Quando um Richard Dawkins ou um Daniel Dennett examinam a questão de um “Ser Supremo” que teria “criado o mundo” e chegam naturalmente à conclusão de que esse Ser não existe, eles raciocinam como se estivessem presentes à criação enquanto observadores externos e, pior ainda, observadores externos de cuja constituição íntima o Deus onipresente tivesse tido a amabilidade de ausentar-se por instantes para que pudessem observá-Lo de fora e testemunhar Sua existência ou inexistência. Esse Deus objetivado não existe nem pode existir, pois é logicamente autocontraditório. Dawkins, Dennett e tutti quanti têm toda a razão em declará-lo inexistente, pois foram eles próprios que o inventaram. E ainda, por uma espécie de astúcia inconsciente, tiveram o cuidado de concebê-lo de tal modo que as provas empíricas da sua inexistência são, a rigor, infinitas, podendo encontrar-se não somente neste universo mas em todos os universos possíveis, de vez que a impossibilidade do autocontraditório é universal em medida máxima e em sentido eminente, não dependendo da constituição física deste ou de qualquer outro universo.
Se você não “acredita” no Deus da Bíblia, isso não faz a mínima diferença lógica ou metodológica na sua tentativa de investigar a existência ou inexistência d’Ele, quando essa tentativa é honesta. Qualquer que seja o caso, você só pode discutir a existência de um objeto previamente definido se o discute conforme a definição dada de início e não mudando a definição no decorrer da conversa, o que equivale a trocar de objeto e discutir outra coisa. Se Deus é definido como onipotente, onisciente e onipresente, é desse Deus que você tem de demonstrar a inexistência, e não de um outro deus qualquer que você mesmo inventou conforme as conveniências do que pretende provar.
O método dos Dawkins e Dennett baseia-se num erro lógico tão primário, tão grotesco, que basta não só para desqualificá-los intelectualmente nesse domínio em particular, mas para lançar uma sombra de suspeita sobre o conjunto do que escreveram sobre outros assuntos quaisquer, embora seja possível que pessoas incompetentes numa questão que julgam fundamental para toda a humanidade revelem alguma capacidade no trato de problemas secundários, onde sua sobrecarga emocional é menor.
Longe de poder ser investigado como objeto do mundo exterior, Deus também é definido na Bíblia como uma pessoa, e como uma pessoa sui generis que mantém um diálogo íntimo e secreto com cada ser humano e lhe indica um caminho interior para conhecê-La. Só se você procurar indícios dessa pessoa no íntimo da sua alma e não os encontrar de maneira alguma, mesmo seguindo precisamente as indicações dadas na definição, será lícito você declarar que Deus não existe. Caso contrário você estará proclamando a inexistência de um outro deus, no que a Bíblia concordará com você integralmente, com a única diferença de que você imagina, ou finge imaginar, que esse deus é o da Bíblia.
Quando o inimigo da fé faz um esforço para ater-se à definição bíblica, ele o faz sempre de maneira parcial e caricata, com resultados ainda piores do que no argumento da “criação”. Dawkins argumenta contra a onisciência, perguntando como Deus poderia estar consciente de todos os pensamentos de todos os seres humanos o tempo todo. A pergunta é aí formulada de maneira absurda, tomando as autoconsciências como objetos que existissem de per si e questionando a possibilidade de conhecer todos ao mesmo tempo ex post facto. Mas a autoconsciência não é um objeto. É um poder vacilante, que se constitui e se conquista a si mesmo na medida em que se pergunta pelo seu próprio fundamento e, não o encontrando dentro de seus próprios limites, é levado a abrir-se para mais e mais consciência, até desembocar numa fonte que transcende o universo da sua experiência e notar que dessa fonte, inatingível em si mesma, provém, de maneira repetidamente comprovável, a sua força de intensificar-se a si próprio.
Dez linhas de Louis Lavelle sobre este assunto, ou o parágrafo em que Aristóteles define Deus como noesis noeseos, a autoconsciência da autoconsciência, valem mais do que todas as obras que Dawkins e Dennett poderiam escrever ao longo de infinitas existências terrestres. Um Deus que desde fora “observasse” todas as consciências é um personagem de história da carochinha, especialmente inventado para provar sua própria inexistência. Em vez de perguntar como esse deus seria possível, sabendo de antemão que é impossível, o filósofo habilitado parte da pergunta contrária: como é possível a autoconsciência? Deus não conhece a autoconsciência como observador externo, mas como fundamento transcendente da sua possibilidade de existência. Mas você só percebe isso se, em vez de brincar de lógica com conceitos inventados, investiga a coisa seriamente desde a sua própria experiência interior, com a maturidade de um filósofo bem formado e um extenso conhecimento do status quaestionis.
O que mata a filosofia no mundo de hoje é o amadorismo, a intromissão de palpiteiros que, ignorando a formulação mesma das questões que discutem, se deleitam num achismo inconseqüente e pueril, ainda mais ridículo quando se adorna de um verniz de “ciência”.
Fonte: Diário do ComércioNOTA: É óbvio que o fundamento do que o Olavo de Carvalho diz encontra-se em gente como Platão, Aristóteles, Tomás de Aquino, etc. O que ele chama de ´fundamento da transcendência´ assemelha-se à idéia do ´perfeito´, de Descartes, na sua ´prova da existência de Deus´, uma recorrência ao velho Argumento Ontológico. Mas investigar sobre Deus seriamente é isto mesmo: Refletir sobre a pessoa de Deus, pois é assim que Deus nos é revelado nas Sagradas Escrituras, como uma ´pessoa´. O problema, em parte, se dá pela definição moderna de ´pessoa´. O que é pessoalidade? Depois de mais de um século de empirismo positivista, fruto do Iluminismo do século XVIII, não é de admirar que seja inconcebível, para muitos, uma perspectiva do ´cogito´ além do ´eu´ psicológico. Na Psicologia, em quaisquer de suas vertentes, a ´pessoa´ é vista sempre aliada ao substrato que compõe a mente, sendo inelutavelmente atrelada ao campo do sensível. Comungo da explicação do autor quanto à explicação da definição aristotélica da essência do que podemos entender de Deus, pois, quando refletimos sobre a essência da pessoalidade verificamos que a mesma não pode atrelar-se ao indivíduo, mas deve provir de um ´outro´ que a justifique, do contrário nada poderia sustentar nossas proposições, nem as que fazemos sobre nós mesmos. Pessoalidade, portanto, não pode vir das pessoas, mas de algo (ou alguém) que lhes impute tal característica. Para os gregos, seria a Razão. Porém, à época de Platão e Aristóteles, por exemplo, não lhes havia sido divulgada a mensagem do Deus da Bíblia, a mensagem revelada de sua pessoa divina, sui generis, e que coaduna-se perfeitamente aos anseios e dúvidas sobre a própria natureza do que nos faz pessoas, isto sem recorrermos a qualquer tipo de intuição esdrúxula. É impossível, portanto, pensarmos em pessoalidade sem sermos remetidos à idéia de um padrão absoluto, puro, pleno da pessoalidade em si, e é óbvio que tal padrão pode e deve ser chamado de ´pessoa´. Só o Deus da Bíblia encaixa-se nestas características.
Glória pois a Ele, eternamente, amém.
Em Cristo Jesus,
Pr. Artur Eduardo
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