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quinta-feira, 23 de abril de 2009

A soberania de Deus, arbítrio do homem e o pensamento

A IMPORTÂNCIA DA INTELECÇÃO PARA TEMAS DO CRISTIANISMO BÍBLICO


Copista antigo em seu ambiente de trabalho. Por causa de seus esforços, dedicação e perseverança em aprender línguas originais, transcrever livros antigos e, eventualmente, emitir algum juízo de valor em obras próprias é possível, pensadores, copistas e intérpretes do legaram maios de construirmos pontes com o nosso passado, inclusive o bíblico! O trabalho intelectivo sempre esteve presente na transmissão das idéias sobre o mundo, a vida, o homem e, principalmente, sobre Deus.

Há detalhes que fazem, realmente, toda a diferença. Recentemente, lendo sobre a chamada ´Falácia da troca da necessidade da condicional pela necessidade do consequente´ pude perceber como é importante estarmos atentos a questões importantes, mesmo traduzidas em mínimas sentenças. Digo isto pois parece que vivemos em uma sociedade que despreza a linguagem, cujas palavras ´ficam no ar´ e que usa mais e mais garantias de ônus contra subversões que fazemos ao nos comprometermos com algo e não cumprirmos. Na Filosofia, contudo, ninguém fica ´impune´ ao afirmar algo, principalmente quando generaliza. Todos, nenhum, quaisquer, qualquer etc. são exemplos de palavras que se devem usar com cuidado pois basta um exemplo que fuja à regra e podem ruir prestígio e confiança. Numa sociedade, portanto, com as características acima mencionadas, é necessário que ressaltemos o poder do significado naquilo que dizemos, que é o fruto dos significados que damos ao pensarmos. Pensar sem dar significado é impossível, diria Vigotsky, o que me parece ser um fato inexorável.

Interessante é analisarmos como os medievalistas, grandes investigadores da ontologia cristã, raciocinavam acerca de generalizações que lhes pareciam impossíveis. Uma das tais era conciliar a liberdade humana (Livre-Arbítrio) e a soberanida de Deus, claramene expressa nas Sagradas Escrituras. Observe que a questão aqui não é somente antever, mas antever (fato) preservando-se a liberdade humana. Particularmente, tenho um pensamento moldado pelo que afirmam as Escrituras concernente à ´liberdade´ humana. Agostinho ja dizia que após Adão, uma vez que participamos do seu pecado, todos temos o ´livre-arbítrio´ marcado pelo pecado e, por isso, não é ´tão livre assim´.

Agostinho.

Na Idade Média começou-se a especular sobre a Ontologia nos padrões dos clássicos. Boécio, o "úlimo dos romanos", parece ser o primeiro estudioso a dividir uma questão aparentemente simples, mas com implicações enormes. No retorno à lógica aristotélica e à busca por ideais padrões dogmáticos sobre a Cristologia, a Eclesiologia, a Doutrina de Deus, a Soteriologia etc., o tema do Livre-Arbítrio acendeu uma discussão filosófica ferrenha que precisava ser discutida de maneira responsável e o mais racionalmente possível. Diferentemente do que vemos hoje, os chamados ´patrísticos´, primeiros medievalistas, não queriam soluções prontas, embora muitas vezes vivessem em situações extremas e, a despeito de pagarem com suas próprias vidas por suas convicções, estabeleceram um padrão para a Igreja digno de advir ao período conhecido como da ´Igreja primitiva´ e só igualado pelos reformadores do século XVI. Este é um contexto para o qual deveríamos nos voltar afim de refletirmos sobre os padrões intelectuais, éticos e espirituais sobre os quais estamos construindo nossos paradigmas, hoje.

A questão do Arbítrio humano x Soberania divina já era conhecido antes dos dias de Boécio (séc. V depois de Cristo), e fora tratado por Agostinho, por exemplo. As bases para a exposição e uma resposta satisfatória para o problema perpassaram toda a Idade Média e, mesmo depois, para muitos a questão não foi resolvida e suas implicações chegaram aos séculos XIX e XX, quando foi reduzida de importância, assim como outras grandes questões, e sujeita a minimalismos, ´fórmulas prontas´, discursos carregados de forte apelo subjetivo sem nenhuma consistência sequer com as Escrituras, quase que desaparecendo das mentes que conduzem a Igreja nos dias de hoje, pois estamos na era do ´sentir´, da expressão de emoções, sensações, não importando muito se os elementos constitutivos daquilo que entendíamos por ético, certo e estético devem ou não passar pelo filtro do racional. Aliás, até o próprio termo ´racional´ assume conotações perjorativas, como se não fosse ´racional´ aliar a própria racionalidade com o culto a Deus. A razão tornou-se uma ´inimiga´ da Igreja, no século passado, e desde então criaram-se barreiras quase intransponíveis nas mentes de muitos sobre a prática eclesiástica e o discurso teológico. Era para a Teologia perder sua condição de ´senhora´ para se ´serva´, conforme afirma Sproul.

