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sexta-feira, 24 de abril de 2009

Uma presença sutil, mas com efeitos profundos e terríveis nas mentes de antigos pensadores desavisados

O DEMÔNIO NO LIVRO DE ´JÓ´


´A Tentação´, de Gustav Doré.

Quem já leu o livro de , uma "narrativa do sofrimento", uma consideração profunda sobre a soberania de Deus e a nulidade dos pensamentos humanos (também podemos assim dizer), sabe que é uma literatura extraordinária. Apresenta uma abordagem antiga profunda, única em todo o A.T., sobre a natureza e ação de Satanás, ou "adversário". Os diálogos extraordinários entre Deus e Satanás, nos dois primeiros capítulos do livro são uma prova inequívoca de que "" é um livro sem paralelo quanto à abordagem do pensamento antigo acerca da ação do mal, personificado em Satanás, além de uma mostra vívida de costumes, práticas e formas, além da descrição da sabedoria semítica da antiguidade.

Quando observamos o livro de Jó no contexto das críticas literária e textual, ortodoxas, vemos que, de fato, há indícios que sustentam a tese de que o livro é, senão o mais antigo, um dos mais antigos livros do A.T. Isto porque em Jó não encontramos um referência explícita à Lei, embora alguns estudiosos encontrem paralelos, na prática de sacrifícios de Jó em pró dos da sua família, um hábito decorrente dos dias dos Juízes (cf. Jó 1:5. Compare com Lv. 4 e Jz. 11:31 e 21:25). Ainda assim, sem qualquer referência a sacerdócio ou à nação de Israel. É de algum consenso também, a posição que defende a atuação de Satanás apenas nos dois primeiros capítulos do livro. No decorrer do livro de Jó, a figura de Satanás é virtualmente esquecida, e vê-se que a continuidade do sofrimento de Jó se lhe é imposta pelas acusações de seus três amigos, Elifaz, Bildade e Zofar. Não há um indicação clara, mas podemos entender pelo início da fala sobre Eliú, personagem que se junta à discussão apenas no capítulo 32 (Cf. Jó 32:1-4), que os amigos de Jó falaram numa ordem cíclica (sempre Elifaz, Bildade e Zofar, sendo que este último tem um discurso a menos que os outros primeiros) respeitando o peso da idade. Assim sendo, Elifaz provavelmente seria o mais velho e experiente dos quatro, seguido respectivamente por Bildade, Zofar e posteriormente, Eliú.

De fato, o primeiro discurso de Elifaz “guia” os dos demais amigos de Jó, tanto em propósito quanto na forma, isto é, o uso da retórica de se usar o exemplo de Jó para se consolidar a idéia de que um homem que sofresse algo semelhante ao que Jó estava sofrendo seria culpado, no mínimo, de algo grave. A retórica dos amigos de Jó era, também, inquiritiva: No conjunto das “ofensas” contra Jó há claramente o desejo de se descobrir algo que Jó fizera, alguma prática escondida que o incriminasse, tal como o “orgulho”. Esta retórica, portanto, faria os amigos de Jó adotarem a tática do “atire primeiro, pergunte depois”. E, creio piamente, este foi o seu maior erro, sua “loucura” pela qual os três foram severamente repreendidos por Deus (cf. Jó 42:7). Curioso é observarmos que tal exortação da parte de Deus é direcionada a Elifaz, ressaltando a idéia de que ele era o mais experiente dos amigos de Jó, e de ter exercido com sua palavra inicial alguma influência sobre o que os demais amigos de Jó viriam a proferir também.

´Jó e seus amigos´, de Gustav Doré.

