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domingo, 9 de junho de 2013

Estudos paulinos adaptados de Vicente Cheung (I)

UMA PALAVRA SOBRE CONTEXTO HISTÓRICO DAS ESCRITURAS, A PARTIR DO APÓSTOLO PAULO
Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus, segundo a promessa da vida que está em Cristo Jesus, a Timóteo, meu amado filho: Graça, misericórdia e paz da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus, nosso Senhor. (2 Timóteo 1.1-2)

Temos aqui uma carta de Paulo ao seu colaborador júnior, Timóteo. Uma carta representa apenas um lado de uma conversação. Supostamente, o desafio ao ler uma carta está no fato de não conhecermos a natureza precisa das questões e situações que fizeram o missivista escrever sua carta, e é assumido que precisamos de certo entendimento desse outro lado da conversação para ter contexto suficiente a fim de interpretar a carta. Visto que os documentos bíblicos são literatura antiga, a distância entre o contexto original e os leitores modernos é alegadamente mais ampliada.
Estudiosos constantemente assumem essa dificuldade e tentam lidar com ela à medida que examinam o texto. Contudo, o problema é exagerado, mas visto que ele é teimosamente assumido, não é incomum ver um comentarista chegar a uma falsa interpretação que ignora ou contradiga o que está claramente no texto devido à sua obsessão em descobrir ou especular sobre o contexto histórico. Mesmo que alguém chegue ao significado correto, não é incomum encontrar um comentarista basear a sua interpretação em algo que pertence ao contexto histórico, quando as palavras do texto oferecem o mesmo significado, tornando supérflua a sua árdua investigação. O contexto histórico, quer ou não determinado corretamente, com frequência não afeta o significado de forma alguma.
Ficheiro:PaulusTarsus LKANRW.jpg