O problema pode ser exposto da seguinte maneira: Como preservar a Soberania de Deus e a Liberdade humana, uma vez que afirma-se que ´Deus conhece´ todas as coisas, as que são e as vêm a ser? Se aquilo que Deus conhece, é, logo não há a Liberdade como nós a entendemos, pois o homem estará destinado a fazer o que Deus viu que ele viria a fazer. Assim: Se Deus anteviu Adão pecando, então Adão pecaria, inevitavelmente. Se Adão pecaria necessariamene, então Deus fez Adão necessariamente para pecar, o que seria um contrasenso quanto à pessoa do próprio Deus. Particularmente, após alguma reflexão sobre o tema, construi um teodicéia na qual afirmo que Deus trabalharia com a hipótese, ao mesmo tempo plausível e necessária de que ´se o homem poderia pecar (ou não pecar), ele pecaria inevitavelmente´. Esta teodicéia dialoga com a perspectiva de Leibniz de que este mundo ´é o melhor mundo possível´, pois há arbítrio. A grande questão é como coadunar a inevitabilidade do pecado de Adão e a consumação do plano soberano de Deus, preservando tal soberania e não engendrando características que fizessem o homem algo diferente do que ele é. Este, portanto, será tema para um próximo artigo. Por enquanto, detenhamo-nos na questão levantada pelos patrísticos, discutida por toda a Idade Média, e trabalhada primorosamente por Tomás de Aquino, século XIII.

Assim, temos:

Se Deus conhece algo previamente, então aquilo é necessariamente?

A resposta, pelo modus ponnens simples (Deus conhece → Então é), como você já deve ter percebido, tem implicações enormes na questão do Arbítrio. Tomás de Aquino leva o pensamento ao limite quando, baseado nos patrísticos, afirma a importância da linguagem e, consequentemente, da forma como damos significação a partir desta. Trabalhando com a idéia de que o operador modal (de necessidade) muda a definição do que está sendo dito, Tomás de Aquino afirma que se o mesmo vier antes da sentença o caso passa da necessidade do consequente para a necessidade do condicional. Assim:

Se Deus conhece, então necessariamente é...

é diferente de
Necessariamente, Se Deus conhece, então é.

O operador modal, no segundo caso, modifica toda a condição, ou seja, necessariamente se Deus conhece, é, mas não necessariamente. Deus conhecia um mundo onde Adão não teria pecado? Possivelmente sim. Contudo, sabemos que este mundo não foi, pois não era necessariamente. Se Deus conhece algo necessariamente, então aquilo necessariamente é, e a sutileza deste pensamento servia para isentar a pessoa de Deus da responsabilidade humana do pecado pois, segundo os medievalistas, Deus conhecia o pecado de Adão, mas este não teria de ser ´necessariamente´. Assim, o fato de Deus conhecer algo implica dizer que aquilo não tem de ser necessariamente, mas o mais correto seria possivelmente, dada a liberdade de escolha e a previsibilidade divina de mais mundos possíveis. Lembro a você, prezado leitor, que tais inferências lógico-teológicas não precisam se coadunar ao arcabouço do que foi estabelecido pelos reformadores, por exemplo, e sua ênfase (bíblica) na soberania divina. O próprio Agostinho não levou a questão adiante, preferindo os preceitos bíblicos, mas afirmar que o patrístico não pleiteava a causa do Arbítrio humano é mostrar desconhecimento de sua obra, como nos mostra Garreth, em ´Santo Agostinho - A Vida E As Obras De Um Pensador À Frente de Seu Tempo´.

´O Pecado Original´, de Michelangelo.

Para que levantar uma questão como esta? Primeiramente, para mostrar que esta geração precisa aprender a perscrutar novamente. Particularmente, estou com as Escrituras quando estas indicam uma predeterminação divina acerca dos ´Eleitos´, por exemplo. Contudo, não podemos nos esquecer de que isto se dá a partir do pecado de Adão, nas Escrituras, e que a teodicéia bíblica deve procurar responder a questão das ações do homem e do mal no mundo a partir desta perspectiva. Outro ponto é que o ´mundo´ não termina com esta existência, mas segundo as Escrituras Sagradas haverá uma transformação completa da realidade para uma em que ´jamais haverá maldição´ (Apocalipse, 22:3). Para que exista um mundo no qual o homem permaneça com seu arbítrio e Deus com sua soberania, o mal não poderia ser apenas possível, mas necessário, e esta é a base para o artigo no qual falarei sobre a teodicéia que construí. A necessidade do mal nesta fase da existência é crucial para a sua erradicação, na próxima fase (mas, observe, na mesma existência).

Assim sendo, podemos concluir aludindo às premissas geniais de Agostinho, quando sintetizou a condição humana no passado, presente e porvir, segundo os axiomas:

"Antes da Queda, a condição do homem era poder não pecar.
Após a Queda, sua condição é de
não poder não pecar.
Por fim, após a glorificação, sua condição será de
não poder pecar. ".

Observe que o modulador do verbo, no último caso, define uma existência de impossibilidade de erro, algo previsto pelas Escrituras. A questão do operador modal (modificando a condicional e não o consequente) não se aplica à resposta da seguinte pergunta: Como o homem, sendo homem, não poderá pecar após a glorificação? O fato de Deus conhecer necessariamente que o homem não pecará não justifica a não pecaminosidade do homem.

Em tempo oportuno, voltarei à questão.

Em Cristo Jesus,
Pr. Artur Eduardo

Um comentário:

Marcos disse...

muito interessante, gostaria de ler sobre esta exposição do pr., pois outro assunto consequente e que normalmente acabamos por nos ater ao que as escrituras detem irremediávelmente seria quanto a salvação.

DEUS nos mostrando ou não a porta da salvação (JESUS) e dizendo que seremos salvos somente se aceitarmos JESUS (no caso, gentios), pois senão é sofrimento eterno na certa, onde vemos nosso livre-arbítrio??! não encontro!! que arbítrio seria este que caso optemos por ser felizes eternamente temos que aceitar inevitávelmente a JESUS para o alcançar?!?

bastante complicando!!!
fiquemos com a soberania de DEUS e amém!!! rs
graça e paz

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