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domingo, 9 de dezembro de 2007

O Beowulf pós-moderno

"A LENDA DE BEOWULF" E A SANHA PÓS-MODERNISTA PELO ´ABSOLUTO RELATIVO´


Por Artur Eduardo


Recém lançada no Brasil, a adaptação para o cinema da aventura épica anglo-saxônica, "A Lenda de Beowulf" está tendo uma aceitação razoável por parte do público. Esta é uma segunda adaptação para o cinema. Em 1999 Cristopher Lambert protagonizou o herói da saga noutro filme sobre a mesma história. A nova adaptação usa os mais modernos recursos de captação de imagem para formular uma animação computadorizada que às vezes nos fazem, como telespectadores, esquecermo-nos de que estamos vendo uma animação! Como o filme realizado em 1999, o atual diferencia-se em vários pontos do épico clássico.

A história (de 700 a 1000 d.C.) foi escrita em inglês antigo, abundante em aliteração(*). E enredo se passa na Dinamarca do século VI d.C., no reino de Heorot, cujo rei é Hrothgar. As pessoas deste reino são aterrorizadas pelo demônio Grendel e o rei lança um desafio: dar um fabuloso tesouro a quem matasse o demônio Grendel. Beowulf chega de terras longínquas para aceitar o desafio, mata o demônio Grendel com as próprias mãos, mas não conta com a vingança da mãe-demônio de Grendel. Ela vem vingar-se e deixa um trilha de morte e destruição. Beowulf segue sua trilha e encontra seu esconderijo aonde a enfrenta e vence, em batalha. Depois há, no poema, um hiato de tempo e vemos o herói já velho e reinando. Seus esforços heróicos são requisitados novamente quando tem de enfrentar um dragão que é acordado por um dos seus súditos que rouba, da toca do monstro, um tesouro perdido. A batalha com este dragão, que é vencido pelo herói, custa-lhe a vida. O conto termina com o funeral de Beowulf. Tanto o filme de 1999 quanto a animação atual trabalham estes elementos. Vários outros diferentes, porém, são incorporados no filme: O romance da mãe de Grendel e Hrothgar e posteriormente, Beowulf, o hedonismo do reino de Heorot, a arrogância e leviandade de Hrothgar e Beowulf, quem é na verdade o dragão que ataca Heorot.

Uma coisa me chamou a atenção, em particular, no filme: A forma como os autores da adaptação desenvolveram a idéia do cristianismo insipiente no norte da Europa. Além de vir como "mais uma manifestação religiosa, agora ´de Roma´", o herói refere-se ao fim de sua era: uma época em que os homens matavam e morriam por glória e que a partir daquele instante cederia à época ´inaugurada´pelo advento da manifestação do Cristo Deus, que seria marcada por intermináveis lamúrias de covardes chorões. Obviamente que esta idéia não está presente no conto medieval, cujo sentido é desvirtuado nas adapatações modernas. Não usei "desvirtuado" à toa: Não é redundante afirmar que o sentido do poema é, justamente, exaltar a força e a virtude de heróis em uma época de ´trevas´, cujos autores viam em tais histórias uma forma de sublevação à quietude inócua e aos padrões de religiosidade ´obscuros´ que vigoravam.

Contudo, o sentido exposto nos padrões atuais reflete uma tendência, digamos, menos nobre: Vê-se claramente a idéia de que o mundo ocidental e suas "complicações" atuais foram forjados pelos ´ideais do cristianismo´, pré anunciados em estereótipos que o filme utiliza, como o personagem Unferth, o arrogante e malicioso conselheiro de Hrothgar e posterior espécie de ´bispo´ de Heorot. No filme, é a este misterioso e sombrio personagem que o filho de Beowulf (de seu romance com a mãe demônio de Grandel) conta sobre o ´pacto´ que o herói fizera com a demônio em troca de reino e glórias para si. Ao ter toda a sua família queimada viva pelo dragão que aterroriza Heorot (cujo rei é neste tempo, Beowulf), Unferth é trazido à sua presença e desmascara-lhe o plano do passado: Beowulf não havia matado a mãe demônio de Grendel, mas feito um pacto com ela. E o dragão era, na verdade, seu filho. Robert Zemeckis (diretor da animação e ganhador do Oscar) apresenta-nos Unferth como, penso, ele vê o cristianismo desde os seus primórdios: fraco e decrépito. Quando está sendo atacado pelo demônio dragão, o infeliz ´cristão´ Unferth levanta uma cruz após ver uma grande cruz central posta no meio do reino ruir em chamas. O demônio só não o matou para que ele fosse dar ´um recado´ a Beowulf... mas, por que escolher aquele que era mais caracterizadamente ´cristão´ do que os outros´, no filme? (O personagem, na segunda metade do filme, andava como monge, com um crucifixo maior do que o seu próprio pescoço).

O filme nos apresenta tendências e impressões do pensamento pós-moderno, sim: Neste, insiste-se na idéia de que o cristianismo, por ser o que é, já nasceu fadado ao fracasso; a de que um mundo essencialmente hedonista (estóico) é menos complicado e, principalmente, a ovação do óbvio - que o ser humano é imperfeito e um ser fundamentalmente relativo. Esta ambiguidade característica do ser humano é o que molda o nosso mundo e deve fazer com que nós o vejamos como ele realmente é, "relativo". Quando Unferth pergunta ao rei Hrogarth se este queria que eles ´rezassem´ ao novo Deus, Jesus Cristo, o rei responde que ´os deuses em nada ajudariam-nos, mas que eles tinham de fazer sua própria sorte´. Estranha, no mínimo, esta insistência que vemos nos padrões modernos em se afirmar que o cristianismo assemelha-se a mais uma visão supersticiosa, e só, como tanta outras que há; e o fato de o cristianismo ter moldado as bases para o penoso mundo em que vivemos atualmente: de mártires mortos e covardes chorões. Não, não foi o cristianismo que moldou o mundo, infelizmente. Esta é a fria e dura verdade, infelizmente.

Lembro-me de um outro filme no qual um bispo conversa com um mafioso. Este havia cometido muitos crimes por toda a sua vida, mas permanecia a olhos vistos como "um bom cristão". O bispo, ao ouvir seus pecados e crimes nefastos, aproxima-se de uma fonte que já exisitia há 400 anos. Pega uma pedra dentro da fonte, abre-a e mostra àquele que aos padrões da socieade era, de fato, um cristão como qualquer outro bom religioso. E diz-lhe: "Esta pedra está aqui desde que a fonte foi construída. Mas observe-a: por fora, molhada. Por dentro, completamente seca. A água não entrou na pedra. Assim são os ocidentais, em sua maioria: Por fora, permeados do cristianismo... mas, o cristianismo não entrou em seus corações, ainda.".
(*) Aliteração - Recurso lingüístico que consiste em repetir consoantes, vogais ou sílabas em uma frase ou verso. Exs.:
"Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas
Vagam nos velhos vórtices velozes
'Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas
"
Violões que choram... - Cruz e Sousa (aliteração em V)
"Anule aliterações altamente abusivas "
— Manual de redação humorístico (aliteração em A)
Fonte de "Aliteração": Wikipédia
Imagens da animação "A Lenda de Beowulf": All Photos
Paramounts Pictures e Shangri-La Entertainment.

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