Por Pascal Bruckner (escritor)
Traduzido por Jean-Yves de Neufville
Adaptado por Artur Eduardo
"Quando o novo governador democrata de Nova York, David Patterson, sucedeu a Eliot Spitzer (foto), o ex-intocável que se revelou culpado de ter freqüentado garotas de programa, qual foi a primeira iniciativa que ele tomou? Ele convocou os meios de comunicação e confessou ter traído a sua mulher em várias oportunidades com colegas de escritório.
A sua mulher, por sua vez, reconheceu ter "pulado a cerca" algumas vezes e jurou que o seu marido e ela já tinham superado essas provas. Isso causou estupor no cidadão europeu que ainda não se esqueceu do espantoso escândalo Lewinsky: em vez de apresentar o seu programa político, eis um oficial que promove um ato de arrependimento, por temer que os seus tropeços conjugais sejam revelados publicamente um dia desses. Resumindo, a primeira potência mundial, que está no processo de perder a guerra no Iraque e no Afeganistão, que reabilitou a tortura e que elegeu para dirigi-la, duas vezes seguidas, um dos chefes de Estado mais incompetentes deste período, está concentrando as suas atenções em miseráveis histórias de relações sexuais! (A ´chamada´ para que os americanos se concentrem em esforços internacionais necessários se dá porque países como a França, por exemplo, falam, falam, falam... e fazem muito pouco. Grifo nosso).
Qual fato está acontecendo, capaz de fazer com que a imprensa inteira, dos jornais de sarjeta até o muito sério "The New York Times", se apodere deste assunto privado e comente a respeito ao infinito? Vale recordar aqui os vexames proporcionados pelo ex-governador democrata Eliot Spitzer: um cruzado na luta contra a corrupção financeira, um campeão no combate contra a prostituição, ele mesmo freqüentava uma morena estonteante de 22 anos, Ashley Youmans, também conhecida como Kristen, de quem ele pagava os serviços entre US$ 1.000 e US$ 5.000 (entre R$ 1.700 e R$ 8.500), obtidos, segundo dizem, dos seus fundos de campanha eleitoral.
Aqui, mais uma vez, tudo isso aparece como perfeitamente normal para um velho europeu acostumado com os impulsos repentinos inerentes à natureza humana: tal como o capitão Haddock, presidindo em avançado estado de embriaguez uma reunião contra o alcoolismo, os apóstolos do pudor, nos Estados Unidos, inimigos do vício, do feminismo e da liberdade dos costumes, acabam caindo invariavelmente nos braços de prostitutas, com as narinas entupidas de cocaína; e são sempre surpreendidos em flagrante. Todo moralista acaba tropeçando nos próprios pés algum dia, para cair no abismo que ele denuncia: a própria Igreja católica, que preconiza a castidade e não hesita a expor os homossexuais à condenação pública, não está encobrindo, pelo mundo afora, os atos de milhares de padres pedófilos que estupram e abusam de crianças? (Correção: "...impulsos repentinos inerentes à natureza CAÍDA humana...". O erro de muitos não significa uma fatal insurgência nos mesmos erros, por parte de todos!!! Grifo nosso).
Aqui vai uma primeira lição da velha Europa: desconfiar ´a priori´ de todo discurso virtuoso. Eros se vinga dos seus censores e acena com um formidável gesto obsceno para o puritanismo ambiente. Além disso, o que pensar ainda dessas associações americanas de terapia familiar, que explicam que "as reações de uma esposa traída se parecem com os sintomas do stress pós-traumático das vítimas de eventos traumatizantes", como os atentados de 11 de setembro de 2001? O que dizer desses seminários para maridos infiéis que são reeducados da mesma maneira que dissidentes do ex-império soviético? ("Eros" ou o próprio autor? Esta cena antropomófica não provém de nenhum "Eros" (o deus grego do amor e prazeres), mas da mente pós-moderna do autor. Observe como no pós-modernismo o incentivo ao arrependimento à infidelidade tornou-se "motivo de escândalo". O autor chega ao disparate de comparar terapias familiares neste sentido com a "reeducação de dissidentes soviéticos"!! Ahhhh, e a desconfiança da virtuosidade deve ser a priori? Por quê? Porque, também a priori, deve-se confiar no ´não-virtuoso´, é claro!! Este relativismo atual minará o Ocidente até que o mesmo sucumba diante de seu próprio secularismo e o fanatismo, que vem do Oriente, cada vez mais forte. Grifo nosso).
