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terça-feira, 14 de maio de 2013

Teorias da Ética: além da mera questão de opinião

ÉTICA TEÓRICA, "QUESTÃO DE OPINIÃO"?


Será tudo uma questão de mera opinião?
Muitas pessoas acham estranho falar de padrões morais e da aplicação desses padrões. Algumas pessoas pensam que os juízos morais são apenas "questões de opinião" — e sem dúvida que muitas pessoas falam como se o pensassem. Todos nós ouvimos pessoas "concluir" um debate sobre uma questão moral contenciosa dizendo: "Bem, em qualquer caso, é tudo uma questão de opinião!" Suspeito que a verdadeira função desta afirmação é mostrar que quem o diz quer, por alguma razão, terminar o debate. Talvez essa pessoa pense que a outra é irracional e que, por isso, já nada se ganha com o debate. Infelizmente, esta afirmação parece dar a entender algo mais, pois sugere que, dado que os juízos morais são apenas opiniões, então todas as opiniões são igualmente boas (ou igualmente más). Implica que não podemos criticar ou escrutinar racionalmente os nossos juízos morais (nem os de qualquer outra pessoa). Afinal de contas, não criticamos racionalmente meras opiniões.

Será isto defensável? Não vejo como poderá sê-lo. Mesmo que nenhuns juízos morais (contenciosos) fossem indiscutivelmente correctos, não deveríamos concluir que todos os juízos morais são igualmente falíveis. Apesar de não termos uma maneira clara de decidir com toda a certeza que acções são as melhores, temos maneiras excelentes de mostrar que algumas são deficientes. Sabemos, por exemplo, que os juízos morais são maus se forem baseados em informação distorcida, tacanhez, parcialidade, falta de compreensão ou princípios morais completamente bizarros. Conversamente, os juízos são mais plausíveis, mais defensáveis, se forem baseados em informação completa, cálculo cuidado, percepção astuta, e se tiverem sobrevivido com êxito à crítica alheia no mercado de ideias.

Considere-se a seguinte analogia: nenhumas regras de gramática ou de estilo irão determinar de forma precisa o modo como devo construir a frase seguinte. Contudo, não se deve daí concluir que posso usar apropriadamente qualquer sequência de palavras. Alguns amontoados de palavras não são frases e algumas frases são uma completa algaraviada. Outras frases podem estar gramaticalmente correctas — e até ser elegantes — e no entanto ser inapropriadas porque não têm qualquer conexão com as frases anteriores ou seguintes. Todas essas colecções de palavras são claramente inaceitáveis nestas circunstâncias, mas noutros contextos as mesmas palavras poderão ser apropriadas. Muitas outras frases estão gramaticalmente correctas, são relevantes e minimamente claras, e contudo têm outras falhas. Podem ser algo vagas, por exemplo, ou imprecisas. Outras frases podem ser compreensíveis, relevantes e em geral precisas, mas ser garridas ou falhas de estilo. Algumas frases alternativas podem ser todas adequadas, de modo que não haverá qualquer razão forte para preferir umas a outras. Talvez algumas sejam particularmente brilhantes. 

Nenhum manual de gramática nos permitirá fazer todas estas distinções, nem nos dará a capacidade para identificar claramente as melhores frases. E mesmo que as pessoas em geral (ou até os melhores escritores) discutissem os méritos e deméritos de cada uma das frases, seria improvável que se decidisse que só uma delas é a melhor. Todavia, não temos problemas em distinguir o lixo estilístico ou o inaceitavelmente vago do sublime linguístico. Em suma, não temos de pensar que uma frase é a única boa para reconhecer que algumas são melhores e outras piores. O mesmo acontece em ética. Podemos nem sempre saber como agir; podemos enfrentar desacordos substanciais sobre algumas questões éticas muito contenciosas. Mas daqui não se deve inferir que todas as ideias morais são iguais.

Não se deve igualmente ignorar o facto óbvio de que as circunstâncias exigem muitas vezes a nossa acção, ainda que não existe, ou não consigamos ver que existe, uma só acção moral apropriada. Contudo, a nossa incerteza não nos leva a pensar que todas as perspectivas são iguais, nem a agir como se o fossem. Não mandamos uma moeda ao ar para decidir se devemos desligar a máquina que mantém os nossos pais vivos, ou para decidir com quem vamos casar, ou que emprego aceitar ou se uma pessoa acusada de um dado crime é culpada. Devemos procurar tomar uma decisão informada, baseada nos melhores indícios, agindo depois de acordo com isso, ainda que os melhores indícios nunca garantam a certeza. Para tomar uma decisão informada devemos compreender as questões relevantes, adoptar uma perspectiva de mais longo prazo, pôr de lado parcialidades irracionais, e inculcar uma vontade de sujeitar as nossas conclusões hipotéticas à crítica alheia.

