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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Um ensaio sobre as raízes e transformações do entendimento de nossa natureza

"O ENIGMA DA NATUREZA HUMANA"

Parece não haver maiores dificuldades para se perceber a realidade imediata normalmente tratada pelas chamadas ciências exatas, ou físico-matemáticas. O mesmo pode-se dizer das ciências biológicas. Quanto se trata das ciências do homem, todavia, especialmente no que se refere à definição do próprio homem, a antropologia, a coisa se complica, pois as alternativas de interpretação podem conter divergências profundas, antagônicas. Lendo o texto de Ortega y Gasset, "Historia como Sistema", pode-se ter um relance desse duelo teórico. Vejamos como ele colocou o problema:

"La naturaleza es una cosa, una gran cosa, que se compone de muchas cosas menores. Ahora bien: cualesquiera que sean las diferencias entre las cosas, tienen todas ellas un carácter radical común, el cual consiste simplemente en que las cosas son, tienen, un ser. Y esto significa no sólo que existen, que las hay, que están ahí, sino que poseen una estructura o consistencia fija y dada. Cuando hay una piedra hay ya, está ahí, lo que la piedra, es. Todos sus cambios y mudanzas serán, por, los siglos, de los siglos, combinaciones regladas de su consistencia fundamental. La piedra no será nunca nada nuevo y distinto. Esta consistencia fija y dada de una vez para siempre es lo que solemos entender cuando hablamos del ser de una cosa. Otro nombre para expresar lo mismo es la palabra naturaleza. Y la faena de la ciencia natural consiste en descubrir bajo las nubladas apariencias esa naturaleza o textura permanente".

E homem? E a natureza humana? O que nos diz o espanhol sobre isso? Ensina Ortega:

"Las primeras generaciones racionalistas creyeron poder aclarar con su ciencia física el destino humano. Descartes mismo escribió ya un Tratado del hombre. Pero hoy sabemos que todos los portentos, en principio inagotables, de las ciencias naturales se detendrán siempre ante la extraña realidad que es la vida humana. ¿Por qué? Si todas las cosas. han rendido grandes porciones de su secreto á la razón física, ¿por qué se resiste esta sola tan denodadamente? La causa tiene que ser profunda y radical; tal vez, nada menos que esto: que el hombre no es una cosa, que es falso hablar de la naturaleza humana, que el hombre no tiene naturaleza".

E completa, recusando a proposição do historicismo, inaugurado por Hegel:

"Me atrevo a decir esto sólo como extrínseca señal de que la interpretación del hombre como realidad espiritual no pudo ser más que violenta, arbitraria y fallida. Porque no es lícito en este contexto seguir empleando la palabra «espíritu» en un vago sentido, sino que conviene referirla al ciclo de significaciones precisas que ha tenido en la, filosofía de los dos últimos siglos".

Qual, então, a conclusão de Ortega:

"Mal podía la razón físico-matemática, en su forma crasa de naturalismo o en su forma beatífica de espiritualismo, afrontar los problemas humanos. Por su misma constitución, no podía hacer más que buscar la naturaleza del hombre. Y, claro está, no la encontraba. Porque el hombre no tiene naturaleza. El hombre no es su cuerpo, que es una cosa; ni es su alma, psique, conciencia o espíritu, que es también una cosa. EI hambre no es cosa ninguna, sino un drama - su vida, un puro y universal acontecimiento que acontece a cada cual y en que cada cual no es, a su vez, sino acontecimiento. Todas las cosas, sean las que fueren, son ya meras interpretaciones que se esfuerza en dar lo que encuentra. El hombre no encuentra cosas, sino que las pone o supone. Lo que encuentra son puras dificultades y puras facilidades para existir. El existir mismo no le es dado «hecho» y regalado como a la piedra, sino que -rizando el rizo que las primeras palabras de este artículo inician, diremos- al encontrarse con que existe, al acontecerle existir, lo único que encuentra o le acontece es no tener más remedio que hacer algo para no dejar de existir. Esto muestra que el modo de ser de la vida ni siquiera como simple existencia es ser ya, puesto que lo único que nos es dado y que hay cuando hay vida humana es tener que hacérsela, cada cual la suya. La vida es un gerundio y no un participio: un faciendum y no un factum. La vida es quehacer. La vida, en efecto, da mucho que hacer". Em conclusão: "En suma, que el hombre no tiene naturaleza, sino que tiene... historia. O, lo que es igual: lo que la naturaleza es, a las cosas, es la historia -como res gestae- al hombre. Una vez más tropezamos con la posible aplicación de conceptos teológicos a la realidad humana. Deus cui hoc est natura quod fecerit..., dice San Agustín. Tampoco el hombre tiene otra «naturaleza» que lo que ha hecho".

