Por Augustus Nicodemus (Chanceler da Universidade Mackenzie)
Adaptado por Artur Eduardo
Não quero dizer que acontece com todos. Mas, acontece com muitos. Conheço vários casos, inclusive próximos a mim, de jovens cristãos fervorosos, dedicados, crentes, compromissados com Deus, que gostavam de orar e ler a Biblia, que evangelizavam em tempo e fora de tempo, e que depois de entrar no seminário ou faculdade de teologia, esfriaram na fé, se tornaram confusos, críticos, incertos e até cínicos. Como Tomé, não conseguem crer (espero que ao final venham a crer, como graciosamente aconteceu com Tomé).
E isso pode acontecer até mesmo em seminários cujos professores são conservadores, que acreditam na Bíblia de capa a capa. Esse quase foi o meu caso. Após minha conversão em 1977, depois de uma vida desregrada e dissoluta, dediquei-me à pregação do Evangelho e a plantar igrejas. Larguei meu curso de Desenho Industrial na Universidade Federal de Pernambuco e fui trabalhar como obreiro no litoral de Olinda, pregando a uma comunidade de pescadores, depois no interior de Pernambuco entre plantadores de cana e finalmente entre viciados em droga em Recife. Todos me aconselhavam a fazer o curso de seminário e a me tornar pastor. Eu resistia, pois tinha receio de que quatro anos em um seminário iriam esfriar o meu ânimo, meu zelo, minha paixão pelas almas perdidas. Eu conhecia vários seminaristas e não tinha a menor intenção de me tornar como eles. Finalmente cedi. Entrei no seminário aos 24 anos de idade, provavelmente como um dos mais relutantes candidatos ao ministério que passara por aquelas portas. Tive professores muito abençoados que me ensinaram teologia, Bíblia, história, aconselhamento. Eram todos, sem exceção, homens de Deus, comprometidos com a infalibilidade das Escrituras e com a teologia reformada. Tenho tenho que confessar, porém, que nesse período, esfriei bastante. Perdi em parte aquele zelo evangelístico, a prática de dedicar várias horas diárias para ler a Bíblia e orar. O contato com a história da Igreja, a história das doutrinas, as controvérsias, afora a carga tremenda de leituras e trabalhos a serem feitos, tudo isso teve impacto na minha vida devocional. Pela graça de Deus, durante esse período me mantive ligado ao trabalho evangelístico, à pregação. Mantive-me em comunhão com outros colegas que também amavam o Senhor e juntos orávamos, discutíamos, compartilhávamos nossas angústias, alegrias, dificuldades e planos futuros. Saí do seminário arranhado.
(...)
Além desses dois casos que eu mencionei, conheço vários outros de seminaristas, estudantes de teologia, que perderam a fé, o zelo, o fervor, a confiança, e que saíram do seminário totalmente diferentes daqueles jovens entusiasmados, evangelistas, que um dia entraram na sala de aula ansiosos por aprender mais de Deus e da sua Palavra.
Existem algumas razões pelas quais essa história tem se tornado cada vez mais comum. Coloco aqui as que considero mais relevantes, sempre lembrando que muitos seminários e escolas de teologia levam muito a sério a questão da ortodoxia bíblica e do cultivo da vida espiritual de seus alunos. Não é a eles a que me refiro aqui.
1) Acho que tudo começa quando as denominações mandam para os seminários e faculdades de teologia jovens que não têm absolutamente a menor condição de serem pastores, professores, obreiros e pregadores. Muitos são enviados sem qualquer preparo intelectual, espiritual e emocional. Alguns mal fizeram 17 anos e foram enviados simplesmente porque eram líderes destacados dos adolescentes de sua igreja, eram líderes do grupo de louvor ou filhos de pessoas influentes da igreja. Não é sem razão que Paulo orienta que o líder não pode ser neófito, isto é, novo na fé (1Tim 3.6). Eles não têm a menor estrutura intelectual, bíblica e emocional para interagir criticamente com os livros dos liberais e com os professores liberais que vão encontrar aos montes em algumas das instituições para onde serão mandados. Não estarão inoculados preventivamente contra o veneno que professores liberais costumam destilar em sala de aula. E nem têm ainda maturidade para estudar teologia como se fosse uma disciplina qualquer, até mesmo quando ensinada por professores conservadores que mal oram em sala de aula.