Reconstituição facial do Ap. Paulo feito pela LKA, a agência estadual de investigação da Alemanha, subordinada ás polícias estaduais. O retrato tem como base antigos mosaicos cristãos.
A dificuldade é uma mera possibilidade em cada caso. Se há uma dificuldade real ou não, isso depende do que o escritor inclui em sua carta. Se Paulo escreve, “Tito, o que eu lhe disse para fazer, faça-o depressa”, então não teremos nenhuma ideia do que Paulo quer que Tito faça, embora ainda saibamos que Paulo deseja que ele faça algo. Por outro lado, se Paulo escreve, “Tito, constitua presbíteros em cada cidade, como eu o instruí”, e então inclui uma lista detalhada de qualificações, como o faz em sua carta a Tito, então devido à plenitude de informação inclusa desse lado da conversação, não existe nenhuma necessidade de especularmos sobre o outro lado.
Estudiosos podem considerar isso uma simplificação ingênua, mas não é. Antes, o (verdadeiro) problema é que eles exageraram tanto o problema da falta do contexto histórico e subestimaram tanto a semelhança do pensamento e cultura humana através dos séculos, que eles complicaram a própria clareza, e recusam permitir que a linguagem direta seja o que é. O erro deles está em exagerar e superestimar a obra de detetive no processo de interpretação. A Bíblia é uma revelação confiável, atual e independente da parte de Deus. Mas ao assumir constantemente que a informação externa é necessária para fornecer o contexto apropriado para a interpretação, eles subestimaram a suficiência e perspicuidade da Escritura.
Outro problema relacionado à obsessão em descobrir o contexto histórico, ou talvez até mesmo um procedente dessa obsessão, é a tendência de pensar que tudo o que Paulo diz, ele o faz para abordar uma questão correspondente entre seus leitores. Ou, tudo o que ele afirma, ele o faz porque pelo menos alguns entre os seus leitores creem no oposto, e tudo o que ele diz que eles devem fazer, ele o faz porque eles não estão fazendo ou estão fazendo o oposto. Parece que Paulo nunca mencionaria algo, a menos que haja um problema relacionado a isso, ou pelo menos seus leitores estejam crendo ou praticando o oposto do que é defendido pelo apóstolo.
Essa suposição ridícula é extremamente comum em comentários bíblicos. Mas é inválida e enganosa, e deve ser descartada. Sem dúvida, ela é sempre aplicada inconsistentemente, ou teríamos que pensar que Paulo escreve somente a ateístas anti-cristãos, visto que ele menciona com muita frequência Deus e Cristo em suas cartas.
Ficheiro:Caravaggio-The Conversion on the Way to Damascus.jpg
A "Conversão no caminho para Damasco", de Caravaggio. Retrata o momento em que Saulo de Tarso, em visão, conhece a Jesus Cristo, conforme nos registra o livro de Atos dos Apóstolos.
Redescobrindo a teologia paulina: como o "Apóstolo dos Gentios" lidou com a tradição humana
Como Paulo escreve em outro lugar, ele foi “circuncidado no oitavo dia de vida, pertencente ao povo de Israel, à tribo de Benjamim, verdadeiro hebreu” (Filipenses 3.5). Ele era um dos fariseus, uma seita muito rigorosa da religião judaica. Antes de se converter à fé cristã, tudo isso contava como algo, mas depois ele perceberia que seu pano de fundo não lhe rendeu nenhum favor aos olhos de Deus. Ele teria que se chegar a Deus de outra forma.
Lucas apresenta-o em Atos 7. Ele era chamado Saulo naquele tempo, e consentiu quando os judeus apedrejaram Estevão até à morte. De uma perspectiva não cristã, ou da perspectiva daqueles cegos para a verdade, Saulo era um judeu perfeito, um fariseu justo, um erudito altamente credenciado. Contudo, a verdade era que ele era um cúmplice do assassinato de um homem inocente. Em Atos dos Apóstolos, essa é a primeira coisa que aprendemos sobre ele.
Saulo continuou nessa direção, e Atos 9 registra que ele “respirava ameaças de morte contra os discípulos do Senhor”. Ele recebeu autoridade do sumo sacerdote para visitar Damasco, a fim de capturar e aprisionar os cristãos dali. Parece que uma pessoa que perseguiria, aprisionaria e até mesmo assassinaria outros deve ser séria sobre suas próprias convicções. De fato, ele era um homem zeloso. Mas como mais tarde admitiria, ele agiu em “ignorância e incredulidade”. Seu zelo não era informado pela verdade, e não procedia de uma abertura para com Deus, ou fé no que Deus tinha revelado. Aqueles que se opõem e perseguem os cristãos são, por definição, pessoas injustas e sem inteligência.
Sua religião não o tornou um homem piedoso. Fez dele um assassino. O problema não estava na religião em si. Saulo tinha um tipo específico de religião: ou foi essa religião que o tornou um assassino, ou ele tornou-se um assassino porque seu comprometimento a essa religião era defeituoso ou distorcido. Contudo, sua devoção à sua religião pareceria “irrepreensível” (Filipenses 3.6). Dessa forma, mesmo que houvesse um lado pessoal e subjetivo em seu grande erro, havia também um lado público e objetivo.
Ficheiro:Paulus predigt in Athen - Aula des Johanneums Zittau.jpg
"Paulo pregando em Atenas". Pintura na parede do auditório Weise-Gymnasium, em Zittau, na Saxônia. Alguns autores defendem que Paulo era um "platonista", usando figuras de alguns diálogos de Platão. Não chego a tanto, mas, sem dúvida, posso afirmar que Paulo era um exímio conhecedor do pensamento grego clássico e pós-clássico. F.F. Powell argumenta que Paulo, em suas epístolas, fez uso de muitas ideias do filósofo grego Platão, chegando até mesmo a usar as mesmas metáforas e a mesma linguagem . Por exemplo, em Fedro, Platão colocou Sócratesdizendo que os ideais celestes são percebidos como "se através de um vidro, vagamente". Estas palavras são ecoadas por Paulo em «Pois agora vemos como por um espelho em enigma» (1 Coríntios 13:12). Para ver uma defesa de outros supostos usos de exemplos platônicos, feitos por Paulo, clique AQUI (em inglês).