Afinal de contas, as nossas acções afectam os outros profundamente, por vezes, e as circunstâncias podem exigir a nossa acção. Não devemos lamentar a nossa incapacidade para ter a certeza de que descobrimos aquela acção que é a melhor; devemos pura e simplesmente fazer a melhor escolha que nos for possível. Devemos, é claro, reconhecer a nossa incerteza, admitir a nossa falibilidade e estar preparados para considerar novas ideias, especialmente quando são sustentadas por argumentos fortes. Contudo, não temos necessidade de abraçar qualquer forma perniciosa de relativismo. Isso seria não apenas uma confusão. Seria também um erro moral.
O papel da teoria
Mesmo quando as pessoas concordam que uma questão deve ser avaliada, pelo menos parcialmente, por critérios de moralidade, discordam muitas vezes sobre o modo de a avaliar. Ou, para usar a linguagem da secção anterior, as pessoas discordam sobre os melhores princípios ou juízos, sobre como os interpretar ou sobre como os devemos aplicar. Em resultado disso, duas pessoas razoáveis e decentes podem chegar a conclusões completamente diferentes sobre se uma acção é moralmente apropriada. Eis um caso que claramente exige a avaliação racional das nossas acções. Devemos examinar, tentar compreender e depois avaliar as nossas próprias razões e as razões das outras pessoas a favor das nossas conclusões morais, ou das delas. Afinal de contas, as pessoas têm habitualmente razões — ou pensam que têm — a favor das suas conclusões.


Por exemplo, as pessoas anti-aborto argumentam que o aborto é injustificado porque o feto tem o mesmo direito à vida do que um adulto normal, ao passo que as pessoas favoráveis ao aborto argumentam que o aborto deve ser legal porque a mulher tem o direito de decidir o que acontece no seu corpo e ao seu corpo. Quem apoia a pena de morte argumenta que as execuções dissuadem o crime, ao passo que os oponentes argumentam que é cruel e desumano. Quem defende que a pornografia deve ser censurada defende que degrada as mulheres, ao passo que os seus defensores argumentam que é uma forma de discurso livre que deve protegido por lei.

Ao dar razões a favor dos seus juízos, as pessoas citam habitualmente algumas características da acção que consideram que explicam ou reforçam essa avaliação. Esta função das razões não se limita aos desacordos éticos. Posso justificar a minha afirmação de que Fargo é um bom filme afirmando que tem personagens bem definidas, um enredo interessante e a tensão dramática apropriada. Isto é, identifico características do filme que penso que justificam a minha avaliação. As características que cito, contudo, não são exclusivas deste filme. Ao dar estas razões estou a dar a entender que ter personagens bem definidas ou ter um enredo interessante ou ter a tensão dramática apropriada são características importantes dos filmes bons, sem mais. Isto não significa que estas são as únicas ou até as mais importantes características. Nem é ainda uma decisão quanto ao peso correcto a dar a estas características. Contudo, significa que se um filme tem qualquer destas características, então temos uma razão para pensar que é um bom filme.

Pode-se pôr em causa a minha avaliação do filme de três modos diferentes: podemos pôr em causa os meus critérios, o peso que lhes dou ou a aplicação que faço deles (isto é, a afirmação de que o filme satisfaz os critérios). Por exemplo, pode-se argumentar que ter personagens bem definidas não é um critério relevante, que dei demasiado peso a esse critério, ou que Fargo não tem personagens bem definidas. Em defesa da minha afirmação posso explicar por que razão penso que é um critério relevante, que lhe dei um peso apropriado e que as personagens do filme estão bem desenvolvidas. Neste ponto, estamos a discutir duas questões relacionadas que surgem em "níveis diferentes". Estamos a debater como avaliar um filme em particular, e estamos a discutir os méritos teóricos de diferentes critérios do que é um bom filme.

