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sexta-feira, 2 de outubro de 2015

A Expiação: Limitada ou Universal? - Considerações Exegéticas

Três tipos chaves de textos no Novo Testamento afirmam expiação ilimitada: os textos “todos”, os textos “mundo” e os textos “muitos”. Outros textos declaram que Jesus morreu por Sua “igreja”, Suas “ovelhas” e Seus “amigos”. Como reconciliamos esses dois tipos de textos? Os Calvinistas Rígidos interpretam os textos universais a luz dos textos limitados. Não-Calvinistas e Calvinistas moderados interpretam os textos limitados como um subconjunto dos textos universais.
Alguns Calvinistas argumentam que os autores bíblicos como João ou Paulo acreditavam em expiação limitada porque eles fizeram declarações afirmando que Cristo morreu pela Igreja, embora os escritores bíblicos não digam que Cristo morreu somente pela igreja ou que ele não morreu pelo não-eleito. Os Calvinistas geralmente interpretam textualmente porções relevantes da Escritura desta maneira. Por exemplo, John Owen negou que a morte de Jesus teve alguma referencia com o não-eleito. De acordo com Owen, a morte de Cristo não é, em sentido algum absolutamente, por eles e não é, em sentido algum, uma expressão do amor de Deus por eles.[1] Quando Owen disse que o uso da palavra Kosmosem João 3.16-17 deve designar “aqueles que Ele pretendeu salvar, e nenhum outro, ou Ele falhou em seu propósito”,[2] está claro que sua teologia precede e determina sua exegese. Seu argumento prossegue dessa forma: desde que “mundo” é usado em outros lugares com outros sentidos ao invés de “toda humanidade”, ela não pode ser usada nesse sentido em João 3.16. Ele também argumentou a mesma coisa para o uso da palavra “todos”. Desde que “todos” às vezes significa “todos de alguns tipos” ou “alguns de todos os tipos”, ela nunca pode significar, de acordo com Owen, que toda a humanidade inclui cada e toda pessoa. A falácia lógica de tal abordagem é evidente.
Owen afirmou que “nós negamos que por uma provisão da palavra eleito dentro do texto nenhum absurdo ou inverdade poderá seguir justamente…de modo que o sentido é ‘Deus amou tanto seus eleitos em todo o mundo, que Ele deu o seu filho com essa intenção, para que os crentes sejam salvos’”.[3] Eu admito que isso, de fato, injeta ambos: absurdo e inverdade! Para Owen, “mundo” em João 3.16-17 não pode significar cada e toda pessoa por causa de sua teologia pré-concebida onde somente os eleitos são “amados” dessa forma (note o argumento circular aqui). Owen lê suas conclusões dentro de sua razões para a conclusão e antecipa qualquer alternativa, como Neil Chambers tem notado em sua Tese sobre Owen.[4] Owen continuou seu argumento dizendo que o uso da palavra “mundo” em João 3.17 é uma declaração da intenção de Deus e portanto deve se referir somente ao eleito. O mesmo é verdade de João 3.16. Novamente, Owen lê suas conclusões dentro de suas razões para provar sua conclusão. Se Owen está correto que “mundo” significa “eleito”, quando João 3.16 diz: “todo aquele que crer não pereça”, a possibilidade é deixada aberta que alguns dos eleitos possam perecer. Para Owen, a expiação é apenas realmente suficiente para aqueles por quem ela é eficiente. Os argumentos de Owen não são linguísticos ou exegéticos, mas argumentos teológicos a priori. Ele cometeu a falácia de petição de princípio.
Com respeito ao uso de Kosmos no evangelho de João, Carson destacou que a palavra caracteristicamente significa seres humanos em rebelião contra Deus.[5] No prólogo de João, Kosmossignifica a humanidade apóstata em rebelião contra Deus. Em João 1.29, os pecados do “mundo” são os que devem ser expiados.[6] Em 3.16, o mundo é dito como sendo amado e condenado, e então alguns são salvos para fora dele. Os dois últimos resultados ocorrem ou da crença ou descrença segundo 3.18. João 3.19 é consistente com 3.18.
