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domingo, 27 de junho de 2010

"Época" entrevista Pastor de Marina Silva e seu editorial perde a oportunidade (mais uma vez) de uma entrevista limpa

PASTOR DA CANDIDATA MARINA SILVA DÁ ENTREVISTA NA QUAL EXPLICA A POSIÇÃO DA PRESIDENCIÁVEL QUANTO AO ABORTO E À HOMOSSEXUALIDADE

S
ão quatro dezenas de ovelhas espalhadas pela sala. Marrons, brancas, pretas. De vidro, de acrílico, de pelúcia. “Essas dão muito menos trabalho do que as minhas ovelhas reais”, diz o pastor evangélico Sóstenes Apolos da Silva, dono da coleção. Há 31 anos, ele é pastor da Assembleia de Deus, a maior denominação evangélica do Brasil, com 8,4 milhões de fiéis, segundo o último Censo. E é o líder religioso da candidata à Presidência pelo PV, Marina Silva. A igreja presidida pelo pastor Sóstenes em Brasília é a frequentada por Marina. Além de guiá-la espiritualmente, ele se engajou na campanha. Tem ajudado Marina a circular pelo meio evangélico. “O problema é que ela é pouco conhecida”, diz o pastor. “Marina ainda é confundida com a Heloísa Helena (também dissidente do PT e candidata à Presidência pelo PSOL em 2006).”

Marina é assídua na igreja. É fácil encontrá-la sentada na quinta ou sexta fileira de bancos do salão durante os cultos de domingo. Antes de ser evangélica da Assembleia de Deus, foi católica. Na juventude, estudou para tornar-se freira. Depois desistiu. Em nome de convicções religiosas, ela já disse ser contra o casamento gay (depois defendeu a união civil entre homossexuais, desde que não haja bênção religiosa), a legalização do aborto, o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas e a descriminalização das drogas. Tudo em discordância com as ideias do estatuto do PV. Para o pastor, não há contradição porque Marina e o PV dividem a bandeira do meio ambiente, e ela mantém a postura cristã. Em meio à coleção de ovelhas, ele conversou com ÉPOCA.



QUEM É
É pastor evangélico da Assembleia de Deus há 31 anos. Tem 60 anos, é casado, tem três filhos e três netos


O QUE FAZ
Preside a igreja da Assembleia de Deus no Plano Piloto de Brasília, frequentada por Marina Silva. É presidente da Convenção Evangélica da Assembleia de Deus do Distrito Federal

ÉPOCA – Como conheceu Marina Silva?
Pastor Sóstenes Apolos da Silva –
Alguém a convidou para um culto, em 2006. Ela já era convertida, batizada em outra Assembleia de Deus de Brasília. Pela projeção que tem, frequentar uma igreja pequena a deixava muito exposta. Aqui, na nossa igreja, fica absorvida em um grupo maior. Ela gosta de ser muito discreta.

ÉPOCA – Ela é assediada nos cultos?
Pastor Sóstenes –
As pessoas a procuram, e ela não se esquiva. Eu quis montar um esquema de segurança, mas ela não quis. Quer estar no meio do povo. Meu plano era colocá-la junto dos obreiros num lugar reservado, porque ela também é obreira. Vai que aparece um doido, né?!

ÉPOCA – O que Marina deve fazer por ser obreira da Assembleia de Deus?
Pastor Sóstenes –
Ela dá palestras de conteúdo bíblico, faz pregações. Há uns dois anos nós demos um curso para ela de noções de homilética, de interpretação bíblica. É um curso de fim de semana. Ela fez todas as aulas, os deveres de casa. Fazia perguntas para o professor. Como obreira, ela deve seguir a ética cristã, conhecer a Bíblia. E deve recolher o dízimo, como todo membro da igreja.