Analogamente, quando discutimos uma questão ética prática, discutimos não apenas essa questão particular mas também, quer nos apercebamos disso ou não, questões de nível mais elevado sobre as questões teóricas subjacentes. Não queremos saber apenas se a pena de morte dissuade o crime; queremos igualmente saber se a dissuasão é moralmente importante e, se o for, quão importante o é. Quando a teorização chega a um certo nível ou complexidade e sofisticação, podemos começar a dizer que temos uma teoria. As teorias éticas são apenas discussões formais e mais sistemáticas destas questões teóricas de segundo nível. São os esforços dos filósofos para identificar os critérios morais relevantes, o peso ou significado de cada critério, e para oferecer alguma orientação sobre como podemos determinar se uma acção satisfaz esses critérios. Na próxima secção, irei esboçar brevemente algumas das teorias éticas mais comuns.

Antes, contudo, é melhor chamar a atenção para o seguinte: Ao pensar sobre teorias éticas, podemos ser tentados a pressupor que as pessoas que defendem a mesma teoria farão os mesmos juízos éticos práticos, e que quem faz os mesmos juízos éticos práticos aceitam a mesma teoria. Isto não é verdade. Isso não acontece com quaisquer juízos avaliativos. Por exemplo, duas pessoas com critérios análogos para bons filmes podem avaliar de forma diferente o filme Fargo, ao passo que duas pessoas que gostaram de Fargo podem ter critérios (algo) diferentes para bons filmes. O mesmo acontece em ética. Duas pessoas com diferentes teorias éticas podem, mesmo assim, concordar que o aborto é moralmente permissível (ou gravemente imoral), ao passo que dois partidários da mesma teoria podem avaliar o aborto de formas diferentes. Conhecer os compromissos teóricos de alguém não nos diz de forma precisa que acções essa pessoa pensa que são certas ou erradas. Diz-nos apenas de que forma essa pessoa pensa nas questões morais — que critérios de relevância ela usa e o peso que lhes dá.
Tipos principais de teorias
Há duas grandes classes de teorias éticas — consequencialistas e deontológicas — que têm dado forma ao entendimento que a maior parte das pessoas tem da ética. Os consequencialistas defendem que devemos escolher a acção disponível que têm as melhores consequências globais, ao passo que os deontologistas defendem que devemos agir de modos circunscritos por regras e direitos morais e que estas regras ou direitos se definem (pelo menos em parte) independentemente das consequências. Vejamos cada uma das teorias separadamente. Estas descrições serão necessariamente ultra-simplificadas e algo vagas. Ultra-simplificadas porque não temos espaço suficiente para fornecer uma exposição completa das duas teorias. Vaga porque mesmo quem defende estas teorias discorda sobre a sua interpretação correcta. Contudo, estas descrições deverão ser suficientes para ajudar o leitor a compreender os aspectos mais gerais das teorias. […]

Consequencialismo
Os consequencialistas defendem que temos a obrigação de agir de forma a produzir as melhores consequências. Não é difícil ver por que razão se trata de uma teoria muito apelativa. Em primeiro lugar, apoia-se no mesmo estilo de raciocínio que usamos ao tomar decisões puramente prudenciais. Se estamos a tentar escolher a universidade a que nos vamos candidatar, iremos ter em consideração as opções disponíveis, iremos prever os resultados prováveis de cada uma delas e tentaremos determinar o seu valor relativo. Feito isto, escolhemos a universidade que oferecer o melhor resultado previsto.


O consequencialismo usa o mesmo quadro de referência, mas inclui os interesses dos outros na "equação". Quando enfrentamos uma decisão moral, devemos considerar as acções alternativas disponíveis, traçar as consequências morais prováveis de cada uma delas, e depois seleccionar a alternativa com as melhores consequências para todos os envolvidos. Quando descrita desta forma vaga, o consequencialismo é claramente uma teoria apelativa. Afinal de contas, parece difícil negar que alcançar o melhor resultado possível seria bom. O problema, claro, é decidir que consequências devemos ter em consideração e o peso que devemos dar a cada uma delas. Pois sem sabermos isso não podemos saber como raciocinar sobre a moralidade.

O utilitarismo, a forma mais comum de consequencialismo, tem uma resposta. Os utilitaristas afirmam que devemos escolher a opção que maximiza "a maior felicidade para o maior número". Defendem igualmente a completa igualdade: "cada qual conta como um e não mais de um". Claro que podemos discordar sobre o que significa exactamente a maximização da maior felicidade do maior número; e podemos ter dúvidas sobre como se alcança tal coisa. Os utilitaristas dos actos defendem que determinamos a correcção de uma acção se podemos decidir que acção, nessas circunstâncias, teria mais probabilidades de promover a maior felicidade para o maior número. Os utilitaristas das regras, contudo, rejeitam a ideia de que as decisões morais devam ser decididas caso a caso. Segundo eles, não devemos decidir se é provável que uma acção particular promova a maior felicidade para o maior número, mas se um tipoparticular de acção iria promover, se fosse seguida pela maior parte das pessoas, a maior felicidade para o maior número.

