A ciência tem obtido seu grande sucesso devido à modéstia de sua ambição, restringindo-se ao encontro impessoal e limitando-se a descrever os processos naturais. O fato é que as redes lançadas por ela são muito grosseiras para capturar o todo da realidade. Sua compreensão da música, por exemplo, é estruturada em termos de respostas do sistema nervoso ao impacto de ondas de ar no tímpano. O profundo mistério da música -- como uma sequência temporal de sons é capaz de descrever uma esfera eterna de beleza? -- escapa totalmente à sua compreensão. Um elemento importante no debate contemporâneo entre ciência e religião é o reconhecimento da importância de “questões de limite”, referentes a assuntos que emergem da prática científica, mas que vão além dos limites postos pela própria ciência a seu potencial explanatório. Essas questões de limite têm sido a base para um novo tipo de teologia natural, largamente desenvolvida pelos próprios cientistas, alguns dos quais não aderem a nenhuma tradição religiosa.
Exemplo de conciliação: Alunos de pós-graduação da USP (Ciências Biomédicas) promoveram um debate sobre Religião x Ciência. Contrariando a imagem que nos é passada pela maior parte da mídia, o debate revelou que há uma propensão muito maior à conciliação há algumas décadas. Para mais informações, recomendo a leitura do livro ´A Alma da Ciência´, de Nancy Pearcey. No livro, a autora que é também pesquisadora revela que a dissociação entre ciência e religião (mais especificamente entre ciência e Cristianismo) é um fenômeno da modernidade.
Teologia Natural
A Teologia Natural é a tentativa de aprender algo sobre Deus a partir de considerações gerais tais como o exercício da razão e a investigação do mundo. Sua forma clássica é associada a pensadores como Tomás de Aquino (século 13) e William Paley (1743-1805). Eles falavam em termos de “provas” da existência de Deus e frequentemente buscavam explicações teológicas para a aptidão funcional dos seres vivos, compreendidos como havendo sido projetados pelo divino Artífice. A Teologia Natural contemporânea é mais modesta em seu caráter. Seu objetivo não é a inescapabilidade lógica, mas a compreensão iluminada, reivindicando que o teísmo explica mais do que o ateísmo. O relacionamento da Teologia Natural com a ciência é de complementaridade, em vez de rivalidade. Reconhecendo que as questões científicas devem receber respostas científicas, a nova Teologia Natural se concentra nas questões de limite que emergem da ciência, mas que escapam ao seu escopo explanatório. Duas dessas metaquestões têm se revelado particularmente importantes.
A primeira diz respeito à razão porque a ciência é possível, na forma profunda e extensiva que conhecemos. Obviamente a necessidade evolucionária de sobrevivência pode explicar porque os humanos são capazes de compreender a grosso modo os fenômenos do dia-a-dia. Ainda assim é difícil crer que nossa habilidade para compreender o mundo subatômico da física quântica e o mundo cósmico da curvatura espaço temporal -- ambos os domínios remotamente distantes do impacto direto sobre eventos do dia-a-dia, e ambos requerendo, para a sua compreensão, modos altamente contra-intuitivos de pensamento -- seja meramente um bônus fortuito da necessidade de sobrevivência.Além disso, o mundo não é apenas racionalmente transparente em um grau profundo à inquirição científica, mas também é, em semelhante grau, racionalmente belo, concedendo repetidamente aos cientistas o senso de maravilha como uma recompensa pelo trabalho de pesquisa. Na física fundamental, uma técnica comprovada de descoberta é a busca por teorias cujas equações sejam matematicamente belas, desde que apenas estas teorias atingem a fertilidade de longo prazo capaz de nos persuadir de sua verossimilhança.
Com os avanços em Genética pudemos perceber que a vida tem uma constituição muito mais complexa do que era possível ser imaginado no século XIX, por exemplo. Esta complexidade tem feito mais e mais cientistas tornarem-se adeptos da teoria do Intelligent Design, que não deve ser confundida com o Criacionismo bíblico. A argumentação do ID visa, basicamente, demonstrar que a complexidade da vida é um irredutível, ou seja, não pode ser reduzida a processos não biológicos.
Por que a ciência profunda é possível, e por que seus sucessos envolvem tão intimamente a disciplina aparentemente abstrata da matemática, são certamente questões significativas sobre a natureza do nosso mundo. A ciência, por si só, é incapaz de explicar este caráter profundo das leis da natureza. Ela é obrigada a tratá-lo simplesmente como a base inexplicável que tem de ser assumida para sua exposição dos detalhes do processo. Entretanto, parece intelectualmente insatisfatório abandonar a questão assim, como se a ciência fosse apenas um feliz acidente. Uma compreensão religiosa torna a própria inteligibilidade do universo inteligível, explicando que o mundo está cravejado de sinais de inteligência precisamente porque a Mente do seu Criador está por trás dessa ordem maravilhosa.