2) Acho também que a culpa é das denominações que mantêm professores liberais ou conservadores frios espiritualmente nas cátedras de suas escolas de teologia. O que um professor que não acredita em Deus, nem que a Bíblia é a Palavra de Deus, não ora, tem para ensinar a jovens que estão na sala de aula para aprender mais de Deus e de sua Palavra? Há seminários e escolas de teologia que mantêm no corpo docente professores que nem vão mais à uma igreja local, que usam o título de pastor apenas para ocupar uma vaga na cátedra dos seminários. Nunca levaram ninguém a Cristo e nem estão interessados nisso. Não têm vida de oração, de piedade. Que exemplo eles poderão dar aos jovens que sentam nas salas de aula com a mente aberta, ansiosos e desejosos de ter modelos, exemplos de líderes para começar seus próprios ministérios?
3) Alguns desses professores têm como alvo pessoal destruir a fé de todos os seus estudantes antes mesmo que terminem o primeiro ano de estudos. Começam desconstruindo o conceito de que a Bíblia é a infalível e inspirada Palavra de Deus. Com grandes demonstrações de sapiência e erudição, eles mostram os erros da Bíblia e o engano da Igreja Cristã, influenciada pela filosofia grega, em elaborar doutrinas como a Trindade, a Divindade de Cristo, a Expiação. Mesmo sem usar linguagem direta -- alguns usam, todavia -- lançam dúvidas sobre a ressurreição literal de Cristo de entre os mortos. A pá de cal na sepultura da fé desses meninos é a vida desses professores. Além de não terem vida devocional alguma, alguns deles ensinam os seus pobres alunos a beber, fumar e freqüentar baladas e outros locais. Eles até lideram o grupo Noé (que se encheu de vinho) e o grupo Isaías ("e a casa se encheu de fumo") nos seminários!!
4) Bom, acredito que uma fé que pode ser destruída deve ser destruída mesmo, pois não era autêntica e nem sólida. Quanto mais cedo ela for destruída e substituída por uma fé robusta, enraizada na Palavra de Deus, melhor. Acontece que os professores liberais e os professores conservadores mortos só sabem destruir; eles não têm a menor idéia de como ajudar jovens candidatos ao ministério pastoral a cultivar uma mente educada, uma fé robusta e uma vida de devoção e consagração a Deus: os primeiros, porque lhes falta fé; os segundos, devoção. Ao fim de quatro anos de estudo com professores assim, vários desses jovens saem para serem pastores, mas intimamente -- alguns, abertamente -- estão cheios de dúvidas quanto à Bíblia, quanto a Deus e quanto às principais doutrinas da fé cristã. Estão confusos teologicamente, incertos doutrinariamente e cínicos devocionalmente. Quando entraram nos estudos teológicos, eram jovens que tinham como a missão principal de sua vida pregar o Evangelho, glorificar a Deus e ganhar o mundo para Cristo. Agora, após quatro anos debaixo de professores liberais ou conservadores mortos, seu único alvo é conseguir campo para ganhar o pão de cada dia e sustentar-se e à família. Esse tipo de motivação destrói igrejas em curto espaço de tempo.
5) Não podemos deixar de lembrar que ao final, se trata de uma guerra espiritual feroz, em que Satanás tenta de todos os modos corromper a singeleza e sinceridade da fé em Cristo, atacando a mente e o coração dos futuros pastores (2Cor 11:3). Usando professores sem fé e professores sem vida espiritual, ele procura minar as convicções, a certeza, o fervor e a dedicação dos jovens que se preparam para o ministério. Aqui é pertinente o lema de Calvino, orare et labutare. Pela oração, os seminaristas poderão escapar da tendência dos estudos teológicos de transformar nossa fé em um esquema doutrinário seco. E pela labuta nos estudos poderão se livrar das mentiras dos professores liberais, neo-ortodoxos, libertinos e marxistas. Eu daria as seguintes sugestões a quem pensa em fazer teologia e depois seguir a carreira pastoral.
- Verifique suas motivações. O que lhe leva a desejar o pastorado? Muitos querem ser pastores porque não conseguem ser mais nada na vida. Não conseguem passar no vestibular para outras carreiras e nem conseguem emprego. Vêem o pastorado como um caminho fácil para ter um emprego. (E aí, entram no Pastorado ou se auto-intitulam "Pastores", mas apenas nominalmente. Não têm quaisquer condições para tal. Grifo nosso.).
- Procure saber qual a opinião de seus pais, de seus pastores, e de seus amigos mais chegados, que terão coragem de lhe dizer a verdade.
- Seja honesto consigo mesmo e responda: você já levou alguém a Cristo? Você tem liderança? Você tem facilidade de comunicação em público e em particular?
- Você tem uma vida devocional firme, constante, sólida, em que lê a Bíblia e ora, buscando a face de Deus, com zelo e fervor? Cultiva uma vida santa e reta diante de Deus, odeia o pecado e almeja ser mais e mais santo em seu caminhar?