Assim, parece que um utilitarista dos actos poderia decidir que uma mentira, num caso particular, se justifica porque maximiza a felicidade de todos os envolvidos, ao passo que o utilitarista das regras poderia defender que, uma vez que se toda a gente mentisse, isso diminuiria a felicidade, seria melhor adoptar uma regra forte contra a mentira. Devemos obedecer a esta regra ainda que, num caso particular, mentir possa parecer promover melhor a maior felicidade do maior número.

Deontologia
As teorias deontológicas contrastam na sua maior parte com as teorias consequencialistas. Ao passo que os consequencialistas defendem que devemos sempre procurar promover as melhores consequências, os deontologistas defendem que as nossas obrigações morais — sejam elas quais forem — são de algum modo e em certo grau independentes das consequências. Assim, se eu tenho a obrigação de não matar, roubar ou mentir, estas obrigações estão justificadas não apenas porque seguir tais regras produz sempre as melhores consequências.

É por isso que tantas pessoas acham que as teorias deontológicas são tão atraentes. Por exemplo, a maior parte de nós ficaria ofendida se alguém nos mentisse, ainda que essa mentira produzisse a maior felicidade para o maior número. Eu ficaria sem dúvida ofendido se alguém me matasse, ainda que a minha morte pudesse produzir a maior felicidade para o maior número (usando os meus rins para salvar a vida de duas pessoas, o meu coração para salvar uma terceira, etc.). Assim, o que há de errado ou certo em mentir ou matar não pode ser explicado, defendem os deontologistas, unicamente por causa das suas consequências. Claro que há muito desacordo entre os deontologistas sobre quais regras são verdadeiras. Também discordam sobre como se determina que regras são essas. Alguns deontologistas afirmam que a razão abstracta nos mostra como devemos agir (Kant). Outros (McNaughton) afirmam que as intuições são o nosso guia. Outros ainda falam de descobrir princípios que se justificam por um equilíbrio reflexivo (Rawls, por exemplo), ao passo que alguns defendem que devemos procurar princípios que poderiam ser adoptados por um observador ideal (Arthur).

Alternativas
Há várias alternativas a estas teorias. Chamar-lhes "alternativas" não significa que sejam inferiores, mas apenas que não têm desempenhado um papel tão significativo na formação do pensamento ético contemporâneo. Vale a pena mencionar em especial duas delas, porque se tornaram muitíssimo influentes nas últimas duas décadas.

Teoria das virtudes A teoria das virtudes não tem sido tão influente quanto a deontologia ou o consequencialismo na formação do pensamento ético moderno. Contudo, é anterior a essas duas teorias, pelo menos enquanto teoria formal. Foi a teoria dominante dos gregos antigos, alcançando a sua expressão mais clara na obra de Aristóteles, Ética a Nicómaco. Durante muitos séculos, não foi nem discutida nem advogada enquanto alternativa séria. Mas por volta dos finais da década de 1950 começou a reaparecer na bibliografia filosófica (a história deste reemergir é apresentada nos ensaios reimpressos em Crisp e Slote, 1997).

Grande parte do apelo da teoria das virtudes deriva das falhas encontradas nas alternativas canónicas. A deontologia e o consequencialismo, defendem os partidários da teoria das virtudes, dão uma ênfase desadequada (ou nenhuma) ao agente — ao que o agente deve ser, aos tipos de carácter que o agente deve desenvolver. Não dão igualmente um âmbito apropriado ao juízo pessoal e dão demasiada ênfase à ideia de seguir regras (sejam deontológicas sejam consequencialistas).


Sem dúvida que, ao ler alguns deontologistas e consequencialistas, dá ideia que eles pensam que uma decisão moral é a aplicação acéfala de uma regra moral. A regra diz "Sê honesto"; logo, devemos ser honestos. A regra diz "Age sempre de modo a promover a maior felicidade para o maior número"; logo, temos apenas de descobrir que acção tem as consequências mais desejáveis, e depois fazer isso. Assim, a ética faz lembrar a matemática. Os cálculos podem exigir paciência e cuidado, mas não depende do juízo.