Nenhum fundamento linguístico, exegético ou teológico existe para reduzir o significado de “mundo” para “eleito”. De fato, em João 17.6 os eleitos são definidos em oposição a mundo. Owen fez João 3.16 ser lido, “Deus amou aqueles que Ele escolheu do mundo”, que muda o sentido do verso em oposição do significado pretendido. Fazer a palavra “mundo” aqui significar “o eleito” é cometer o erro de confundir categorias lógicas e linguísticas.[7]
Os Calvinistas que seguem Owen em João 3.16 distorcem o propósito de João e assim rompem “sua própria participação na continuação da tarefa de Jesus de salvar o mundo na missão dos apóstolos de uma convicção de amor pelo perdido em si, uma convicção fundamentada no amor de Deus por eles”.[8]Essa distorção tem uma imensa repercussão para o evangelismo e pregação! Quando Letham diz, concernente a intenção de Deus na expiação em João 3.16: “nem o termo ‘mundo’ nem a passagem como um todo está refletindo a questão diante de nós”, ele está mortalmente errado.[9] Dabney, um Calvinista moderado expôs a visão correta quando ele disse, “Talvez não exista nenhuma Escritura que explique de forma tão minuciosa e compreensiva o projeto e os resultados do sacrifício de Cristo como João 3.16-19”.[10]
Em seus comentários sobre João 3.16 em Indiscriminate Proposals of Mercy [Propostas Indiscriminadas Da Graça], Dabney disse que, de acordo com os Calvinistas Rígidos, quando “Deus amou o mundo de tal maneira que Ele deu seu único Filho”, “O mundo” deve significar somente “o eleito”. Dabney encontra vários problemas com essa inferência. Se “o mundo” no verso 16 significa “o eleito”, então a implicação clara é que alguns dos eleitos podem cair da fé e assim perecer.[11] Para ser consistente, nós devemos conduzir o mesmo sentido da palavra “mundo” em toda a passagem. No verso 19, “o mundo” em que a luz veio, recebe condenação, e assim não pode ser uma referência ao eleito, mas deve ser levada em um amplo sentido de humanidade. A conexão lógica entre o verso 17 e 18 mostra que “o mundo” do verso 17 é inclusivo eventualmente “daqueles que creem” e daqueles que “não creem” do verso 18. Se a oferta do sacrifício de Cristo não é em um sentido genuíno oferta de salvação para essa parte do mundo que “não crê” é difícil ver como a escolha deles de rejeitar a oferta pode tornar-se o justo fundamento da condenação deles como é expressamente declarado no verso 19. Dabney apresenta essa questão: “Aqueles que rejeitaram o evangelho são em última análise condenados porque foram tão desgraçadamente perspicazes em como não ser afetados por uma manifestação fictícia e irreal? [algo que a priori nunca lhes foi oferecido?] É visível que Calvino é um expositor sagaz demais para se obrigar a cometer esse tipo de exegese extrema”.[12]
Dabney pergunta, “Como escaparemos deste dilema?” Olhando a interpretação do Calvinismo Rígido, “se fosse uma questão do decreto da salvação apenas para o eleito, a partir do qual toda mente sadia é forçada a projetar a doutrina da redenção particular, o argumento seria insuperável”. Ainda, como Dabney destacou, essa abordagem faria Jesus contradizer sua própria afirmação. A solução, então, deve estar em uma direção diferente. A frase “amou o mundo de tal maneira” não foi designada para se referir ao decreto da eleição, mas a uma oferta baseada no amor que vai além do objetivo ou decreto de Deus de salvar. A morte de Cristo na cruz como proclamada no evangelho é uma oferta sincera de salvação para todos os pecadores. Dabney notou corretamente que aqueles que não creem (o não-eleito) perecerá não obstante a oferta de salvação a eles. Quando a morte de Cristo torna-se a ocasião (não causa) de profunda condenação para aqueles que recusam crer, é apenas por causa da rejeição voluntaria da oferta de Deus de salvação em Cristo.[13]
J. C. Ryle concordou e disse com respeito a João 3.16:
