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Trito-Isaías? Deutero-Zacarias? Epístolas Pastorais? A nomenclatura é complicada, mas se refere a um fato simples e, para as sensibilidades modernas, um tanto embaraçoso: é praticamente certo que os autores presumidos de uma série de livros bíblicos não sejam bem quem eles dizem ser. A chamada pseudoepigrafia, ou seja, o uso de uma identidade mais famosa e antiga para embasar a autoria de um novo texto, é um fenômeno relativamente comum no Antigo e no Novo Testamento.
Basta dizer que o livro do profeta Isaías provavelmente foi escrito por três (ou mais) autores (o Isaías histórico, o Deutero-Isaías e o Trito-Isaías); que cerca de metade das cartas de São Paulo tenham sua origem colocada sob suspeita por estudiosos atuais; e que nenhuma das chamadas cartas de São Pedro, também no Novo Testamento, possa ser atribuída a ele com segurança. (Vejamos, logo mais, quais são as "bases" sobre as quais se sustentam aqueles que fazem tais asseverações. Não deixe de ler, caro leitor!!! Grifo nosso.).
As razões que levaram ao fenômeno da pseudoepigrafia são complexas, e nem sempre justificariam um processo de direitos autorais movido pelos personagens bíblicos originais contra seus “plagiadores”. “A visão de autoria na Antigüidade era muito diferente da nossa”, explica o professor Gelci André Colli, da Faculdade Teológica Batista do Paraná, doutorando em teologia bíblica. Colli estudou um desses casos famosos, o livro de Isaías. “Na verdade, dar continuidade à obra de um profeta muitas vezes ficava nas mãos de seus discípulos e seguidores, que compilavam seus oráculos. Fazer isso era uma forma de honrar o mestre”, diz ele. (É, mais "plágio" e "falsificações" sempre foram "plágio" e "falsificações", sempre considerados espúrios, como códigos prescritivos, principalmente quando nos referimos ao cânon bíblico. Não é à toa que inúmeros trabalhos literários posteriores, pseudo-epígrafos, foram considerados não canônicos. Ficaram de fora das bíblias cristãs evangélicas os livros apócrifos 1 e 2 Macabeus, Sabedoria, Judite, Eclesiástico e Baruc e Tobias - incorporados no cânon das Bíblias católicas no Concílio de Trento (séc. XVI), como uma das medidas desesperadas da chamada contra-Reforma. As próprias Bíblias católicas colocam em vários prefácios que tais livros são considerados "deutero-canônicos", ou "segundo cânon". Por que de toda a controvérsia? Porque, simplesmente, os livros não são de quem afirmam ser e contém uma série de práticas antagônicas ao restante do cânon realmente bíblico. Grifo nosso).
Seja entre os antigos israelitas, seja entre os primeiros cristãos, outro fenômeno comum era a necessidade de adequar a mensagem profética ou evangélica original a uma nova realidade e a novos problemas, que o autor original não havia enfrentado em vida. Escrever em nome dele fechava essa brecha entre o passado e o presente e, de quebra, emprestava ao novo escritor a autoridade do mestre falecido, garantindo que as comunidades a quem a mensagem era endereçada prestassem atenção. No caso de alguns livros judaicos que acabaram não entrando no cânon (lista oficial) da Bíblia, surgiu todo um gênero literário nesses moldes, o dos chamados “Testamentos dos Antigos”.
Três Isaías, dois Zacarias?No caso do livro de Isaías, famoso entre os cristãos por causa das profecias diretamente associadas a Jesus, rabinos medievais já reconheciam ao menos uma grande divisão de estilo e temática entre o capítulo 39 e o 40 da obra como a conhecemos hoje.