Muitos partidários das teorias canónicas acham que estas objecções dos que defendem a teoria das virtudes são significativas e, ao longo das últimas duas décadas, modificaram as suas teorias para, em parte, as acomodar. O resultado, afirma Rosalind Hursthouse, é que "as linhas de demarcação entre estas três abordagens se têm diluído […] A deontologia e o utilitarismo já não se caracterizam claramente por darem ênfase às regras ou consequências por oposição ao carácter" (Hursthouse 1999: 4). As duas teorias dão maior ênfase ao juízo e ao carácter. Por exemplo, Hill, apesar de ser um deontologista, descreve a atitude apropriada relativamente ao meio ambiente de um modo que dá ênfase à excelência ou ao carácter, e Strikwerda e May, que de forma geral não aceitam a teoria das virtudes, dão ênfase à necessidade de os homens sentirem vergonha pela sua cumplicidade na violação de mulheres. Contudo, apesar de o juízo e o carácter poderem desempenhar papéis cada vez mas importantes nas versões contemporâneas da deontologia ou do consequencialismo, nenhum desempenha o papel central que desempenha na teoria das virtudes. […]

Teoria feminista 
Historicamente, a maior parte dos filósofos têm sido homens, homens com a perspectiva sexista das suas culturas. Assim, não é surpreendente que os interesses das mulheres, e quaisquer perspectivas que elas possam ter, não tenham desempenhado qualquer papel real no desenvolvimento das teorias éticas canónicas. A questão é: que nos diz isso sobre tais teorias? Poderemos, por exemplo, limitar-nos a tirar as partes sexistas da teoria de Aristóteles e ficar mesmo assim com uma teoria aristotélica que seja adequada para uma época menos sexista? Podemos eliminar as partes sexistas da ética de Kant e ficar com uma deontologia não sexista mas viável?

Nos primeiros anos do feminismo, muitos pensadores pareciam pensar que sim. Afirmavam que a ênfase, nas teorias éticas canónicas, na justiça, igualdade e equidade poderia dar às mulheres todas as munições de que precisavam para reivindicar o seu lugar de direito no mundo público. Outros não estavam assim tão certos disso. Por exemplo, Carol Gilligan (1982) argumentou que as mulheres têm experiências morais diferentes e um raciocínio moral diferente, e que estas diferenças devem fazer parte de qualquer tratamento adequado da moralidade. Subsequentemente, advogou uma "ética do cuidado", que ela pensava que exemplificava melhor a experiência e o pensamento das mulheres.

Muitas feministas posteriores aplaudiram as críticas que a ética do cuidado dirigiu às teorias éticas mais canónicas, nomeadamente por não dar atenção, ou ignorar intencionalmente, as experiências e o raciocínio das mulheres. Contudo, algumas destas feministas pensam que essas teorias mais tradicionais, especialmente se forem expandidas tendo uma atenção cuidadosa às questões relacionadas com os sexos e com o desenvolvimento das capacidades caracteristicamente humanas das pessoas, podem ir longe em direcção a uma teoria ética adequada. No mínimo, contudo, as críticas feministas forçaram os filósofos a reavaliar as suas teorias, e mesmo a repensar exactamente o que é uma teoria ética e o que se espera que alcance (Jaggar, 2000).
Leitura complementar
  • Crisp, R e Slote, M. A. (orgs) 1997: Virtue Ethics. Oxford: Oxford University Press.
  • Gilligan, C. 1982: In a Different Voice: Psychological Theory and Women's Development. Cambridge, MA: Harvard University Press.
  • Hursthouse, R. 1999: On Virtue Ethics. Oxford: Oxford University Press.
  • Jaggar, A. M. 2000: Feminist Ethics. In H. LaFollette (org.), The Blackwell Guide to Ethical Theory. Oxford: Blackwell, pp. 348-74.
  • Kant, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Lisboa: Edições 70.
  • LaFollette, H. 1991: "The Truth in Ethical Relativism". Journal of Social Philosophy 20: 146-54.
  • LaFollette, H. (org.) 2000: The Blackwell Guide to Ethical Theory. Oxford: Blackwell.
  • McNaughton, D. 1998: Moral Vision. Oxford: Blackwell.
  • Mill, J. 1861/1979: Utilitarianism. Indianapolis: Hackett.
  • Rachels, J. 2004: Elementos de Filosofia Moral. Lisboa, Gradiva.
  • Scheffler, S. 1992: Human Morality. Oxford: Oxford University Press.
  • Singer, P. (org.) 1990: A Companion to Ethics. Oxford: Blackwell.


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