Contudo, por que Elifaz tomou a postura de acusador, seguido de seus dois amigos? A resposta parece estar no capítulo 4 do livro de “Jó”. Algo acontece antes do diálogo entre Jó e seus três amigos, e está narrado no capítulo 4 pelo próprio Elifaz, o primeiro dos amigos a falar. Elifaz conta uma “visão” que tivera, assim:
Uma palavra se me disse em segredo; e os meus ouvidos perceberam um sussurro dela.
Entre pensamentos de visões noturnas, quando profundo sono cai sobre os homens,
Sobrevieram-me o espanto e o tremor, e todos os meus ossos estremeceram.
Então, um espírito passou por diante de mim; fez-me arrepiar os cabelos do meu corpo;
Parou ele, mas não lhe discerni a aparência; um vulto estava diante dos meus olhos; houve silêncio, e ouvi uma voz:
´Seria, porventura, o mortal justo diante de Deus? Seria, acaso, o homem puro diante do seu Criador?
Eis que Deus não confia nos seus servos e aos seus anjos atribui imperfeições;
Quanto mais àqueles que habitam em casas de barro, cujo fundamento está no pó, e são esmagados como a traça!
Nascem de manhã e à tarde são destruídos; perecem para sempre, sem que disso se faça caso.
Se se lhes corta o fio da vida, morrem e não atingem a sabedoria
´”.
O quê se nos parecem tais dizeres? Bem, observando a fraseologia do que o referido espírito disse a Elifaz podemos ponderar sobre alguns pontos que se sobressaem de imediato:
  • A pergunta inicial é obviamente retórica, isto é, tem o objetivo de trazer àquele que ouvia (no caso, Elifaz, imediatamente) a idéia de que nenhum homem poderia ou poderá, jamais, ser considerado puro diante de Deus, sendo esta a premissa básica sobre a qual virão as próximas asserções. Isto, por si, é válido não fosse o conjunto do que é dito.
  • Em seguida, encontramos uma declaração duvidosa: “Eis que Deus não confia em seus servos...”. Isto está claramente em oposição à continuidade da revelação progressiva de Deus. Os chamamentos de Deus às grandes obras, desenvolvidas por aqueles que lhe foram eleitos, apresentam claramente elementos de “pacto”, de “aliança”, e aliança é um acerto de confiança entre as partes. Elementos de “aliança” são observados, por exemplo, nas palavras de Jesus em Lucas 22:29: “Assim como meu Pai me confiou um reino, eu vo-lo confio”, estando aqui, de forma clara, a base para que se outorgue poderes e condições para a aplicabilidade de uma determinada tarefa: A confiança. Esta idéia é ressaltada em 2 Co. 5:19: “A saber, que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação”. Eis um problema, portanto, crucial, de ordem teológica, “revelado” de forma contrária pelo espírito que surgiu a Elifaz.
´O inferno de Dante´, de Gustav Doré.

Devemos notar que os tais “servos”, ditos pelo espírito, referem-se imediatamente aos anjos ou mensageiros de Deus. A nossa defesa de uma posição contrária, relativa aos homens, também servos do Altíssimo, é baseada nas palavras de desprezo ditas pelo “vulto” a Elifaz, nas suas terríveis visões da noite. Claramente o espírito fala dos homens como “seres inferiores”, indicando, ao meu ver, que aquele não tinha uma ligação direta com a humanidade, não seria o espírito de um ser humano. Para a ortodoxia isto pode parecer óbvio, mas é importante ressaltarmos porque este pensamento não deve vir a priori. Se assim admitirmos, o discurso tornar-se-á vazio tal qual o que se diz em oposto. Analisando a fraseologia de uma forma gradativa, vemos que o que é dito a Elifaz coloca os “anjos”, os “servos” (imediatos) de Deus, superiores aos homens (“...Quanto mais àqueles que habitam em casas de barro...”). Isto pode indicar, sim, que tal espírito talvez estivesse querendo se apresentar como um dos tais “anjos” de Deus, um de seus mensageiros que veio solidificar uma idéia falsa acerca do próprio Deus e de seu relacionamento com os homens... idéia esta que torna-se a base do pensamento de Elifaz, algo que permeará todos os seus discursos, bem como os de seus amigos, tornando os mesmos meros reflexos de uma idéia que, posteriormente, viria a ser condenada por Deus. O Senhor Deus é claro na reprovação do que é dito por Elifaz, Bildade e Zofar: ...A minha ira se acendeu contra ti e contra os teus dois amigos; porque não dissestes de mim o que era reto, como o meu servo Jó”. (42:7b)

Se a visão de Elifaz, e especificamente aquilo que lhe foi proferido, forem verdadeiros, e não há indícios para pensarmos que não são, estes são extramente sigificativos em vários aspectos. O que lhe foi dito é um misto de verdade e mentira; também reveste-se de aparente reverência a Deus, contudo há nitidamente um teor de ódio que se ressalta na forma como são ditas as características dos homens. A tal visão acontece de forma grotesca e, obviamente, incita àquele que seria o primeiro a falar, por ser o mais velho e/ou experiente e, consequentemente, os seus dois outros amigos, o que não era reto acerca de Deus, uma visão teológica distorcida, contradita pela própria revelação de Deus progressiva.

