
Nova Iorque, EUA
Foi Karl Popper quem me aconselhou a ler a Apologia de Sócrates. Indiretamente, é claro, devido ao elogio que faz dessa obra ("o mais belo escrito filosófico que conheço"), num belo ensaio intitulado "Sobre conhecimento e ignorância". Depois de ler e reler o texto platônico, só posso concordar com o autor de "A sociedade aberta e seus inimigos". Porém, deixo de lado a beleza da "Apologia", para ressaltar sua importância. A obra contém em si todos os fundamentos da filosofia. Suponha, por hipótese, que se perdesse toda a literatura filosófica clássica, isto é, os textos dos pré-socráticos, os de Platão e de Aristóteles, menos a "Apologia". Pois bem, seria possível que o pensamento filosófico se reconstituísse, da mesma maneira que se desenvolveu no Ocidente, exclusivamente a partir da leitura de "Apologia de Sócrates", pois nela está muito bem delineado o porquê de filosofar e como fazê-lo. Em poucas palavras, diante de um problema a ser solucionado (a enigmática declaração do oráculo), Sócrates empreende um questionamento obstinado e sistemático.
Para Popper, o cerne da "Apologia" é a lição de modéstia passada por Sócrates ("só sei que nada sei"), o reconhecimento da própria ignorância, que ele considera uma atitude basilar da atividade filosófica. É essa a atitude que permite encarar os problemas sem ilusões nem preconceitos e divisá-los em sua dimensão objetiva, uma vez que o sujeito que os encara se abstém de projetar neles uma sabedoria que, de facto, não têm. É essa atitude, portanto, a única maneira de encontrar efetivas soluções para qualquer problemática. Convém lembrar que também surpreende e comove a confissão que faz o mais sábio dos atenienses, ao revelar que a sabedoria se encontra no conhecimento da própria ignorância. É desconcertante a honestidade socrática, especialmente para nós, que vivemos numa época em que declarar a própria ignorância parece, além de desonroso, inadmissivelmente ingênuo. Trata-se, sem dúvida, de uma atualíssima lição que nos lança o velho Sócrates, desde sua remota Atenas.

"Que quererá dizer o deus? Que pretende ele dar a entender? Sei muito bem que não sou sábio, nem muito nem pouco. Que quer ele dizer quando afirma que sou o mais sábio dos homens? Porque enfim ele não está a mentir; não lhe é lícito fazê-lo". O grifo é meu e evidencia a fé do filósofo. Ele confia em que o oráculo não mente, embora saiba que ele, Sócrates, não é sábio. Então, para compreender o sentido das palavras - verdadeiras - do oráculo, dá início a sua investigação.
Fonte: Mídia sem Máscara
NOTA: É... muitos filósofos e pseudofilósofos (principalmente depois d século XVIII) deveriam ler a Apologia. Ser-lhes-ia um exercício útil.
Em Cristo Jesus,
Pr. Artur Eduardo
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