São quatro dezenas de ovelhas espalhadas pela sala. Marrons, brancas, pretas. De vidro, de acrílico, de pelúcia. “Essas dão muito menos trabalho do que as minhas ovelhas reais”, diz o pastor evangélico Sóstenes Apolos da Silva, dono da coleção. Há 31 anos, ele é pastor da Assembleia de Deus, a maior denominação evangélica do Brasil, com 8,4 milhões de fiéis, segundo o último Censo. E é o líder religioso da candidata à Presidência pelo PV, Marina Silva. A igreja presidida pelo pastor Sóstenes em Brasília é a frequentada por Marina. Além de guiá-la espiritualmente, ele se engajou na campanha. Tem ajudado Marina a circular pelo meio evangélico. “O problema é que ela é pouco conhecida”, diz o pastor. “Marina ainda é confundida com a Heloísa Helena (também dissidente do PT e candidata à Presidência pelo PSOL em 2006).”
Marina é assídua na igreja. É fácil encontrá-la sentada na quinta ou sexta fileira de bancos do salão durante os cultos de domingo. Antes de ser evangélica da Assembleia de Deus, foi católica. Na juventude, estudou para tornar-se freira. Depois desistiu. Em nome de convicções religiosas, ela já disse ser contra o casamento gay (depois defendeu a união civil entre homossexuais, desde que não haja bênção religiosa), a legalização do aborto, o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas e a descriminalização das drogas. Tudo em discordância com as ideias do estatuto do PV. Para o pastor, não há contradição porque Marina e o PV dividem a bandeira do meio ambiente, e ela mantém a postura cristã. Em meio à coleção de ovelhas, ele conversou com ÉPOCA.
Pastor Sóstenes Apolos da Silva – Alguém a convidou para um culto, em 2006. Ela já era convertida, batizada em outra Assembleia de Deus de Brasília. Pela projeção que tem, frequentar uma igreja pequena a deixava muito exposta. Aqui, na nossa igreja, fica absorvida em um grupo maior. Ela gosta de ser muito discreta.
Pastor Sóstenes – As pessoas a procuram, e ela não se esquiva. Eu quis montar um esquema de segurança, mas ela não quis. Quer estar no meio do povo. Meu plano era colocá-la junto dos obreiros num lugar reservado, porque ela também é obreira. Vai que aparece um doido, né?!
Pastor Sóstenes – Ela dá palestras de conteúdo bíblico, faz pregações. Há uns dois anos nós demos um curso para ela de noções de homilética, de interpretação bíblica. É um curso de fim de semana. Ela fez todas as aulas, os deveres de casa. Fazia perguntas para o professor. Como obreira, ela deve seguir a ética cristã, conhecer a Bíblia. E deve recolher o dízimo, como todo membro da igreja.
Pastor Sóstenes – Sim. Teve uma fase em que houve uma seca brava no Acre e não estava previsto chover num período de 30 dias. A mata estava incendiada, não se conseguia apagar o fogo. Ela expôs o problema, nós bancamos a causa, fomos orar, e Deus mandou chuva fora de todas as previsões. Ela sempre pede oração e orientação. Eu oriento no sentido de que todo cristão é um representante de Deus, seja qual for o trabalho. Um cristão deve evitar posturas indignas.
Pastor Sóstenes – Marina conseguiu que o estatuto do PV liberasse os membros a tomar posições sob o argumento da questão de consciência. Em uma votação, a pessoa está liberada para seguir sua consciência (na verdade, o PV permite que seus quadros se abstenham de votar quando há conflito de consciência).
Pastor Sóstenes – Penso que o Congresso é um público restrito, é perigoso dizer que ele representa o povo. E nossa postura como cristãos é convencer as pessoas daquilo que é certo, mas não obrigar. Se consultar o povo sobre o aborto e o povo quiser, Deus vai lamentar, mas o governante tem de respeitar.
Pastor Sóstenes – Sim, é uma posição da Bíblia. Nós nos orientamos por ela. A Bíblia considera errada a homossexualidade. E muito errada. Chama isso de prática abominável aos olhos de Deus. Então nós temos de ser coerentes. Ou cremos na Bíblia ou não cremos.
Pastor Sóstenes – Creio que sim. Muitas pessoas pouco esclarecidas vão deixar de votar nela por isso. Mas a postura dos outros candidatos é a mesma que a dela.