Eu estou bem familiarizado com as objeções trazidas comumente contra a teoria que eu propus. Eu não encontro nenhum peso nelas e eu não sou cuidadoso em respondê-las. Aqueles que confinam o amor de Deus exclusivamente aos eleitos me parecem tomar uma visão estreita e contraditória do caráter e atributos de Deus. Eles recusam a Deus o atributo da compaixão com o qual até mesmo um pai terreno pode, com respeito a um filho pródigo, oferecer o perdão a ele, mesmo embora sua compaixão seja menosprezada e sua oferta seja recusada. Eu cheguei a uma conclusão que os homens podem ser mais sistemáticos em suas afirmações do que a Bíblia, e podem ser levados a graves erros de veneração idolátrica de um sistema.[14]
Adicionalmente, Ryle deu ênfase à maneira como ele tratou o assunto da eleição: “Nós não sabemos quem são os eleitos de Deus e quem Ele deseja chamar e converter. Nossa obrigação é convidar a todos. Para cada alma incrédula sem exceção nós devemos dizer ‘Deus ama você e Cristo morreu por você’”.[15]
Em seu comentário sobre João 3.16, Calvino disse:
E Ele usou um termo geral, tanto para convidar indiscriminadamente a todos quanto para repartir em vida e para retirar toda desculpa dos descrentes. Tal é também a significância do termo “mundo” que Ele usou antes … Ele, no entanto, mostra que Ele é favorável ao mundo todo quando ele chama a todos sem exceção para a fé em Cristo, que é, de fato, uma entrada para a vida.[16]
Cristo ofereceu a si mesmo como um sacrifício pela salvação do “mundo todo” e, portanto convida a todos “indiscriminadamente” para repartir o favor de Deus. Comentando João 3.16, Calvino iguala “Mundo” com os termos “indiscriminadamente todos” e “todos sem exceção”. Perceba cuidadosamente como Calvino contrasta alguns que creem com o resto do mundo; ele não diz “todos que creem”, como é comum entre escritores Calvinistas sobre este verso, mas “todos sem exceção”. Alguns podem pensar que Calvino e outros ensinam que Cristo sofreu apenas pelos pecados do eleito porque eles interpretam que “mundo” em 1 João 2.2 como limitado a igreja, seguindo Agostinho. No entanto, Jerome Zanchi e Jacob Kimedoncius interpretam a passagem da mesma maneira, já Richard Muller reconhece que esses dois homens abraçam uma forma de redenção universal, justamente como Heinrich Bullinger (que tomou uma leitura ilimitada de 1 João 2.2). Enquanto pode existir consenso, em principio, entre Calvinistas Clássicos sobre a redenção universal, podem existir diferenças práticas em termos da exegese deles de certas passagens especificas.
A força de qualquer posição teológica só é tão grande quanto a base exegética que é construída. Expiação limitada (particularismo estrito) é construída sobre um fundamento exegético defeituoso. Aqueles que afirmam expiação limitada usualmente afirmam o amor de Deus por toda humanidade e o desejo de Deus de salvar toda humanidade (em Sua vontade revelada, embora não em Sua vontade secreta). No entanto, eles negam que Jesus morreu pelos pecados de toda a humanidade. Qualquer ensino que diz que Deus não ama toda humanidade,[17] que Deus não tem intenção ou desejo de salvar toda humanidade, ou Jesus não morreu pelos pecados de toda humanidade é contrário a Escritura e deve ser rejeitado.[18]
Fonte: Whosoever Will: A biblical-theological of five-point calvinism, pp. 78-83
Tradução: Walson Sales
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[1] J. Owen, The Death of Death in the Death of Christ [A morte da morte na morte de Cristo], nas The Works of John Owen [Obras de John Owen] (ed. W. H. Goold; Edinburgh: Banner of Truth, 1993), 10:219.“O fundamento e causa de Deus enviar a Cristo é seu eterno amor pelo eleito e somente por ele”. (Owen,Death of Death, 231. Veja também 324).
[2] Ibid., 306.
[3] Ibid., 326.
[4] N. Chambers, “A Critical Examination of John Owen’s Argument for Limited Atonement in ‘The Death of Death in the Death of Christ’” [Um exame crítico do argumento de John Owen para Expiação Limitada em ‘A Morte da Morte na Morte de Cristo’] (Tese de Mestrado, Reformed Theological Seminary, 1998), 122. Essa tese pode ser obtida em www.Tren.com.
[5] D. A Carson, The Gospel According to John [O Evangelho Segundo João] (Leicester, England: interVasity/Grand Rapids: Eerdmans, 1991), 123.
[6] Em uma instancia onde Charnock cita esse texto, ele referencia o entendimento de Amyralt do texto (S. Charnock, “A Discourse of Christ Our Passover” [Um Discurso sobre Cristo nossa Páscoa”, nas The Works of Stephen Charnock [Obras de Stephen Charnock] [Carlisle, PA: Banner of Truth, 1985], 4:507).