“Entre os pergaminhos encontrados nas cavernas de Qumran, perto do mar Morto, temos um manuscrito muito longo e muito famoso de Isaías. E nele há uma lacuna depois do capítulo 39, e uma nova coluna começa no capítulo 40, o que parece sinalizar algum tipo de reconhecimento implícito de que há uma diferença entre essas duas seções”, afirma Christine Hayes, professora de estudos clássicos judaicos da Universidade Yale, nos Estados Unidos. E não é para menos, já que o Isaías histórico viveu por volta do ano 700 a.C., quando descendentes do rei Davi ainda viviam em Jerusalém e governavam Judá, no sul da Palestina – enquanto o autor do capítulo 40, e de vários subseqüentes, fala de uma época em que Jerusalém estava destruída e boa parte de seus moradores vivia exilado na Babilônia, por volta do ano 550 a.C.
Até aí, o profeta não teria sido capaz de prever o que aconteceria 150 anos depois, com inspiração divina? Não é essa a questão, argumenta Colli. “As pessoas têm um entendimento errado sobre o que é o profeta bíblico. Ele não é o sujeito que fecha os olhos e de repente vê, em detalhes, o que vai acontecer dali a centenas de anos. O profeta é aquele que vê o futuro, mas sempre a partir do presente. Ele olha o presente, analisa e indica o que a vontade divina revela”, diz o pesquisador. (Mas este não é o molde do profeta bíblico. O profeta bíblico não simplesmente um "analista" sócio-político, como o querem os estudiosos liberais das Escrituras. Observe os moldes pelos quais deveriam ser vistos os profetas, em Israel: "De todo aquele que não ouvir as minhas palavras, que ele falar em meu nome, disso lhe pedirei contas. Porém o profeta que presumir de falar alguma palavra em meu nome, que eu lhe não mandei falar, ou o que falar em nome de outros deuses, esse profeta será morto. Se disseres no teu coração: Como conhecerei a palavra que o SENHOR não falou? Sabe que, quando esse profeta falar em nome do SENHOR, e a palavra dele se não cumprir, nem suceder, como profetizou, esta é palavra que o SENHOR não disse; com soberba, a falou o tal profeta; não tenhas temor dele.". Deuteronômio 18:19-22. Obviamente que a sociedade judaica via a profecia, sim, como algo vindo da parte de Deus, principalmente quando a profecia tinha elementos preditivos. O profeta arriscava seu pescoço com uma profecia não cumprida. Em muitas ocasiões, por mais analista e estratégico que fosse, não haveria qualquer condição de determinado profeta predizer, com a exatidão que fazem os profetas bíblicos, eventos que aconteceriam anos e até séculos adiante. Este é o caso de Isaías, Zacarias, Daniel, entre outros! Grifo nosso.).
Além dos dados de Qumran e do contexto histórico, características literárias também levam os pesquisadores a atribuir a autoria do capítulo 40 e seguintes a um profeta/poeta anônimo convencionalmente conhecido como Deutero-Isaías, ou Segundo Isaías (da palavra grega para “segundo”). “O estilo do Primeiro Isaías é muito mais direto, enquanto a qualidade e a beleza poética das descrições do Deutero-Isaías não têm rival em todo o Antigo Testamento anterior a ele”, exemplifica Colli.
"Também há uma diferença grande entre a prosa da primeira parte do livro e a poesia no capítulo 40. Finalmente, há uma diferença grande entre as mensagens de advertência e julgamento anteriores e as falas do Deutero-Isaías, que só predizem coisas boas para os exilados de Judá”, afirma o especialista. Para Colli, o anônimo Deutero-Isaías provavelmente fazia parte de um círculo de admiradores do Isaías original, os quais compilaram e ampliaram seus oráculos proféticos durante o exílio na Babilônia.
Como se a coisa não fosse suficientemente complicada, muitos estudiosos também enxergam uma mudança igualmente significativa a partir do capítulo 56 e até o fim do livro: esse seria o Trito-Isaías, um profeta que escreve depois da volta dos exilados para a Palestina e tem preocupações bem diferentes. Um fenômeno parecido estaria presente no livro do profeta Zacarias, que misturaria oráculos que vão do século 6 a.C. ao século 4 a.C.
Dois Pedros, vários Paulos?