Assim, não temos por que duvidar que a visão de Elifaz fora demoníaca e inspirou os seus prováveis pressupostos já errôneos acerca de Deus. O capítulo 4 do livro de Jó é altamente significativo porque podemos concluir que a ação espiritual maligna contrária à vida de Jó não se limitou àquilo que acontece nos dois primeiros capítulos do livro. Estende-se para um patamar mais elevado que, penso eu, está esquecido: O de que os ataques ao físico, ao material, àquilo que pode de certa forma ser reposto pela própria matéria não se comparam aos ataques à alma, à fé, à ética, à postura espiritual que nos permite abrirmo-nos aos ensinamentos do Senhor Deus mesmo nos momentos de crise. Isto não pode ser "perdido". Eis o maior de todos os ataques. Eis a maior de todas as derrotas.

A iminência da derrota de Jó é interrompida com os ensinamentos do Senhor Deus descritos a partir do cap. 38. Jó arrepende-se de tudo errôneo o que dissera (cf. 42:3-5) e, no fim, como sempre deve acontecer na vida daqueles que servem a Deus piamente e que conhecem bem o Deus a quem servem, Satanás vê seus planos destruídos (42:10), como estruído um dia ele mesmo será...

.... mesmo que, ao fim do livro de Jó e em consonância com os dias atuais, "ninguém se lembre mais"!!!....

Em Cristo Jesus,
Pr. Artur Eduardo

3 comentários:

Vinícius Pimentel disse...

Pr. Artur,

Já postei diversos comentários aqui. Sou cristão, tenho 19 anos e sou estudante de Direito.

Tenho convicção de que o Senhor tem me vocacionado para servir ao Seu propósito e à edificação de Sua igreja. Por isso, hoje, cada vez mais, sinto a necessidade de mergulhar nas Escrituras para conhecê-lO, e também para poder desenvolver uma fé sólida e ajudar os irmãos a fazerem o mesmo.

Entretanto, como ainda não possuo condições de entrar num curso teológico, tenho procurado bons livros e bom conteúdo na internet. O que tenho ainda é muito pouco.

O sr. afirma em seu perfil que teologia é diferente de fé. Concordo plenamente. O sr. fala ainda em "academicismo teológico" e, no perfil anterior, dizia que "teologia é essencialmente ciência". Certamente, a depender do conceito de ciência, o sr. também está certo.

Todavia, sabemos que toda ciência possui um objeto, um método de estudo. Uma ciência também deve possuir seu arcabouço teórico próprio, que a distingue das demais ciências: sua linguagem própria, seus conceitos, classificações, subdivisões etc.

Penso que um erro cometido tanto por leigos como por teólogos é não fazer a devida distinção entre a teologia e o seu objeto. O objeto da teologia é a Verdade divinamente revelada. A teologia mesma é o conjunto de conhecimentos humanos que se debruçam sobre este objeto. Porém vejo que a maioria dos teólogos exalta a teologia de tal modo a confundi-la com a própria verdade, o que é inconcebível para mim.

Sendo a teologia uma ciência, não deveriam estar os teólogos preocupados também em refletir de forma crítica sobre o modo como se pensa e se faz teologia? Esta discussão é fomentada no meio acadêmico?

Penso que esta mistura entre Teologia e Verdade Revelada, entre a ciência e seu objeto, é extremamente perniciosa. Ela gera a arrogância dos teólogos, que se imaginam possuidores da "verdadeira Verdade", ao mesmo tempo em que produz nos não-teólogos uma verdadeira aversão à teologia.

Como o sr. vê essa relação entre ciência e objeto dentro da Teologia? Que reflexões acadêmicas se faz em torno desse tema? Existe uma busca dos teólogos por entender a teologia de forma crítica, um "pensar a teologia pela própria teologia"?

