Mesmo quando você tem todos os documentos e testemunhos de fonte primária, é impossível escrever História sem um bocado de imaginação. É a imaginação que cria os nexos entre os vários pontos que os documentos e testemunhos não atestam senão separadamente. A História é uma ciência, ciência é a busca da racionalidade no real, e buscar a racionalidade no real não é senão ir subindo na escala dos quatro discursos de Aristóteles, do possível ao verossímil, do verossímil ao razoável e do razoável ao demonstrado ou certo. A primeira etapa desse processo é puro trabalho de imaginação. É a imaginação que enquadra os dados na moldura racional dos graus de credibilidade admissíveis, com o objetivo ideal de tornar viável, no fim, a prova científica.
O que estou dizendo não vale só para o historiador de ofício, é claro. Toda compreensão de fatos políticos, sociais, culturais, psicológicos e econômicos tem como pressuposto o enquadramento imaginativo da situação. Só sobre essa base é possível o trabalho crítico da inteligência. O raciocínio mais exato do mundo, exercido sobre uma base imaginativa estreita, deformada ou doente, só pode levar a erros terrivelmente persuasivos. O problema é que a imaginação do cidadão comum é deploravelmente pobre e esquemática em comparação com as complexidades e as profundezas abissais da história contemporânea.
Com a maior facilidade o sujeito é induzido a crer em histórias da carochinha que confirmam os seus preconceitos e esperanças e a duvidar dos fatos mais amplamente comprovados que, à sua minguada capacidade imaginativa, pareçam estranhos ou inverossímeis. E não me refiro só ao povão, mas à quase totalidade dos "formadores de opinião" que em geral não são estudiosos treinados na arte da "fantasia exata", mas apenas cérebros de segunda ordem intoxicados de estereótipos e frases feitas, desesperadamente necessitados da aprovação de seus pares ao ponto de preferir errar com eles, quando a alternativa é uma verdade solitária.
O termo "fantasia exata" é de Leonardo da Vinci (retrato): designa a imaginação treinada para deslizar ao longo das estruturas do real, em vez de afastar-se delas. É a habilidade cognitiva mais decisiva – e a mais escassa entre os "intelectuais públicos", não só no Brasil como no resto do mundo. Para complicar um pouco mais as coisas, o imaginário popular é moldado hoje em dia pela indústria do show business, o que é o mesmo que dizer que a mente do cidadão comum só é capaz de conceber na vida real as situações que tenham precedentes no cinema ou na TV, sendo que esses precedentes, por sua vez, são limitados à escala mental dos mini-intelectuais que predominam nessa indústria.
Eis aí por que toda hipótese de "conspiração" só tem credibilidade quando os suspeitos são os vilões convencionais de Hollywood: a CIA, as "grandes corporações", o Exército americano, etc. Por esse lado, as histórias mais absurdas são aceitas com uma credulidade espantosa. Na imaginação popular, o movimento comunista internacional, a espionagem chinesa, os globalistas da ONU e similares nem mesmo existem. Qualquer denúncia que se faça contra eles, por mais bem documentada que esteja, é facilmente impugnada como fantasia paranóica, justamente porque vem em sentido contrário da fantasia paranóica popularmente consagrada. Milhões de idiotas clamam contra os "lucros exagerados" das companhias de petróleo, chegando a atribuir à voracidade delas à guerra do Iraque, sem jamais levar em conta que esses lucros, na mais ousada das hipóteses, não chegam a um terço dos 19 por cento ao ano obtidos pela indústria farmacêutica, esta sim um dos pilares fundamentais do governo mundial em formação.
No caso do público americano, o que o torna ainda mais vulnerável à manipulação das notícias é a sua necessidade compulsiva de parecer equilibrado, centrista, polidíssimo e mainstream. A busca da verdade é severamente tolhida quando tem de atender simultaneamente a tantas exigências externas, dispersantes e debilitantes. Para complicar, o padrão de equilíbrio e centralidade é determinado inteiramente pela grande mídia, pelo show business e pela intelectualidade acadêmica – precisamente os três setores da sociedade onde se concentra o maior número de inimigos internos dos EUA. Acrescente-se a isso o fato óbvio de que é infinitamente mais fácil, precisamente graças às virtudes democráticas da sociedade americana, investigar os subterrâneos da CIA ou a vida empresarial de Dick Cheney do que a montanha compacta de segredos da espionagem chinesa, da máfia russa ou da rede internacional de ONGs ativistas.
O resultado é que o público americano tem sempre a impressão de que o maior inimigo da humanidade são os EUA, precisamente porque ignora tudo ou quase tudo a respeito dos inimigos da América. Os americanos reprimem sua indignação, policiam suas palavras e se omitem de tomar muitas decisões necessárias e urgentes, só para não desagradar àqueles que os odeiam e para não parecer loucos aos olhos da loucura anti-americana.
Fonte: Olavo de Carvalho
NOTA: Tenho visto uma nova ´onda´ acerca teorias da consipiração, e já tenho denunciado aqui no blog: Um movimento esotérico, com adeptos no mundo todo, que têm denunciado um ´plano secreto de Israel e dos EUA´ de fomentarem o caos financeiro para a conquista através do domínio econômico. Estes esotéricos insistem, inclusive, em uma conspiração com (pasmem) et´s. Há vários documentários no Youtube e no Google Vídeo seguindo esta perspectiva. Não tenho dúvidas de que esta será a corrente anti-americana que norteará todas as futuras teorias de conspiração e fomentará um ódio global e imarscecível, completamente descontrolado, aos EUA. Já há um número alto de pessoas que fomentam uma denúncia espetacular contra os ´EUA dominado pela organização Illuminati´, sem saberem bem o quê ou quem são os Illuminati. Esta exposição anti-americana e (observe, caro leitor) anti-semítica e anti-cristã (sim, pois os pressupostos cristão são ridicularizados em contraposição à mensagem esotérica e neopagã) é colocada em um grande bojo, e tudo parece confundir-se. É como se anti-americanismo fosse sinônimo de anti-tirânico, anti-´supersticioso´ (cristão) e progressista! É necessário que os cristãos peçam sabedoria a Deus e não se deixem envolver por quaisquer histórias desprovidas de comprovação histórica. O governo dos EUA não é e nunca foi o melhor do mundo. Mas, com certeza não é nem foi o pior. Os EUA lutaram contra tiranias mundias insanas, promoveram os direitos humanos, desbancaram déspotas com sede de domínio global (como Hitler) e, sim, financiaram grupos guerrilheiros para se insurgirem contra inimigos potencialmente mais perigosos, na época, como os comunistas e suas pretensões de imperialistas nos países atrás da antiga ´cortina de ferro´. Muito do que vemos de pobreza e miséria aqui, na América Latina, se deu por incompetência dos EUA? Sim. Mas não só por isso... Houve muita, muitas corrupção com todo o dinheiro que já circulou por aqui, ao ponto de os governantes das ´repúblicas das bananas´ serem comparados aos líderes tirânicos da África. Nunca faltou dinheiro para a América Latina. Mas faltou competência e, principalmente, honestidade, da nossa parte mesmo! Por isso, não se sustentam os gritos anti-americanistas da maior parte dos que protestam, fomentando uma idéia errônea sobre a história mundia recente, nas mentes dos mais incaltos.
Em Cristo Jesus,
Pr. Artur Eduardo
Um comentário:
Estou sempre lendo o seu blog e rapz... Muito bom , muito bom mesmo.
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