
Estamos no limiar da história de liberdade. Ouso me inserir nessa temática porque esse assunto faz parte de um dos capítulos de minha pesquisa acadêmica e, hoje, ao ouvir a presidente Dilma Rousseff discursar, confesso que senti ânsia. Em 1996, a filósofa belga Chantal Mouffe chamava a atenção para os perigos da transparência: “As relações de autoridade e de poder não podem desaparecer completamente e é importante abandonar o mito de uma sociedade transparente, reconciliada consigo mesma, porque esse tipo de fantasia conduz ao totalitarismo.” Uma coisa é o Estado ser transparente, outra é exigir transparência da sociedade como um todo, intrometendo-se na vida particular das pessoas. Quando o Estado pensa em regular a vida dos indivíduos, e ninguém protesta, corre-se o risco de gradativamente o perfil democrático ir desaparecendo e, com ele, todos os direitos conquistados ao longo de décadas, no caso do Brasil, e dos últimos 236 anos no contexto internacional.
Ao condicionar esse discurso presidencial e aceitá-lo como uma proposta viável, a imprensa comete suicídio em pequenas doses. Ao criticar as instituições públicas sem qualquer motivo, a imprensa solapa a democracia e a própria liberdade e sua missão enquanto instituição da sociedade. Não que a imprensa tenha de ser omissa em relação a suas obrigações como guardiã das liberdades e fiscal dos poderes públicos constituídos. Mas a constante destruição da imagem pública faz com que as pessoas comecem a questionar a escolha pelo regime democrático, pois se a democracia é um caldo de corruptos, aproveitadores, incompetentes, interesseiros, corre-se também o risco de a sociedade optar por outras vias, aumentando a hostilidade entre todos. A hostilidade que rechaça qualquer coisa que não seja partidária da democracia passa a repelir, conforme Mouffe, identidades “de natureza étnica, nacionalista ou religiosa”. Eu acrescento, ainda, identidades éticas e morais. Em suma: a democracia está sofrendo revisões de pseudointelectuais e muitos, de modo aloprado e inconsciente, aceitam fazer parte dessa perspectiva de mudanças político-ideológicas achando que contribuem decisivamente para um planeta melhor sob o ponto de vista humanista. Eis outro risco, o de muitos embarcarem nesse jogo político e apoiarem qualquer palavra de ordem que agrade os sentidos, porque satisfaz o ego, os prazeres e o bolso.
Quem somente pode exigir transparência na esfera pública? A Receita Federal, por uma questão lógica. A sociedade deve e tem o direito de continuar exigindo transparência dos poderes públicos. Todavia, a sociedade privada deve ser respeitada. O entendimento de transparência deve ser adaptado a cada experiência e situação particular. Nesse caso, a transparência não pode se transformar numa condição universal, pois se tornaria em significante vazio, com sentido único e destituído de todas as variantes possíveis. A transparência é uma característica de cada indivíduo e não pode se tornar uma ferramenta do Estado, senão teremos a emergência de um Grande Irmão de George Orwell como fundamento de um Estado policial.
(Ruben Holdorf é jornalista e professor universitário)
Fonte: Criacionismo
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