Espero ter sido claro!

Em Cristo,
Vinícius

PS: Se o sr. conhecer bom material sobre o assunto, aceito indicações.

Unknown disse...

Olá, Vinicius. Como vai?

Você pergunta: "Sendo a teologia uma ciência, não deveriam estar os teólogos preocupados também em refletir de forma crítica sobre o modo como se pensa e se faz teologia? Esta discussão é fomentada no meio acadêmico?". Na história do Cristianismo isto aconteceu várias vezes, e de maneira natural. É por isso que houve, inclusive, a Reforma protestante, do século XVI, além de movimentos prévios e ulteriores. Obviamente que, em meios acadêmicos mais comprometido com a reflexão teológica, a auto-crítica teológica é feita com certa frequência, o que produz até bons revisionismos.

Você também pergunta: "Como o sr. vê essa relação entre ciência e objeto dentro da Teologia? Que reflexões acadêmicas se faz em torno desse tema? Existe uma busca dos teólogos por entender a teologia de forma crítica, um "pensar a teologia pela própria teologia"?". A Teologia tem por objeto aquilo que entende ser a revelação de Deus. Tomás de Aquino dedicou-se à Teologia Natural, pois entendia que a investigação filosófica leva-nos, inexoravelmente, à revelação de Deus, mesmo que tal revelação fosse inferior à bíblica. A grande maioria dos teólogos, que foram filósofos cristãos, especularam sobre os meios de revelação divinos, principalmente as Escrituras. Creio que o que acontece, de certo tempo para cá, é exatamente o que você disse: ´uma mistura desagradável de dogmas acadêmicos´ e pressuposições teológicas comprometidas com a teologia sistemática confessional. Isto produz disparates teológicos, sem dúvida. Contudo, é necessário que façamos uma distinção quando falamos sobre ´ciência´ teológica. Aqui, o termo ciência não se enquadra nos padrões naturalistas e empiristas, pois a teologica lida com questões que se encerram praticamente no campo metafísico. Não há sentido em falarmos de teologia nos moldes da ciência atual, que é exclusivamente empirista na forma e positivista em tese.

Como a base do estudo teológico é a Escritura Sagrada, há princípios bíblicos que devem reger a forma como extrair o conteúdo de contextos bíblicos e, por exemplo, aplicá-los aos dias atuais. Em uma sociedade que vive falando de vegetarianismo e na qual há protestos de grupos conservacionistas dos direitos dos animais, falar da importância espiritual de sacrifícios de animais constitui-se um desafio hercúleo. Contudo, como dia Lincon, ´não se pode fugir da História´. A nossa História é esta e há questões do século XXI que exigem respostas do século XXI, mesmo que as bases da mesma estejam no século XV a.C. A Teologia precisa por autocríticas constantemente, para poder até selecionar os que se autointitulam ´teólogos´, mas não o são. Teólogo é alguém que não está alheio ao mundo que o cerca, mas que mantém um pé fixo no passado, pois é de lá que se retira o objeto de sua análise. A apresentação da relevância do que foi dito no passado, porém, precisa do auxílio do Espírito de Deus, pois estamos falando de um assunto que só tem sentido, penso, se levarmos em consideração a precedência do espiritual sobre o plano sensível.

Os métodos teológicos vêm sofrendo mudanças, a liberdade do pensar é melhor recebida do que há cem anos atrás e o diálogo de vertentes teológicas distintas é bem mais amigável do que o de algumas décadas. Contudo, há muito o que melhorar. Os estudiosos do Brasil precisam produzir, e produzir com excelência. Há muito potencial nos cristãos deste país, que, uma vez comprometidos com a tarefa suprema de conhecer e expor a Verdade por trás de toda a relidade, podem fazer real diferença não somente nesta, mas nas sociedades humanas.

Em Cristo Jesus,
Pr. Artur Eduardo

Unknown disse...

Pr. Arthur:

Queria lhes falar que foi muito importante a pregação que o senhor fez na última vez que pregou no seminário (no culto da ceia). Que bela mensagem. Que Jesus o capacite mais e mais o faça um instrumento nas mãos Dele.

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