Para um europeu, o fato de confundir um desregramento amoroso com uma catástrofe coletiva constitui uma comparação escandalosa. Diante disso, só resta recomendar de maneira encarecida aos americanos para que eles tomem com o Velho Mundo lições de civilização: deste lado do Atlântico, conforme testemunham o cinema, a literatura, o teatro, todo mundo trai e é traído, e todos sobrevivem muito bem à inconstância do seu cônjuge. A verdadeira fidelidade revela ser mil vezes mais exigente do que uma estrita abstinência física, e caso o amor for forte, ele superará esses episódios. (As "lições de civilização" européias, sugeridas pelo autor do artigo, só mostram o quão incivilizada está a Europa: Trocou absolutos morais e religiosos pela perigosa idéia relativista que valoriza a infidelidade por causa da indissociação presumida que há entre a humanidade e o adultério. Isto, contudo, é uma mísera e minimalista tentativa de reducionismo da condição humana. A nobreza cristã, totalmente desconhecida de escritores como Bruckner, torna-se "vilã" e o verdadeiro motivo de ´engessamento´ da sociedade americana rumo ao caminho da ´maturidade de civilização´, que tem sido trilhado pela ´sábia´ Europa. Se a Europa chegou ao que é hoje, não foi por causa de ´história de incivilidade´, mas de consciência cristã, dos preceitos cristãos que varreram o Continente, abrindo-lhes os olhos para a ciência exatas e humanas, desde a Reforma protestante. Grifo nosso.).
Melhor ainda: o adultério, entre os europeus, tornou-se praticamente um objeto de veneração, simbolizando o protesto da criatura oprimida contra a convenção matrimonial. Desde o defensor do socialismo utópico Charles Fourier (1772-1837), que estabeleceu, no início do século 19, uma "Hiérarchie du cocuage" (obra de Fourier que pode ser traduzido, grosso modo, como "Hierarquia da 'corneação'". No Brasil, ganhou o título de "Guia dos Cornudos", editado pela Insular) hilariante que ridiculariza todos os "cornudos", até autores como Labiche, Feydeau, Guitry, que fazem rir com as infelicidades dos cônjuges espezinhados, as infrações ao contrato de casamento constituem um sem número de ocasiões para se divertir. ("Protesto da cultura oprimida contra a convenção matrimonial". Esta é boa!.. Repito, porém: Foi a "convenção matrimonial" e outros preceitos defendidos no Cristianismo que permitiram que a Europa chegasse aonde chegou e se tornasse o que se tornou. Ridicularizar a condição do casamento, como quaisquer outros insidiosos ataques pós-modernistas na atualidade, nada significam, pois nada provaram de bom. São um lampejo em termos históricos, e a História ainda não acabou. O que tem-se visto das leis ditatoriais pós-modernistas são desilusões e desesperanças, como mostrarei logo abaixo. Grifo nosso.).
Ainda mais modernos, Sartre e Simone de Beauvoir não haviam estabelecido uma distinção entre amores contingentes e amores necessários para autorizarem a si próprios aventuras com outros parceiros, os quais eles trocavam entre si quando a oportunidade se apresentava? No plano dos costumes, a Europa é infinitamente mais sábia do que o Novo Mundo, com a sua horrorosa obsessão pela transparência. Até mesmo num casamento de amor, a monogamia estrita constitui um ideal desumano, e mais vale aprender a lidar com as fraquezas humanas do que tentar contê-las a todo custo, ao preço de dramas inúteis.
