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domingo, 27 de outubro de 2013

A "história" que pode ser a de cada um (ou "Uma breve reflexão a partir do filme Sentença de Morte")

Recentemente, assisti ao filme "Sentença de Morte", com o ator Kevin Bacon. Um pai de família suburbano comum que se transforma exatamente naqueles que mataram seu filho mais velho e sua esposa para poder fazer justiça com as próprias mãos. Clichês óbvios à parte, é interessante como o filme retrata a real possibilidade da vida da gente partir repentinamente para uma configuração onde os limites ficam difusos, a lealdade é posta à prova e, por mais cercado de gente que porventura estejamos, parecer não sobrar nada além do puro sentimento de "morte". A morte rodeia o protagonista em determinado momento de sua vida, parecendo não largar-lhe mais: todos estariam, inevitavelmente, condenados. Mulher, filhos, gangue de psicopatas e o próprio protagonista, que não parece se importar em que se "transforma". Aliás, essas são as últimas palavras do psicótico chefe da gangue que mata seu filho: "Viu em que você se transformou? Viu o que fizemos com você?". Sua palavra de resposta - que por sinal é sua última no filme - resume toda a mensagem que, penso eu, quis-se transmitir: "Ready?" ("Pronto?"), ao passo em que, quase sem condições físicas, engatilha um colt .45, o qual daria cabo do assassino de sua mulher e filho. O frio e agora mortalmente ferido chefe daquela sanguinária gangue sabe o que irá lhe acontecer e, por um breve momento, percebe-se um pouco da fraqueza humana no psicopata. Ele curva a cabeça e fecha os olhos, sereno, mas chorando, talvez se perguntando: "Que diabos eu fiz nesta droga de vida?...".


Que diabos eu fiz nesta vida? Esta é a pergunta que devemos fazer, de vez em quando. No frenético corre-corre da vida moderna, "parar" acontece só no imprevisto e mesmo assim todas as nossas atenções estão voltadas ao "prosseguir". Não há praticamente nenhuma ação na formação acadêmica atual longe das ciências humanas que ensine o homem a fazer qualquer autocrítica. E, como as disciplinas mais requisitadas são as tecnológicas, as humanidades tornaram-se, de fato, cada vez mais distantes do centro da Humanidade. A autoanálise aqui e acolá na vida humana, contudo, surge espontaneamente, pois independe das disciplinas (requisitadas ou não) de nossa atual Academia. Faz parte do comportamento humano e, ipso facto, a mecanização e idiotização do Homem não conseguiram (ainda) sua total anulação e, felizmente, talvez jamais conseguirão. É necessário ao Homem recorrer, mesmo em situações de crise, à auto-análise e verdadeira autocrítica, afim de que não submergir do caos relativista de uma vida completamente sem propósito. Este é um dos maiores feitos da religião: dar significado, propósito à vida, salvaguardando-a do caos.


Num momento de crise extrema e quando esse mesmo momento torna-se aquele em que se faz a autocrítica, penso ser fácil a confusão quanto ao propósito da vida. No caso do personagem do ator Kevin Bacon, no filme citado, o pai de família suburbano que vê sua vida se transformar em um caos irreversível a partir da morte de sua mulher e filho, parece caber ao telespectador decidir se a vida daquele homem, ou melhor, se seu propósito de vida terminou quando ele decidira revidar; ou se aquele era, de fato, o real propósito de existir: fazer "justiça" em relação a um bando de jovens assassinos que tipificam os mais profundos terrores da violência moderna, tão presente nas grandes cidades mundo afora. Qual seria o real propósito do personagem principal? Como disse, parece caber ao telespectador decidir. Mas, sob a ótica do personagem - e na possibilidade de que o mesmo, por ser tão "comum", exemplifique o que pode acontecer com qualquer um -, passar a não ter propósito algum definido, ou ao menos convencional (como ser um bom pai de família, amigo dos filhos e profissional exemplar), pode ser considerado como um propósito como qualquer outro, paradoxalmente. Isto apenas reforça a ideia de que é inevitável que tenhamos um propósito, um significado, mesmo que decidamos por vontade própria ou por força das circunstâncias não mais termos qualquer tipo de significado. É o velho exemplo da "exceção que justifica a regra" e que nos revela algo além: somos nós quem projetamos e direcionamos os significados que nossas vidas venham a ter.


