seus esforços heróicos são requisitados novamente quando tem de enfrentar um dragão que é acordado por um dos seus súditos que rouba, da toca do monstro, um tesouro perdido. A batalha com este dragão, que é vencido pelo herói, custa-lhe a vida. O conto termina com o funeral de Beowulf. Tanto o filme de 1999 quanto a animação atual trabalham estes elementos. Vários outros diferentes, porém, são incorporados no filme: O romance da mãe de Grendel e Hrothgar e posteriormente, Beowulf, o hedonismo do reino de Heorot, a arrogância e leviandade de Hrothgar e Beowulf, quem é na verdade o dragão que ataca Heorot.
Uma coisa me chamou a atenção, em particular, no filme: A forma como os autores da adaptação desenvolveram a idéia do cristianismo insipiente no norte da Europa. Além de vir como "mais uma manifestação religiosa, agora ´de Roma´", o herói refere-se ao fim de sua era: uma época em que os homens matavam e morriam por glória e que a partir daquele instante cederia à época ´inaugurada´pelo advento da manifestação do Cristo Deus, que seria marcada por intermináveis lamúrias de covardes chorões. Obviamente que esta idéia não está presente no conto medieval, cujo sentido é desvirtuado nas adapatações modernas. Não usei "desvirtuado" à toa: Não é redundante afirmar que o sentido do poema é, justamente, exaltar a força e a virtude de heróis em uma época de ´trevas´, cujos autores viam em tais histórias uma forma de sublevação à quietude inócua e aos padrões de religiosidade ´obscuros´ que vigoravam.
Contudo, o sentido exposto nos padrões atuais reflete uma tendência, digamos, menos nobre: Vê-se claramente a idéia de que o mundo ocidental e suas "complicações" atuais foram forjados pelos ´ideais do cristianismo´, pré anunciados em estereótipos que o filme utiliza, como o personagem Unferth, o arrogante e malicioso conselheiro de Hrothgar e posterior espécie de ´bispo´ de Heorot. No filme, é a este misterioso e sombrio personagem que o filho de Beowulf (de seu romance com a mãe demônio de Grandel) conta sobre o ´pacto´ que o herói fizera com a demônio em troca de reino e glórias para si. Ao ter toda a sua família queimada viva pelo dragão que aterroriza Heorot (cujo rei é neste tempo, Beowulf), Unferth é trazido à sua presença e desmascara-lhe o plano do passado: Beowulf não havia matado a mãe demônio de Grendel, mas feito um pacto com ela. E o dragão era, na verdade, seu filho. Robert Zemeckis (diretor da animação e ganhador do Oscar) apresenta-nos Unferth como, penso, ele vê o cristianismo desde os seus primórdios: fraco e decrépito. Quando está sendo atacado pelo demônio dragão, o infeliz ´cristão´ Unferth levanta uma cruz após ver uma grande cruz central posta no meio do reino ruir em chamas. O demônio só não o matou para que ele fosse dar ´um recado´ a Beowulf... mas, por que escolher aquele que era mais caracterizadamente ´cristão´ do que os outros´, no filme? (O personagem, na segunda metade do filme, andava como monge, com um crucifixo maior do que o seu próprio pescoço).
O filme nos apresenta tendências e impressões do pensamento pós-moderno, sim: Neste, insiste-se na idéia de que o cristianismo, por ser o que é, já nasceu fadado ao fracasso; a de que um mundo essencialmente hedonista (estóico) é menos complicado e, principalmente, a ovação do óbvio - que o ser humano é imperfeito e um ser fundamentalmente relativo. Esta ambiguidade característica do ser humano é o que molda o nosso mundo e deve fazer com que nós o vejamos como ele realmente é, "relativo". Quando Unferth pergunta ao rei Hrogarth se este queria que eles ´rezassem´ ao novo Deus, Jesus Cristo, o rei responde que ´os deuses em nada ajudariam-nos, mas que eles tinham de fazer sua própria sorte´. Estranha, no mínimo, esta insistência que vemos nos padrões modernos em se afirmar que o cristianismo assemelha-se a mais uma visão supersticiosa, e só, como tanta outras que há; e o fato de o cristianismo ter moldado as bases para o penoso mundo em que vivemos atualmente: de mártires mortos e covardes chorões. Não, não foi o cristianismo que moldou o mundo, infelizmente. Esta é a fria e dura verdade, infelizmente.
Lembro-me de um outro filme no qual um bispo conversa com um mafioso. Este havia cometido muitos crimes por toda a sua vida, mas permanecia a olhos vistos como "um bom cristão". O bispo, ao ouvir seus pecados e crimes nefastos, aproxima-se de uma fonte que já exisitia há 400 anos. Pega uma pedra dentro da fonte, abre-a e mostra àquele que aos padrões da socieade era, de fato, um cristão como qualquer outro bom religioso. E diz-lhe: "Esta pedra está aqui desde que a fonte foi construída. Mas observe-a: por fora, molhada. Por dentro, completamente seca. A água não entrou na pedra. Assim são os ocidentais, em sua maioria: Por fora, permeados do cristianismo... mas, o cristianismo não entrou em seus corações, ainda.".
(*) Aliteração - Recurso lingüístico que consiste em repetir consoantes, vogais ou sílabas em uma frase ou verso. Exs.:
"Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas
Vagam nos velhos vórtices velozes
'Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas"
Volúpias dos violões, vozes veladas
Vagam nos velhos vórtices velozes
'Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas"
"Anule aliterações altamente abusivas "
— Manual de redação humorístico (aliteração em A)
Fonte de "Aliteração": Wikipédia
Imagens da animação "A Lenda de Beowulf": All Photos
Paramounts Pictures e Shangri-La Entertainment.
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