O filósofo, matemático e político britânico Bertrand Russell, em 1929, no seu ensaio sobre "O Casamento e a Moral", preconizava uma solução à francesa: uma grande tolerância para com caprichos adúlteros, tanto por parte do homem quanto da mulher, contanto que eles não interfiram em nada na vida do casal e não atrapalhem a educação das crianças. Resumindo, a quietude conjugal acomoda-se perfeitamente com pequenos acertos entre cônjuges, os quais são emblemáticos de uma sociedade refinada. (Bruckner convenientemente "se esqueceu" de informar que Bertrand Russel era ateu e, portanto, não tinha qualquer paradigma absoluto de moral. Não estou dizendo que o matemático era um ser imoral, mas filosficamente, amoral. Logo, não é um dos melhores exemplos para falar de "Casamento" e "Moral". Aqui, há a falácia ad verencundiam das mais absurdas. Grifo nosso.).
Contudo, se o analisarmos mais detalhadamente, o episódio Spitzer-Kristen nos oferece outros ensinamentos. O que está sendo sancionado em relação ao ex-governador de Nova York? A hipocrisia de um homem que jurava solenemente acabar de uma vez por todas com o tráfico de seres humanos, ao passo que ele freqüentava The Emperor Club, uma rede de prostitutas de luxo dirigida por um proxeneta notório. Portanto, é um tartufo, um hipócrita de marca maior que é derrubado, mas é a garota de programa que acede a uma notoriedade surpreendente: lá está ela, de repente, galgando orgulhosamente os degraus que a levam até os píncaros da glória, assediada com ofertas de filmes, de fotos de charme, de publicidades para produtos de beleza, de lingerie fina. Duas músicas que ela grava e vende num site musical lhe rendem US$ 200.000 (cerca de R$ 340.000) em poucos dias.
Será puritana a sociedade que pune o pregador e recompensa a pecadora, fazendo dela uma estrela instantânea? A sociedade que aponta o vício no representante da ordem moral e a candura numa "pretty woman" de Nova Jersey? É possível se perguntar se a obsessão pela infidelidade do outro lado do Atlântico não resulta do caráter artificial do contrato social americano, este pacto que foi inaugurado em 1787 entre homens de todas as condições, raças, origens, religiões. O casamento livremente consentido e complementado pelo divórcio possível torna-se então o espelho, o microcosmo deste juramento fundador da nação. (Não, não será ´puritana´. Contudo, um erro não justifica o outro. E mais: inferir a idéia de que a "obsessão pela infedilidade" resulta da "artificialidade" do contrato social americano é, no mínimo, ridículo. Isto é isolar o casamento dentro de parâmetros minimamente sociais e políticos. Despreza-se discaradamente o aspecto subjetivo - e mais importante - do casamento: o amor! O amor, independemente de quaisquer sociedades, é um sentimento intrínseco ao homem. Se não fosse o mesmo, não haveria uniões estáveis que, diga-se de passagem, ainda são a maioria do mundo. Se o sistema fosse tão bizarro e errado, como Bruckner quer ´empurrar´, há muito teria desfalecido, sem legado . Não é isto que vemos em nossa história. Mas, não podemos ´dominar´ a História: ela é inexoravelmente escrita por aqueles que a monopolizam, de tempos em tempos. Grifo nosso.).