[7] Veja a excelente discussão no “Critical Examination” [Exame Crítico] de Chambers, 116-25. Veja também E. Hulse, “John 3.16 and Hyper-Calvinism” [João 3.16 e Hyper-Calvinismo], Reformation Today135 (September/October 1993): 30: “Nós notamos bem que João 3.16 não diz, porque Deus amou tanto o eleito. O Santo Espírito não escreveu o texto dessa forma. Nós podemos entender que ‘o mundo’ aqui significa ambos Judeus e Gentios? A palavra ‘mundo’ deve ser interpretada da forma que é usada em todo o evangelho, a saber, todas as pessoas sem exceção, não todas as pessoas sem distinção”.
[8] Chambers, “Critical Examination” [Exame Crítico], 153-154. Veja também a tentativa fracassada de Turretin para fazer “mundo” em João 3.16 significar “O Eleito” (F. Turrentin, Institutes of Elenctic Theology [Phillipsburg, NJ: P&R, 1992], 1.405-8).
[9] R. Letham, The Work of Christ: Contours of Christian Theology [A Obra de Cristo: Contornos na Teologia Cristã] (Downer’s Growe, IL: InterVarsity, 1993), 241.
[10] R. Dabney, Lectures in Systematic Theology [Palestras em Teologia Sistemática] (Carlisle, PA: Banner of Truth, 2002), 535.
[11] R. Dabney também faz esse argumento em sua Lectures in Systematic Theolofy [Palestras em Teologia Sistemática], 525.
[12] R. Dabney, God’s Indiscriminate Proposals of Mercy, as Related to His Power, Wisdom and Sincerity [Propósitos Indiscriminados da Graça de Deus, como relatado em seu poder, sabedoria e sinceridade], em Discussions of Robert Louis Dabney [Discussões de Robert Louis Dabney] (Edinburgh: Banner of Truth, 1967 [1982]), 1: 312-13.
[13] Ibid., 1:312-13.
[14] J.C. Ryle, Expository Thoughts on the Gospels [Pensamentos Expositivos sobre os Evangelhos] (Grand Rapids: Baker, 1979), 3: 157.
[15] J.C. Ryle, Olds Paths [Velhos Caminhos] (Edinburgh: Banner of Truth, 1999), 479.
[16] J. Calvin, The Gospel According to St. John 1-10 (ed. D. W. Torrance and T. F. Torrance; trans. T. H. L. Parker, new edition, nos Comentários do Novo Testamento de Calvino; Grand Rapids: Eerdmans/Carlisle: Paternoster, 1995), 74.
[17] Para um excelente artigo sobre João 3.16 e Hyper-Calvinismo, veja E. Hulse, “John 3.16 and Hyper-Calvinism” [João 3.16 e Hyper-Calvinismo], 27-30. As sentenças de abertura de Hulse são instrutivas: “Pelo uso seletivo das confissões Reformadas é possível afirmar ser reformado, mas ao mesmo tempo esconder o fato que você é um Hyper-Calvinista. O Hyper-Calvinista nega que Deus ama toda a humanidade e que o evangelho são as boas novas para ser declarada a todos sem exceção” (27).
[18] O espaço não permite um exame dos muitos textos afirmando expiação universal. Um texto chave é I João 2.2. Nesse verso, baseado em 23 usos da palavra mundo em I João, “Mundo” não pode significar “o eleito” ou “os crentes não-judeus” como é geralmente afirmado por Calvinistas. Dabney disse: “É indisputável que o Apóstolo estende a propiciação de Cristo para além daqueles que ele fala como ‘nós’ no primeiro verso … a pareceria então, que o escopo do Apóstolo é consolar e encorajar os crentes pecadores com o pensamento que desde que Cristo fez expiação por cada homem, não existe perigo que ele não será encontrada uma propiciação por eles que, havendo já crido, agora sinceramente se voltam para Ele dos seus pecados recentes” (Dabney, Lectures in Systematic Theology [Palestras em Teologia Sistemática], 535). Aqueles que sustentam a expiação limitada erram porque eles tentam fazer os termos indefinidos e universais ser um grupo definido e especifico. Para um tratamento balanceado de I João 2.2 que vem do lado da expiação universal, veja D. Akin, 1, 2, 3 John [1,2,3 João] (NAC; ed. R. Clendenen; Nashville: B&H, 2001), 84-86.

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