PAULO E A QUESTÃO DA REVELAÇÃO DIVINA
Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus, segundo a promessa da vida que está em Cristo Jesus, a Timóteo, meu amado filho: Graça, misericórdia e paz da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus, nosso Senhor. (2 Timóteo 1.1-2)
Os judeus comissionaram Paulo para caçar os cristãos em várias cidades e prendê-los. Ele então dava seu voto contra esses cristãos condenados à morte (Atos 26.9-11). Nossa atenção é frequentemente focada no que aconteceu na estrada para Damasco, mas obter um quadro preciso da condição de Paulo antes de ser convertido é importante para percebermos que ele participou não somente no assassinato de Estevão (Atos 7.58, 60) e que Damasco não foi o primeiro lugar onde ele foi perseguir cristãos (Atos 9.2). Seu próprio testemunho nos diz que ele aprisionou cristãos e votou contra eles em múltiplas ocasiões (Atos 26.10), e a missão Damasco foi apenas uma das muitas jornadas nas quais ele perseguiu cristãos em cidades estrangeiras (Atos 26.11-12).
Quando se aproximava de Damasco, o Senhor Jesus lhe apareceu num resplendor de luz e o confrontou. O relato em Atos 9 poderia dar a impressão que o encontro foi breve. Leva dez segundo para ler os versículos 3 a 6, mas é provável que a conversa tenha durado muito mais. As conversas, sermões e discursos registrados na Bíblia são quase sempre sumários e não transcrições completas do que foi dito. Eles são sumários acurados, mas sumários não obstante isso. Seria absurdo pensar que nenhum dos discursos e interações dos crentes primitivos durou mais do que alguns segundos. Em Atos 20, Lucas escreve que Paulo falou a algumas pessoas e continuou falando até o amanhecer.
No caso da visão do Senhor por Paulo em Damasco, há indicação direta que a nós é dado apenas um sumário, e que o encontrou foi uma conversa que durou mais do que alguns segundos. Atos 22 registra o testemunho de Paulo sobre o incidente. As palavras usadas são similares, e a duração é quase a mesma do relato em Atos 9. Mas quando Paulo relata o evangelho novamente ao Rei Agripa em Atos 26, o número de palavras atribuído a Jesus é multiplicado várias vezes. Sua declaração inicial agora inclui: “Resistir ao aguilhão só lhe trará dor!”. E os versículos 16-18 consistem de declarações que estão ausentes em Atos 9 e 22.
A explicação apropriada é que Atos 9 e 22, e mesmo Atos 26, são apenas sumários do que aconteceu. Elas incluem os pontos essenciais do evento, e detalhes adicionais são incluídos quando eles são relevantes para o contexto ou situação. Sem dúvida, isso não é incomum, e é a forma como todos nós resumimos eventos e interações. Eu poderia ter uma conversa de duas horas com alguém sobre quais são melhores carros, americanos ou japoneses; e o sumário disso poderia ser: “Eu disse, ‘Penso que os carros americanos são melhores’, mas meu amigo disse, ‘Discordo. Os carros japoneses são melhores’”. Poderia ser algo simplificado, mas até onde diz respeito um sumário essencial, ele seria acurado e suficiente. Mas se estou relatando a conversa num contexto que requeira mais detalhes, então eu lembraria declarações adicionais feitas por nós. Ainda assim, provavelmente não repetiria todas as palavras ditas, mas apenas as relevantes.
Dessa forma, não sabemos quanto tempo se passou da visão na estrada para Damasco, mas podemos estar certos que muito mais foi dito do que temos registrado em Atos 9. É possível que o Senhor Jesus tenha explicado o evangelho a Paulo em grande detalhe, e também o papel que ele teria em proclamá-lo às nações. Não sabemos exatamente o que foi dito nessa visão, e seria errado especular. Contudo, não seria errado dizer que o próprio Senhor ensinou o evangelho a Paulo, visto que isso é o que Paulo alega em Gálatas 1.12.
Em adição, não seria errado dizer que o Senhor ensinou pelo menos algo do evangelho a Paulo por aparição direta em visões, visto que vemos um padrão disso em Atos dos Apóstolos. Atos 18 diz que Jesus falou a Paulo numa visão: “Não tenha medo, continue falando e não fique calado, pois estou com você, e ninguém vai lhe fazer mal ou feri-lo, porque tenho muita gente nesta cidade”. Novamente, isso é provavelmente um sumário – não sabemos se Jesus falou com Paulo durante dez segundos, dois minutos, ou três horas. Mas não há garantia para afirmar com certeza que a visão foi breve. Então, Atos 23 diz que certa noite “o Senhor, pondo-se ao lado de Paulo, disse: ‘Coragem! Assim como você testemunhou a meu respeito em Jerusalém, deverá testemunhar também em Roma’”. E novamente, é possível que o Senhor apareceu a Paulo, levou dois segundos para pronunciar essa declaração, e então desapareceu. Mas é possível também que ele apareceu e permaneceu ali por duas horas.
"Paulo pregando nas ruínas de um templo pagão", quadro de Giovani Pannini (1744).
Seja qual for o caso nas visões individuais, o relato bíblico é que Paulo teve uma vida incrível de revelação na qual o próprio Jesus ocasionalmente apareceu e falou com ele, ensinou-lhe teologia e o encorajou em seu ministério. Parece haver um padrão nas aparições pessoais de Jesus na vida de Paulo. Embora não possamos dizer se outros apóstolos experimentaram o mesmo ou não, temos conhecimento de três pontos importantes. Primeiro, Jesus já tinha ensinado aos outros apóstolos durante aproximadamente três anos. Segundo, os outros apóstolos continuaram a receber revelação. Jesus disse que o Espírito Santo continuaria a ensinar-lhes e guiar-lhes à toda verdade. Algumas vezes, meios extraordinários foram usados. Por exemplo, Deus deu a Pedro uma lição em teologia quando lhe mostrou numa visão: “Não chame impuro ao que Deus purificou” (Atos 10.15). Terceiro, embora não vejamos um padrão na aparição pessoal de Jesus na vida dos outros apóstolos (como vemos na vida de Paulo), sabemos que isso pode ter acontecido, e aconteceu a João quando Jesus apareceu a ele numa forma gloriosa, ditou-lhe sete cartas, e lhe mostrou as visões registradas no livro de Apocalipse.
Assim, na vida dos apóstolos, incluindo Paulo, havia uma história e um padrão contínuo de revelações diretas, pessoais e espetaculares. Isso nos ajuda a entender e apreciar a base da autoridade apostólica, e por extensão natural e necessária, a autoridade da Sagrada Escritura. A inspiração da Escritura foi uma operação distinta do Espírito, na qual ele conduziu os escritores à medida que eles produziam o texto, e isso ocorreu para assegurar um registro perfeito e permanente da história e mensagem do Senhor Jesus, pregada por apóstolos que foram direta, pessoal e espetacularmente ensinados pelo próprio Deus.
Fonte: Monergismo
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