Pastor Sóstenes – Sim, havia questões discordantes, como em todo partido. Mas tem de se levar em conta que no Brasil estatuto de partido não vale nada, ideologia não existe. Então há duas coisas: primeiro, a bandeira do partido, do meio ambiente, coincide com a dela. Segundo, aquilo que é contrário aos princípios de Marina, ela se posicionou publicamente e conseguiu que o partido deixasse isso no âmbito de questões de consciência.
Pastor Sóstenes – Não dávamos, mas a partir deste ano vamos dar. Decidimos elaborar uma cartilha de orientação política. Ao escolher um candidato, o fiel deve considerar as posturas éticas dele, não vender o voto. São orientações para que o povo exerça a cidadania.
Pastor Sóstenes – Se algum candidato se identifica como evangélico e vive como evangélico, deve ter nossa preferência.
Pastor Sóstenes – A Assembleia de Deus é segmentada. Tem um grupo grande, uns 30% da Assembleia de Deus, que já decidiu apoiar José Serra.
Pastor Sóstenes – É uma contradição. Espero que nacionalmente não aconteça o apoio a outra pessoa que não seja a Marina, porque se acontecer é uma incoerência. Nós em Brasília não vamos cometer essa incoerência. Seja lá qual for a decisão que a comissão política nacional tome, aqui vamos apoiar Marina.
Pastor Sóstenes – Imagino que é a política do voto útil, de que não adianta votar em fulano porque fulano não vai ganhar. Acho isso uma pobreza de espírito. Prefiro crer que não há interesse político.
Pastor Sóstenes – Nossa igreja em particular tem uma postura mais liberal em usos e costumes. Não temos problema com mulher cortar o cabelo, se arrumar.
Pastor Sóstenes – Tem. É uma tendência nacional, uma questão de maturidade. Tem um texto bíblico que diz: “Não haja roupa de homem em mulher, nem roupa de mulher em homem”. Mas o que determina se uma roupa é de homem ou de mulher é a sociedade, e não a Bíblia.
Pastor Sóstenes – Muitas igrejas evangélicas e mesmo algumas Assembleias de Deus interpretam que as mulheres não podem ter função de liderança. Mas estamos amadurecendo, está caindo a ficha. A opressão da mulher é consequência do pecado. Mas o Senhor Jesus veio restaurar a mulher do pecado. Então por que a mulher tem de ser inferior ao homem?
Fonte: G1
NOTA: Erroneamente, a reportagem da Época (que é da Globo) afirma, sem o devido conhecimento de causa, que as convicções mais polêmicas da candidata Marina Silva se deram "em nome de convicções religiosas". É um duplo erro, na verdade. Em primeiro lugar, porque este tipo de construção frasal dá a entender que uma pessoa com as convicções de Marina - e que, no caso, é uma presidenciável -, de certa forma não está apta a decidir sobre questões civis (seculares) pelo simples fato de ser guiada por convicções religiosas que deverão imperar em seu mandato. Observe, prezado internauta, que nem o Pastor Sóstenes, que é o líder de Marina, expressou tal orientação em sua entrevista. Por que, então, as decisões de Marina seriam guiadas exclusivamente "em nome de suas convicções religiosas"? Segundo, a Globo comete um "erro" (é suspeito falarmos em "erro", se a intenção é premeditada) grosseiro quando, sutilmente, transmite a idéia, com o que fora afirmado acima, que um candidato cristão evangélico - e um possível presidente cristão evangélico - não é algo bom para o país. Uma vez demolida a errônea idéia de que um presidente cristão evangélico irá querer transformar o Brasil em uma igreja evangélica, não se sustenta que, por este motivo, um candidato cristão evangélico seja algo necessariamente ruim para o país. Não é. É necessário que se observe a postura político-partidiária dos candidatos, se há coerência em posicionamentos políticos de outrora e de presente, quais foram as ações efetivas nas quais se envolveu determinado candidato... e não levianamente induzir os eleitores a acreditarem em uma falsa suposição, no caso, a de que a orientação religiosa do candidato irá invariavelmente interferir em seus juízos e decisões, quando à frente do mandato.
Contudo, vindo da Globo, tudo isto lhe é típico. Uma pena que, mais uma vez, esta importante empresa de comunicação e entretenimento tenha perdido a oportunidade de deixar um pouco seus próprios interesses de lado e, ao menos desta vez, prestar-se a fazer aquilo pelo que se gaba através de sua própria emissora de televisão: informar transparentemente o povo!
Em Cristo Jesus,
Pr. Artur Eduardo
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