A situação é ainda mais curiosa no caso das cartas atribuídas aos apóstolos Pedro e Paulo no Novo Testamento, afirma Bart D. Ehrman, pesquisador do Departamento de Estudos Religiosos da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill (EUA) e autor do livro “Pedro, Paulo e Maria Madalena”, recém-lançado no Brasil. (Ehrman é um teólogo liberal, que não crê na inspiração bíblica, escarnece de seu passado ortodoxo e tem sido combatido por apologistas, como William L. Craig em célebres debates. Grifo nosso).
O fato é que, fora do cânon da Bíblia, há inúmeros textos atribuídos a Pedro e Paulo (dois Apocalipses, um de cada apóstolo, e até um Evangelho de Pedro) que foram rejeitados como inautênticos pelas comunidades cristãs. No caso da Primeira Carta de Pedro, aceita como canônica, Ehrman afirma que, primeiro, é estranho que ela seja endereçada a comunidades da Ásia Menor (atual Turquia), fundadas e coordenadas originalmente por Paulo, e não por Pedro. Também surpreende o grego elegante e refinado do autor, enquanto o Pedro histórico era um pescador iletrado da Galiléia, que provavelmente só falava aramaico.
“Naturalmente, seria possível que, após a ressurreição de Jesus, Pedro tivesse voltado à escola, aprendido grego, praticado como escrever excelentes textos nessa língua, estudado a fundo a Bíblia em grego e, ainda por cima, escrito uma carta como essa para um grupo de pessoas sobre as quais não há outras notícias de contatos de sua parte. Mas parece improvável”, escreve Ehrman. (O que o S. Exa., o dr. Bart Ehrman, se "esqueceu" de mencionar é que 1 Pedro foi escrita por um amanuense, Silvano, conforme pode ser visto em 1 Pedro 5:12: "Por meio de Silvano, que para vós outros é fiel irmão, como também o considero, vos escrevo resumidamente, exortando e testificando, de novo, que esta é a genuína graça de Deus; nela estai firmes.". Os preceitos são petrinos, mas o estilo, a gramática, o arranjo das idéias são do amanuense. O argumento de S. Exa., de que é "improvável" que ele tenha escrito para comunidades "com as quais não há notícia de que teve contato" também não se sustenta. Ao que tudo indica, Paulo não conhecia a comunidade cristã de Roma, quando escreve sua Carta aos Romanos: "Primeiramente, dou graças a meu Deus, mediante Jesus Cristo, no tocante a todos vós, porque, em todo o mundo, é proclamada a vossa fé. Porque Deus, a quem sirvo em meu espírito, no evangelho de seu Filho, é minha testemunha de como incessantemente faço menção de vós em todas as minhas orações, suplicando que, nalgum tempo, pela vontade de Deus, se me ofereça boa ocasião de visitar-vos. Porque muito desejo ver-vos, a fim de repartir convosco algum dom espiritual, para que sejais confirmados, isto é, para que, em vossa companhia, reciprocamente nos confortemos por intermédio da fé mútua, vossa e minha. Porque não quero, irmãos, que ignoreis que, muitas vezes, me propus ir ter convosco (no que tenho sido, até agora, impedido), para conseguir igualmente entre vós algum fruto, como também entre os outros gentios. (1:8-13). Seguindo a lógica do dr. Ehrman, seria "improvável" Paulo escrever aos romanos, se não os conhecesse, porque o "provável" é que os escritores bíblicos ´só escrevessem para comunidades fundadas pelos mesmos´, ou seja, cada um na sua comunidade, o que é obviamente, um absurdo histórico. Esta é típica informação parcial e que desinforma mais do que informa! Grifo nosso).
Mais fortes ainda são as evidências contra a Segunda Carta de Pedro, que não é mencionada por nenhum outro autor cristão até o século 3 d.C., lida com as dificuldades da demora do retorno de Jesus à Terra (um problema que só teria se tornado agudo para os cristãos da segunda e terceira gerações), fala das cartas de São Paulo como se elas já fossem um texto sagrado (mas todas não estariam circulando ao mesmo tempo, as dele e as de Pedro?) e menciona “os vossos apóstolos”, como se o autor da carta não fosse ele próprio um apóstolo, supostamente.