Um colega de seminário me lembrou recentemente que uma das coisas que o impediram de perder a fé e o fervor durante o tempo de estudos foi que ele tenazmente se aproximou dos professores conservadores que eram espirituais, dedicados, fervorosos, que valorizavam a vida com Deus e a santidade. A comunhão com esses homens de Deus foi um refrigério para ele, e funcionou como uma âncora nos momentos de tentação e crise.
Lamento pelos jovens que perdem sua fé ou seu amor a Deus durante os anos de estudos teológicos. Lamento mais ainda pelas igrejas onde eles vão trabalhar e onde plantarão as mesmas sementes de incredulidade e frieza que foram semeadas em sua mentes abertas e despreparadas por professores que não tinham fé ou não tinham zelo.
Fonte: O Tempora, O MoresEm Cristo Jesus,
Pr. Artur Eduardo
5 comentários:
Parabens pelo post!
Abs!
Faculdade Teológica
Tremendo Pastor, quanta verdade foi dita em pouquíssimas linhas. Parabéns pelo blog e pelo programa fatos em foco.
Que a Paz e a Graça de Deus inunde diariamente sua vida.
Prezado Professor Artur!
Apesar de a muito tempo ser frequentador de seu blog, não tinha postado nada até então.
Gostaria de parabenizá-lo pelo excelente trabalho, e pela qualidade do blog.
Tenho sido profundamente beneficiado pelos informes aqui postados e pela seriedade perceptível em seus comentários.
Que Deus continue te abençoando e conduzindo sua vida e ministério a alvos cada vez maior e realizações impossíveis aos seus olhos.
Quanto artigo "Pq seminaristas perdem a fé?" do Dr. Nicodemus, seria interessante postarmos no STPN. É um excelente artigo!
No amor de Cristo,
Daniel Moreno - STPN.
Paz do Senhor pastor Artur.
Faço parte de uma Igreja Batista no bairro de Santo Amaro, onde é uma igreja tradicional, mas gosto bastante sabendo porém que não se dá muito valor a oração, os jovens na sua maioria são dispersos e a igreja na sua totalidade não evangeliza fora de suas portas.
Eu oro a Deus para que o Senhor transforme a igreja que congrego num lugar cada dia mais próximo de Cristo. Perdoe-me a franqueza, pois bem sei que o senhor é um homem de Deus, onde tenho acompanhado suas passagens no programa consensus, tanto no rádio como na tv. Em relação ao tema do seu blog, fiquei um pouco assustado pelo comentário, contudo louvando a Deus pela vida do pastor na franqueza e transparência nas palavras e nos comentários, pois é muito difícil ver outros "pastores" falarem das dificuldades e principalmente do tipo de "professores" que podemos encontrar nos seminários. Eu particularmente tenho o grande desejo de faze-lo um dia. Já tentei aprovação em vários concursos mas não tive sucesso em nenhum até hoje e sou em alguns momentos supreendido com alguns irmãos falarem que um dia serei pastor. Sou pela infinita misericódia de Deus, diácono desta Igreja Batista. Continuarei louvando a Deus pela vida do senhor e continuarei orando para o Senhor Jesus continuar realizando o melhor em nossas vidas. Perdoe-me as muitas palavras de um homem que tem o desejo de aprender ainda mais da Palavra de Deus, sem de forma alguma perder a fé, perseverança e amor pelo nome de Jesus, o Cristo de Deus.
Faço uma pergunta. Diante deste comentário eu já pensei em ser um futuro aluno do senhor, então como posso ser um ?.
Obrigado pelo espaço e que Deus em Cristo Jesus esteja ainda mais usando o senhor e derramando da Sua Graça em sua vida.
Shalon Adonai,
Ermeson Gomes - Recife/PE.
ermeson.windson@gmail.com
Paz, irmão Emerson.
Bem, este comentário não é meu, mas do Rev. Augustus Nicodemus, e foi reproduzido na íntegra aqui, no blog. Postei-o pois, como professor de seminário, também, vejo que muito do que foi dito no artigo é verdade, infelizmente. É por isso que uma vida devocional séria, comprometida não somente com o estudo teológico mas, fundamentalmente, com o ensino de vida, moral e espiritualidade bíblicas deve ser mantido pelo aluno. B. B. Warfield, um dos grandes pensadores teológicos do século XIX, escreveu um opúsculo intitulado "A Vida Religiosa dos Estudantes de Teologia", o qual lhe indico. Com firme propósito nisto que estou lhe dizendo, irmão, você pode estudar em quaisquer seminários e/ou faculdades de teologia, mesmo os mais liberais, pois sua confiança estará firmada, para sempre, na Rocha que é Cristo Jesus! Paz.
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