Essa ordem não é apenas bela, mas também profundamente frutífera. O universo como nós o conhecemos começou a 13.7 bilhões de anos atrás, essencialmente como uma bola de energia quase uniforme, em expansão. Hoje o universo é rico e complexo, com santos e cientistas entre seus habitantes. Esse fato em si mesmo sugere que algo vem acontecendo na história cósmica que vai além do que a ciência pode dizer; mas além disso, a compreensão científica dos processos evolucionários dessa história tem mostrado que o cosmo era desde o início prenhe de potencial para a vida baseada em carbono. As leis básicas da natureza, em seu caráter atual, tiveram que assumir uma forma quantitativa específica para possibilitar a emergência da vida em algum local do universo. Esse ajuste-fino (fine-tuning) dos parâmetros fundamentais é usualmente denominado Princípio Antrópico.1 Um mundo capaz de produzir seres autoconscientes é um universo muito específico, de fato.
Esta especificidade cósmica levanta a segunda metaquestão, sobre por que isto deveria ser assim. O ajuste-fino Antrópico veio como um choque para muitos cientistas. Eles tendem a preferir o geral ao particular, sendo então inclinados a supor que não haveria nada de muito especial sobre o nosso mundo.A Teologia Natural enxerga o potencial antrópico como um dom que o Criador deu à criação. Aqueles que recusam esta idéia são levados, ou a considerar o ajuste-fino como outro acidente incrivelmente feliz, ou a abraçar a extraordinária suposição de que há, de fato, um vasto multiverso composto de muitíssimos universos bem diferentes, mas que apenas um é observável por nós, sendo o nosso universo, por puro acaso, aquele no qual as circunstâncias permitiram o desenvolvimento da vida baseada em carbono. (Esta é uma idéia que vem ganhando cada vez mais adeptos, entre pensadores científicos, como o físico Michiu Kaku e sir Stephen Hawkins. Grifo nosso.).
Criação
A doutrina da criação não diz respeito primariamente a como as coisas começaram, mas por que elas existem. Deus é visto como ordenador e sustentador do cosmo, sendo o seu Criador hoje, tanto quanto o era na época do Big Bang (o qual é cientificamente interessante, mas não é teologicamente crítico). Essa compreensão da realidade leva à visão de que a criação é um processo em contínuo desdobramento, no qual Deus age tanto por meio dos resultados do processo natural quanto por qualquer outro meio. Um diálogo frutífero entre a ciência e a religião deve ser baseado nessa compreensão da criação.
Não é porque não temos todas as respostas que devemos enveredar para o misticismo supersticioso, mas o contraponto, o minimalismo niilista científico não provê as questões fundamentais da existência e é, portanto, insatisfatórico como provedor exclusivo da Verdade. As chamadas ´áreas limites´, propostas por Polkinghorne, precisam ser corajosamente postas ´na mesa´, debatidas e é importante que se observe, sim, que há uma fundamentação epistemológica sólida nos preceitos cristãos. Vide o livro ´Não Tenho Fé Suficiente Para Ser Ateu´, de Norman Geisler e Frank Turek.
A ciência tem muito a contribuir para o diálogo interdisciplinar, por meio do quadro que ela pode fornecer do processo e da história do universo. Sua contribuição mais importante é o conceito evolucionário da emergência de novidade em regimes onde regularidade regrada (antrópica) e especificidade acidental interagem. A interação de acaso e necessidade “na margem do caos” (um domínio de processos caracterizados pelo entrelaçamento de graus de ordem com sensibilidade a pequenas influências) tem operado em muitos níveis, da evolução cósmica das estrelas e galáxias, à familiar história biológica do aumento da complexidade da vida terrestre.
Dr. John Polkinghorne trabalhou com física teórica de partículas elementares por 25 anos; foi professor de física matemática na Universidade de Cambridge e presidente do “Queen´s College”, em Cambridge. É membro da “Royal Society”, foi o presidente fundador da “International Society for Science and Religion” (2002-2004) e é autor de vários livros sobre ciência e religião. Esse artigo é parte da série “Faraday Papers”, publicada pelo Instituto Faraday para Ciência e Religião, uma organização sem fins lucrativos para educação e pesquisa localizada em Cambridge, Reino Unido.
Fonte: Ultimato
NOTA: O pensamento de Pokinghorne, sem dúvida um dos mais proeminentes defensores do diálogo entre ciência e religião, na atualidade, não está preso a dogmas que são caros a ambos os lados, como os que envolvem a criação e o desenvolvimento da vida. Com uma retórica brilhante, mas que em alguns pontos lembra o argumento do evolucionismo teísta, Polkinghorne chama-nos à atenção para a necessidade factual de ambos os lados do debate cederem em pontos que podem vir a ser compreendidos como ´de convergência´, como a complexidade da vida. Trabalhando no perímetro das ´áreas limites´ da ciência, o autor reabre o debate acerca da importância de estabelecermos propósito à existência, além de nos lembrar que alguns conceitos evolucionistas não são suficientes para explicar o avanço da própria ciência em campos que exigem o raciocínio contraintuitivo, como na Física teórica.
Em Cristo Jesus,
Pr. Artur Eduardo
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