Havia algo errado em sua religião. Não estou me referindo à religião do Antigo Testamento. Esse é o equívoco que muitas pessoas fazem – eles assumem que a religião dos judeus e dos fariseus era a religião do Antigo Testamento. Não, embora a religião deles fosse baseada no Antigo Testamento, em geral era muito diferente e mesmo antagônica a ele, contradizendo-o em espírito e em letra. Algumas pessoas cometem o equívoco de pensar que os fariseus eram hostis a Jesus porque eles eram muito inflexíveis quanto a seguir a lei de Moisés ou o Antigo Testamento. Mas eles faziam o oposto. Jesus disse que eles anulavam os mandamentos de Deus por meio das suas tradições (Mateus 15.6). Eles tinham inventado regras e costumes que eram supostamente consistentes com os mandamentos de Deus, mas que na verdade redefiniam e substituíam os mandamentos de Deus em suas vidas. Ele disse que a profecia de Isaías se aplicava a eles: “Em vão me adoram; seus ensinamentos não passam de regras ensinadas por homens” (Mateus 15.9).
A religião dos judeus e dos fariseus não era a religião do Antigo Testamento. Era um sistema que eles tinham fabricado para se escusarem de aceitar as palavras dos profetas. Jesus disse que eles nem mesmo criam no Antigo Testamento: “Se vocês cressem em Moisés, creriam em mim, pois ele escreveu a meu respeito. Visto, porém, que não creem no que ele escreveu, como crerão no que eu digo?” (João 5.46-47). A fé em Cristo, e dessa forma a fé no Novo Testamento, segue-se naturalmente da fé no Antigo Testamento, porque Cristo cumpriu o Antigo Testamento. Os judeus e os fariseus não seguiam a revelação de Deus, mas sua própria tradução humana. Devemos corrigir a ideia que eles eram hostis a Cristo porque eram muito obcecados com a precisão em sua doutrina e obediência. Não, eles eram hostis a Cristo porque se preocupavam muito mais sobre como evitar crer e obedecer à palavra de Deus enquanto davam a aparência de devoção religiosa, e Cristo expôs a hipocrisia deles.
Assim, Paulo, ou Saulo, era um homem zeloso. Mas esse zelo por sua religião o levou a ódio e assassinato contra o povo de Deus. Alguns poderiam dizer que isso era um caso de zelo mal direcionado. Isso não é inteiramente errado, mas a questão não era tão simples. Zelo não é uma atitude ideologicamente neutra – uma pessoa é zelosa por algo. Visto que uma pessoa é zelosa por algo, isso significa que zelo tem conteúdo, e visto que o conteúdo – as crenças ou ideologias – pode ser correto ou errado, então o zelo pode ser correto ou errado. Portanto, quando o zelo de uma pessoa o leva a fazer algo errado, se esse zelo é consistente com e um produto de sua ideologia pelo que ele é tão zeloso, então o próprio zelo é errado. Ele não é apenas um zelo mal direcionado, mas um zelo errado ou perverso, e um tipo diferente de zelo daquele zelo pelo que é verdadeiro e correto.
Ficheiro:Decapitación de San Pablo - Simonet - 1887.jpg
"A decapitação de Paulo", por Henrique Simonet (1887).
Não devemos supor que Paulo tinha uma atitude zelosa natural que era boa em si mesmo, mas apenas mal direcionada, e que esse zelo fez dele um crente mais eficaz uma vez que o zelo foi redirecionado pelo evangelho. Novamente, isso assume que zelo pode ser considerado em si mesmo, à parte daquilo pelo que a pessoa é zelosa, de forma que uma pessoa pode usar o mesmo zelo para esse ou para aquele, dependendo de como ele é direcionado. Contudo, o zelo não pode ser separado da ideologia. Não, Paulo tinha o tipo errado de zelo, um zelo que o tornou um assassino. Era um tipo de zelo que, por sua própria admissão, era baseada na “ignorância e incredulidade”. O zelo que ele exibiu como um cristão era baseado num fundamento inteiramente diferente, um que foi gerado pela obra do Espírito e um entendimento correto da graça do Senhor Jesus Cristo. E visto que o Espírito opera em todos do povo de Deus, e visto que todos do povo de Deus podem entender a graça de Deus, todos os cristãos podem possuir grande zelo pelas coisas de Deus. Isso não é algo que pertence a pessoas como Paulo à parte do evangelho, mas algo que é tornado disponível a todos os que creem no evangelho.
A fé de Jesus Cristo era o cumprimento das palavras dos profetas. Paulo não viu isso no início. Ele percebeu Cristo como uma ameaça à sua religião, embora grande parte dela não fosse procedente da religião do Antigo Testamento, mas da tradição humana, isto é, da invenção humana. Assim como Ismael zombou de Isaque, o filho da promessa, e assim como os fariseus perseguiram Cristo, o Filho da Promessa, os judeus perseguiram os cristãos. Os herdeiros da tradição humana sempre perseguirão os herdeiros da revelação divina. Não devemos ter a mínima simpatia pela posição de Paulo antes de sua conversão. Ele seguia a tradição em vez da Palavra de Deus. Seu entendimento da lei era errado. Ele nem mesmo cria no que foi escrito por Moisés. Se tivesse crido na Palavra de Deus, ele teria crido no evangelho de Cristo prontamente. Mas ele não o fez. Ele estava errado.
Fonte: Monergismo
NOTAVincent Cheung é autor de trinta livros e centenas de palestras sobre uma gama de assuntos em teologia, filosofia, apologética e espiritualidade. Através dos seus livros e palestras, ele está treinando cristãos para entender, proclamar, defender e praticar a cosmivisão bíblica como um sistema de pensamento abrangente e coerente, revelado por Deus na Escritura. Vincent Cheung reside em Boston com sua esposa Denise. 

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