No filme, o protagonista tem a oportunidade de não seguir o caminho da violência... que viria a ser tão ou mais extrema do que a daqueles a quem ele iria impingir sua fúria. Mesmo com a ferida da perda, ele poderia reconstruir sua vida (ou ao menos tentar) com sua mulher e filho mais novo. Mas, a dor de perder um ente querido parece ser mais insuperável que a permanência de outros dois da mesma família, ainda que um dos tais seja a sua própria mulher. É este jogo existencial de conflitos indiscerníveis abordados pelo filme que não deixa claro o porquê de o protagonista seguir exatamente o caminho de vingança e fúria, a despeito de, posteriormente e por causa de sua guerra particular, perder sua mulher violentamente e quase perder seu filho mais novo. A vontade, porém, está expressa: é ele quem decide, a princípio, se vingar. Depois que sua primeira tentativa de vingança não dá tão certo como imaginava, o segundo revés em sua família descaracteriza-o completamente: ele raspa o cabelo, troca o terno de executivo por uma jaqueta, camisa e calça pretas, arma-se até os dentes e segue numa espiral de caos, vingança e destruição, como se não pudesse deixar de ser refém do próprio ódio. Não parece haver mais clareza, ternura, amor ou esperança para si. Ele fará com que os que lhe tiraram "tudo" paguem, ainda que morra tentando.


Com certeza haverá quem olhe, no filme, apenas um blockbuster comercial que segue uma tendência do cinema atual, que é a violência cada vez mais banal. Bem, que a vida humana de um modo geral tornou-se banal há muito tempo todo mundo sabe, e penso que, principalmente após as 2 Guerras Mundiais do século passado, houve um crescente e nefasto descaso com o significado da vida humana. Depois que milhões morrem num conflito confuso, por causa de ambição de alguns, não é de admirar que a vida humana valha hoje tão pouco. É tanto sangue que vemos na TV e no mundo real que já não mais sabemos se é a vida que imita a arte ou se é a arte que imita a vida. O fato é que, tanto na vida quanto na arte, a vida em si não interessa mais, como deveria. É quase como se quiséssemos que as pessoas definidas como desafetos ou problemáticos fossem "eliminadas", como os bad guys em um tiroteio, em uma carnificina, algo que há muito tempo vem sendo "glamourizado" por Hollywood. Ora, associe-se a isso à ideia de que viver não significa absolutamente nada, então morrer significará menos ainda. Acostumamo-nos a enxergarmos a morte, em muitos casos, como o "único e seguro caminho", "única solução", "único meio possível através do qual haja uma verdadeira e real ´reparação´". Assim, não só os conflitos tendem a ser "resolvidos" com a morte, como acostumamo-nos à mesma, fazendo da morte, e principalmente da morte "violenta e heróica", uma espécie de ideal de justiça, sendo tudo o mais desprezível, menor, quase como algo não planejado, um acidente. Não é à toa que, para os que gostam de tais filmes e sem qualquer análise crítica, não é o drama pessoal deste ou daquele personagem que os fazem assistir... não é a possibilidade de vir sermos rico, ou sermos seres humanos melhores, mas mesquinha e desumana vontade de querermos ver conflito, desumanidade, malignidade extrema e a completa transformação do "bicho-homem" apenas em "bicho".


Há quem goste e ache isso certo, e não apenas certo, mas o caminho natural que grande parte das sociedades secularizadas modernas da atualidade seguirá. Sinceramente, não vejo graça num filme que reforça o senso de despropósito, apesar de ter gostado de "Sentença de Morte", e explico o porquê: talvez fique mais fácil vendo que a película, na verdade, não está querendo fazer um retrato fiel da realidade (até porque aquela não é a realidade majoritária, mas, talvez, um pequeno percentual desta), ou seja, talvez a intenção do diretor e produtores não fosse mostrar um mundo como ele realmente é, mas como eles gostariam que fosse. As diferenças entre as práticas são obviamente discerníveis, e, neste ponto, o enredo do qual surgiu a história na telona torna-se drasticamente relativo. Contudo, não se pode fugir de uma verdade inexorável: temos de lidar com as consequências de nossas escolhas... todas elas; sejam boas ou más. E tudo, absolutamente tudo fica melhor quando abrimos oportunidade para que Deus entre, e, como aconteceu com Jesus e os discípulos no Mar da Galiléia, acalme a tempestade e faça a ventania parar, pois Ele é a pessoa certa para fazer parar quaisquer vendavais, quaisquer tempestades, mesmo as da vida! Não há "diretor" melhor!


Um bom blockbuster comercial atual é aquele em que há muita violência, muita pancadaria, muitos tiroteios e muitas mortes. Mas, diferentemente dos ingredientes que fazem um história como "Sentença de Morte" virar sucesso nas telas de cinemas e TV´s, o "roteirista" e "diretor" de nossa história, quando descansamos e confiamos que Ele fará (sempre) o melhor, não nos garante um script necessariamente ameno, opaco, sem riscos ou percalços... mas, invariavelmente, toda história genuinamente em suas mãos terá sempre um "final feliz".


Em Cristo Jesus,
Pr. Artur Eduardo

Um comentário:

Luciano Cabo Frio disse...

"É necessário ao Homem recorrer, mesmo em situações de crise, à auto-análise e verdadeira autocrítica, afim de que não submergir do caos relativista de uma vida completamente sem propósito."
Concordo plenamente.
Acrescento que vem a seguir, necessidade de entender o "Espírito do Tempo".
Duas coisas imprescindíveis nos dias de hoje. Quanto relativismo...

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