A citação final de Santo Agostinho não é ao acaso. O homem é liberdade, portanto livre-arbítrio. A visão de Ortega, abstraindo-se da questão religiosa é, nada mais nada menos, que a do santo cristão, Agostinho que foi um dos artífices teóricos da aceitação da tradição grega como patrimônio da civilização cristã.

Aqui temos que pensar um pouco mais o ponto de Ortega, especialmente sua recusa da tese da natureza humana, que remonta aos tempos de Descartes. Essa recusa é a recusa de toda a obra teórica de Hobbes e mesmo de Hume, vale dizer, de toda a filosofia política escrita desde então. É a recusa daquilo que se convencionou chamar de modernidade, que se construiu a partir da negação da antropologia greco-cristã. Esses filósofos modernos ergueram suas armas para atingir sobretudo a antropologia aristotélica. Podemos ler em Hobbes, no "Leviatã", na sua ânsia de naturalizar o homem como uma coisa como as demais, no índice do seu capítulo XLVI: "Das escolas dos judeus - As escolas dos gregos são improfícuas - As escolas dos judeus são improfícuas - 0 que é a Universidade - Erros introduzidos na religião pela metafísica de Aristóteles".

Todo seu esforço é para reduzir o homem a uma coisa e, para tanto, tem que negar a tradição e fundar uma outra, a partir de suposto teóricos tomados no passado. Aqui me refiro ao irrealismo da tese do contrato social, emprestada dos sofistas contemporâneos de Platão, que suporta a imagem falsa de que o homem "natural" vive solitariamente, antes que seja fundada a polis. Essa tese será expandida por Rousseau na sua visão idílica do bom selvagem. E, com ela, a pletora dos assim chamados direitos humanos, esse câncer que nasce justamente da mentira dos direitos naturais inventados por Hobbes.

É por isso que Hume escreverá, anos depois, que "A fama de Cícero floresce no presente, mas a de Aristóteles está completamente deca­dente" (no livro "Investigação Acerca do Entendimento Humano"). Ora, não era Aristóteles quem estava decadente, era o próprio Hume (e Hobbes) que se tornaram a expressão viva da decadência da ciência política na sua máxima amplitude.

É de suma importância compreender esse salto antropológico que se inicia no Renascimento, com a "naturalização" do homem, para se entender o drama humano do século XX. A filosofia política inaugurada por Hobbes é a porta de entrada na tragédia do totalitarismo, do qual vimos a pior face na primeira metade do século XX, o mesmo totalitarismo que está a nos ameaçar no presente momento. Hobbes é o pai do historicismo e o seu triunfo no meio universitário foi a consagração do novo homem revolucionário, que tentará agora, supostamente compreendida a natureza humana, fazer o seu aperfeiçoamento pelo instrumento da política. Será o Estado, o deus mortal sagrado por Hobbes, o demiurgo desse admirável mundo novo. Não mais a lei natural, mas a lei como vontade do governante, o positivismo jurídico radical que emergiu desde então.

Leo Strauss escreverá sua obra precisamente a partir dessa constatação e proporá o retorno ao direito natural aristotélico como antídoto contra o mal que assolou o mundo desde o século XX: o totalitarismo. Sua obra é a desconstrução de tudo que Hobbes escreveu.

O texto de Ortega y Gasset é brilhante por tudo, pela forma ─ como é saboroso ler os textos do espanhol ─ mas sobretudo pelo conteúdo, pela sumarização didática do problema. Não é por acaso que os acadêmicos esquerdistas que dominam as universidades desprezam seus livros, pois compreendê-los significa acordar da Segunda Realidade quixotesca em que estão metidos. Falar de natureza humana nos termos de Hobbes e Hume não passa de grosseira falsificação filosófica.

Fonte: Mídia sem Máscara

NOTA: De fato, a notação sobre as perspectivas de Hobbes e Hume, em suas respectivas filosofias políticas (e, porque não dizer antrpológicas?), está recheada de verdades!

Em Cristo Jesus,
Pr. Artur Eduardo

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