Quando vasculhamos as transgressões com tanta minúcia, é para melhor verificar a norma: ao se mostrar desleal no amor conjugal, o cônjuge infiel não estaria questionando esta aliança fundamental que une todos os americanos? Se a pequena pátria que constitui a família vacila por conta dos caprichos dos cônjuges, o que será da grande pátria, em caso de perigo? Lá onde a Europa, composta por nações antigas, ricas de tradições, dá mostras de certa desenvoltura, os Estados Unidos manifestam rigidez e intransigência: quando o mais fundamental de todos os laços, o do casal, é colocado em dificuldade, é o próprio futuro do país que pode estar comprometido. Uma nação recém criada, a América exorciza através das infrações conjugais dos seus dirigentes a sua própria fragilidade. Os interesses que estão em jogo são apenas superficialmente de ordem moral: eles são antes políticos.". ("Desenvoltura"? O quê vemos na ´desenvolta´ Europa atual? Incestos, pedofilias, ditaduras gays, vituperação de preceitos cristãos, pastores sendo presos por pregarem a Bíblia, superficialidade e minimalismos acerca de questões imemoriais ligadas ao homem, racismo, egocentrismo, soberba, loucura. O quê vemos na ´desenvolta´ Europa é uma insistência perigosa naquilo que não é, no avesso pós-moderno do absoluto, no segregacionismo ilusório que, por exemplo, fez com que o Continente fosse pivô de duas guerras que espalharam-se pelo mundo, dizimando milhões de pessoas. O quê vejo na Europa ´desenvolta´ da atualidade não é uma sabedoria intrínseca, mas uma soberba intrínseca. E é aí que me lembro do livro de Provérbios, no qual podemos, através do histórico da própria sociedade européia em tempos recentes, fazer com que as palavras ecoem a corações como o de Bruckner, cheios de si mas vazios de Deus: "A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito, a queda." - Pv. 16:18.).
Fonte: Le Monde / Uol Notícias
NOTA: O quê saiu na mídia secular relacionado ao assunto:
"O pecado mora na internet"
Depois de 25 anos estudando o comportamento de mulheres que traíram o marido, a psicóloga canadense Beth Hedva concluiu, sem surpresa, que a infidelidade resulta em geral da combinação de oportunidade com vulnerabilidade emocional. Quatro situações recorrentes:
• A mulher se sente ignorada, desprezada ou afastada da rotina do marido.
• Acha que se anulou ao longo do casamento.
• Usa a internet para visitar salas de bate-papo e trocar mensagens. Estudos mostram que 40% dos usuários contumazes conversam em linguagem explícita e desinibida, o que acelera a intimidade. Em 14% dos casos, a relação passa de virtual a real.
• Tem contato estreito com um colega de trabalho que é abertamente interessado nela, mostra-se compreensivo, não economiza elogios e ri de suas histórias mais do que seu marido
Fonte: Betrayal, Trust and Forgiveness, de Beth Hedva
"Acho que ninguém deve reprimir seus desejos sexuais. Nem mesmo se estiver casado. Você acaba jogando a culpa no outro, é muito pior. Traí, fui traída e acho que isso faz parte do casamento. Quem disse que só se pode amar um só? Quem disse isso? Eu não acredito nisso. Não temos espaço físico no coração. Cada um tem de ter seus segredos. Ninguém agüenta a verdade o tempo todo. Não estou fazendo apologia da mentira. Mas acho que muitas vezes ela é necessária.".
Cynthia Dorneles, 42 anos, antropóloga carioca
Bernadete Alves, 42 anos, jornalista gaúcha
"Trair, para mim, era tão natural quanto o próprio casamento. O de meu pai foi assim, o de meu avô também, por que o meu seria diferente? Calculo ter traído minha mulher com pelo menos trinta mulheres. Entre elas, até as amigas mais íntimas da Marli. Depois de me aproximar da religião, passei a ter a exata consciência de meus atos, da podridão que eu tinha plantado em volta de mim. Decidi contar tudo. Até então, ela nunca tinha desconfiado. Dei meu celular a ela, e era minha mulher quem dispensava minhas amantes pelo telefone. Depois da verdade, nossa relação ficou muito mais forte."
Valdemar Cunha, casado com Marli, ambos de 46 anos, empresários de Brasília
Fonte: Veja On-line
Em Cristo Jesus,
Pr. Artur Eduardo
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