ÉPOCA – O senhor pede orações por ela?
Pastor Sóstenes –
Sim. Teve uma fase em que houve uma seca brava no Acre e não estava previsto chover num período de 30 dias. A mata estava incendiada, não se conseguia apagar o fogo. Ela expôs o problema, nós bancamos a causa, fomos orar, e Deus mandou chuva fora de todas as previsões. Ela sempre pede oração e orientação. Eu oriento no sentido de que todo cristão é um representante de Deus, seja qual for o trabalho. Um cristão deve evitar posturas indignas.

ÉPOCA – Como o senhor vê o fato de Marina ser filiada a um partido favorável à legalização do aborto – posição contrária à da Assembleia de Deus?
Pastor Sóstenes –
Marina conseguiu que o estatuto do PV liberasse os membros a tomar posições sob o argumento da questão de consciência. Em uma votação, a pessoa está liberada para seguir sua consciência (na verdade, o PV permite que seus quadros se abstenham de votar quando há conflito de consciência).

ÉPOCA – Em casos como o aborto, ela fala em fazer plebiscito. O senhor concorda?
Pastor Sóstenes –
Penso que o Congresso é um público restrito, é perigoso dizer que ele representa o povo. E nossa postura como cristãos é convencer as pessoas daquilo que é certo, mas não obrigar. Se consultar o povo sobre o aborto e o povo quiser, Deus vai lamentar, mas o governante tem de respeitar.

ÉPOCA – A senadora Marina Silva diz ser contrária ao casamento gay. Essa também é uma posição da Assembleia de Deus?
Pastor Sóstenes –
Sim, é uma posição da Bíblia. Nós nos orientamos por ela. A Bíblia considera errada a homossexualidade. E muito errada. Chama isso de prática abominável aos olhos de Deus. Então nós temos de ser coerentes. Ou cremos na Bíblia ou não cremos.

ÉPOCA – Alguns cristãos não vão ter dificuldade de entender a posição de Marina a favor da união civil entre homossexuais? Ela vai perder votos entre eles?
Pastor Sóstenes –
Creio que sim. Muitas pessoas pouco esclarecidas vão deixar de votar nela por isso. Mas a postura dos outros candidatos é a mesma que a dela.

ÉPOCA – O senhor foi a favor do lançamento do nome de Marina como candidata à Presidência pelo PV?
Pastor Sóstenes –
Sim, havia questões discordantes, como em todo partido. Mas tem de se levar em conta que no Brasil estatuto de partido não vale nada, ideologia não existe. Então há duas coisas: primeiro, a bandeira do partido, do meio ambiente, coincide com a dela. Segundo, aquilo que é contrário aos princípios de Marina, ela se posicionou publicamente e conseguiu que o partido deixasse isso no âmbito de questões de consciência.

”A Bíblia considera errada a homossexualidade.
Chama de prática abominável aos olhos de deus”

ÉPOCA – A igreja dá orientação aos fiéis sobre como votar?
Pastor Sóstenes –
Não dávamos, mas a partir deste ano vamos dar. Decidimos elaborar uma cartilha de orientação política. Ao escolher um candidato, o fiel deve considerar as posturas éticas dele, não vender o voto. São orientações para que o povo exerça a cidadania.

ÉPOCA – Importa se o candidato é evangélico ou não?
Pastor Sóstenes –
Se algum candidato se identifica como evangélico e vive como evangélico, deve ter nossa preferência.

ÉPOCA – É verdade que a Assembleia de Deus resolveu não apoiar Marina?
Pastor Sóstenes –
A Assembleia de Deus é segmentada. Tem um grupo grande, uns 30% da Assembleia de Deus, que já decidiu apoiar José Serra.

ÉPOCA – Não é contraditório que a Assembleia recomende o voto em evangélicos e uma parte da igreja já tenha fechado o voto por José Serra, que não é evangélico?
Pastor Sóstenes –
É uma contradição. Espero que nacionalmente não aconteça o apoio a outra pessoa que não seja a Marina, porque se acontecer é uma incoerência. Nós em Brasília não vamos cometer essa incoerência. Seja lá qual for a decisão que a comissão política nacional tome, aqui vamos apoiar Marina.