E, falando das epístolas de Paulo, elas sofrem de um problema parecido, diz Ehrman. Sete das 13 incluídas no Novo Testamento são incontestavelmente dele: Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Filipenses, 1 Tessalonicenses e Filêmon. O resto, explica o pesquisador, fica sob suspeita por não seguir o estilo literário das cartas incontestáveis, apresentar contradições flagrantes com a teologia paulina nessas cartas e se referir a um contexto histórico que só surgiu depois que Paulo já havia morrido. (Que "contradições"... Que "contextos históricos posteriores" são esses? Em que, por exemplo, 2 Tessalonicenses difere da primeira carta? Seria pelo fato de Paulo explicar um mal entendido ocorrido na Primeira Carta - como a ´certeza´ de uma volta iminente de Jesus?? Bem, como a reportagem, como é de praxe, acusa sem provar, não podemos responder devidamente! Grifo nosso).
O caso mais flagrante é o das chamadas Epístolas Pastorais, supostamente endereçadas pelo apóstolo a seus companheiros Tito e Timóteo, que teriam virado chefes das igrejas de Éfeso, na Ásia Menor, e da ilha de Creta. Para começar, o autor das Epístolas Pastorais pressupõe que seus destinatários trabalham em igrejas bem-organizadas, servidas por diáconos, ministradas por presbíteros (“ancestrais” dos modernos padres) e chefiadas por bispos. Acontece que, na época do Paulo histórico, tudo indica que essa organização ainda não havia emergido. (Aonde isto está "indicado"? Baseado em quê se faz uma argumentação desta natureza? Observou como a reportagem é tendenciosa e desinformativa? Grifo nosso).
Coisa parecida se dá em relação ao papel das mulheres nessas igrejas. Ao que tudo indica, o Paulo original não via problemas com a participação direta das mulheres nas celebrações cristãs, profetizando e tomando a palavra para pregar. Já seus sucessores das Epístolas Pastorais proíbem terminantemente as cristãs de ocupar qualquer cargo de relevo na comunidade. (Há contradição, sim, mas no estudo liberal que ora critico. Veja a contradição: Um pouco acima, o artigo do "G1" cita o dr. Ehrman, e sua consideração de que 7 das 13 epístolas que conhecemos como paulinas são realmente de Paulo. Sem fazer o "dever de casa" mínimo exigido para um ensaio cujo teor é altamente relevante para a cristandade que tem acesso a estas informações, o autor do artigo não se apercebeu que, dentre as "7 epístolas incontestavelmente de autoria paulina", está Primeira aos Coríntios. Bem, nesta carta, está escrito assim: "...conservem-se as mulheres caladas nas igrejas, porque não lhes é permitido falar; mas estejam submissas como também a lei o determina..." (14:34). Se, como afirma a reportagem, "Paulo não via problemas com a participação direta das mulheres nas celebrações cristãs", isto nas "7 epístolas incontestavelmente de sua autoria", e ´somente os escritores posteriores, que escreveram supostamente em nome de Paulo, viam algum problema´, como estes preceitos estão registrados em 1 Coríntios 14:34? Ou o autor do artigo do "G1" não tem a mínima idéia do que está dizendo ou Paulo não tinha a mínima idéia do que estava dizendo em suas cartas!.. Bem, como está claro, é óbvio que a resposta é a PRIMEIRA opção! Em tempo: Paulo proíbe o excesso, em todos os aspectos, na Igreja em Corinto, pelos problemas registrados nos versículos subsequentes ao 34. Ao que tudo indica, estava havendo balburdias nos cultos, e provavelmente algumas mulheres eram protagonistas das mesmas. Grifo nosso.).
Fonte: G1
Em Cristo Jesus,Pr. Artur Eduardo
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