ÉPOCA – O que motiva o apoio da Assembleia de Deus a Serra?
Pastor Sóstenes –
Imagino que é a política do voto útil, de que não adianta votar em fulano porque fulano não vai ganhar. Acho isso uma pobreza de espírito. Prefiro crer que não há interesse político.

ÉPOCA – A Assembleia costuma dizer que as mulheres devem usar saia, manter o cabelo comprido. Marina diz que segue estilo próprio quanto a isso. A igreja faz alguma recomendação?
Pastor Sóstenes –
Nossa igreja em particular tem uma postura mais liberal em usos e costumes. Não temos problema com mulher cortar o cabelo, se arrumar.

ÉPOCA – Tem diminuído a pressão desse tipo de regra na Assembleia de Deus?
Pastor Sóstenes –
Tem. É uma tendência nacional, uma questão de maturidade. Tem um texto bíblico que diz: “Não haja roupa de homem em mulher, nem roupa de mulher em homem”. Mas o que determina se uma roupa é de homem ou de mulher é a sociedade, e não a Bíblia.

ÉPOCA – Se Marina for eleita, ela vai ser a primeira mulher presidente do Brasil. Uma mulher em um cargo historicamente ocupado por homens desagrada aos cristãos da Assembleia de Deus?
Pastor Sóstenes –
Muitas igrejas evangélicas e mesmo algumas Assembleias de Deus interpretam que as mulheres não podem ter função de liderança. Mas estamos amadurecendo, está caindo a ficha. A opressão da mulher é consequência do pecado. Mas o Senhor Jesus veio restaurar a mulher do pecado. Então por que a mulher tem de ser inferior ao homem?

Fonte: G1

NOTA: Erroneamente, a reportagem da Época (que é da Globo) afirma, sem o devido conhecimento de causa, que as convicções mais polêmicas da candidata Marina Silva se deram "em nome de convicções religiosas". É um duplo erro, na verdade. Em primeiro lugar, porque este tipo de construção frasal dá a entender que uma pessoa com as convicções de Marina - e que, no caso, é uma presidenciável -, de certa forma não está apta a decidir sobre questões civis (seculares) pelo simples fato de ser guiada por convicções religiosas que deverão imperar em seu mandato. Observe, prezado internauta, que nem o Pastor Sóstenes, que é o líder de Marina, expressou tal orientação em sua entrevista. Por que, então, as decisões de Marina seriam guiadas exclusivamente "em nome de suas convicções religiosas"? Segundo, a Globo comete um "erro" (é suspeito falarmos em "erro", se a intenção é premeditada) grosseiro quando, sutilmente, transmite a idéia, com o que fora afirmado acima, que um candidato cristão evangélico - e um possível presidente cristão evangélico - não é algo bom para o país. Uma vez demolida a errônea idéia de que um presidente cristão evangélico irá querer transformar o Brasil em uma igreja evangélica, não se sustenta que, por este motivo, um candidato cristão evangélico seja algo necessariamente ruim para o país. Não é. É necessário que se observe a postura político-partidiária dos candidatos, se há coerência em posicionamentos políticos de outrora e de presente, quais foram as ações efetivas nas quais se envolveu determinado candidato... e não levianamente induzir os eleitores a acreditarem em uma falsa suposição, no caso, a de que a orientação religiosa do candidato irá invariavelmente interferir em seus juízos e decisões, quando à frente do mandato.

Contudo, vindo da Globo, tudo isto lhe é típico. Uma pena que, mais uma vez, esta importante empresa de comunicação e entretenimento tenha perdido a oportunidade de deixar um pouco seus próprios interesses de lado e, ao menos desta vez, prestar-se a fazer aquilo pelo que se gaba através de sua própria emissora de televisão: informar transparentemente o povo!

Em Cristo Jesus,
Pr. Artur Eduardo

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