Quando li pela primeira vez, por volta dos trinta anos, o opúsculo de Jung (foto), RESPOSTA A JÓ sofri um choque soberbo. Até então me considerava ateu e nunca havia levado a sério nem a teologia e nem as Escrituras. O livro de Jung teve o poder de descortino duplo: de um lado, mostrou que meu ateísmo não passava de ignorância tola; do outro, me dava uma resposta racionalista ao drama da encarnação. Se esse pequeno livro não me viesse às mãos meus interesses intelectuais teriam sido outros e certamente eu seria hoje outra pessoa. Jung teve experiências espirituais fortíssimas e, como ele mesmo registrou, para ele a fronteira entre o transcendente e o imanente era transparente. Sua autobiografia e o formidável seminário que deu sobre o " Zaratustra" de Nietzsche, entre 1934 e 1939, mostram como sua alma estava atormentada pelas questões relativas a Deus e à existência moral do homem.
Jung teve sonhos e visões fabulosos, alguns premonitórios. Como ninguém ele compreendeu Nietzsche na sua experiência com o Mal, mas o fascínio com o numinoso o impediu de ver o Mal como Mal. No seminário em que ele estudou o Canto Noturno do Zaratustra, por exemplo, Jung se recusou a fazer a tradução do texto do alemão para o inglês, pois, segundo ele, ali falava o próprio Deus Vivo. Quanto engano! O Deus vivo não falava pela alma de Nietzsche. O atormentado filósofo, como um Van Gogh das Letras, lidava mesmo era com a personificação do Mal. Thomas Mann fez muito bem em tomá-lo como personagem principal do magnífico DOUTOR FAUSTO, no qual relata o ocaso da Alemanha tomada por "Mefisto.
No Canto Noturno falou a figura mais solitária e isolada já criada por Deus, a mais triste da criação que já existiu. Penso que o próprio anjo caído está presente ali.
Jung errou dramaticamente no seu livro RESPOSTA A JÓ. O drama da encarnação de Cristo foi um ato de bondade unilateral de Deus para com o homem, sua criatura preferida. Pensar que o homem, mesmo um santo como Jó, tenha algo a dar a Deus é delírio perigoso. Tudo que o homem tem, inclusive sua frágil existência, vem de Deus. Tentar uma leitura psicológica dos diálogos bíblicos para dar um sentido e mostrar uma conexão lógica de um suposto amadurecimento de Deus carece de senso de verdade. E, relendo o Livro de Jó, bem poderíamos apropriadamente imaginar que as palavras que lá estão atribuídas ao Criador podem, com alto grau de realismo, ser as do próprio satã usando o nome de Deus em vão para confundir e desencaminhar o santo Jó. O equívoco de Jung foi total no seu intento (ver, p. ex., Jó cap. 4 - grifo nosso).
Jung viveu intensamente o ateísmo e o demonismo do seu tempo e foi testemunha ocular do poder de destruição que o Mal, solto sobre a terra, pode realizar. O mundo foi incendiado àquela época, tudo que era sagrado foi profanado, a própria fé na ação do homem e na ciência, compreendida como redentora em substituição à verdade revelada, foi abalada. O homem chegou em 1945 desamparado de Deus e de si mesmo.
Mas Jung tem o grande mérito de ter mostrado que o homem não é senhor de sua própria casa, que outras forças atuam na sua alma atormentada e, mais importante, se o homem não buscar o Bem, fatalmente estará nos braços do Mal. Como em 1945 (e nos fatídicos anos que lhe antecederam) o mundo está hoje. Com a mesma crise financeira, a desesperança, o desemprego, o emergir de potências hostis poderosas até então inexpressivas. A história está de novo em movimento e os fatores anímicos elementais estão em ação, mesmo que as massas deles não se dêem conta.
"Jó e seus três amigos", de Gustav Doré.
Se há uma resposta de Deus a Jó é a mesma que foi dada para mim e para você, meu caro leitor: o homem é a criatura que por ele vela o Deus Misericordioso. Mas o homem precisa descobrir novamente o contato com o transcendente, com o Deus de nossos pais. Precisa ter a humildade de saber que não é capaz de criar. O Criador é só um e o homem não pode substituí-lo. A resposta está dada e é conhecida.
Carl Gustav Jung nasceu em 26 de julho de 1875, em Kesswil, Cantão da Turgóvia, às margens do lago Constança na Suíça, fruto da união do pastor protestante Johann Paul Jung, e da dona de casa Emile Preiswerk, mulher culta que incentivou Jung à leitura do Fausto de Goethe em sua adolescência. Jung, na infância, vivida no campo e em contato com a natureza, desenvolveu uma inclinação para sonhar e fantasiar propiciada pelos livros da tranqüila biblioteca de seu pai, onde leu textos de filosofia e teologia que influenciaram em muito seu trabalho depois de adulto. Quando ingressou nas Universidades de Basiléia e Zurique para estudar medicina, as idéias de Kant e Goethe já nutriam a mente de Jung. Seu razoável conhecimento de filosofia e o entusiasmo daí originado, impulsionaram-no também ao encontro das idéias de Schopenhauer e Nietzsche, que exerceriam posteriormente forte influência sobre a construção de sua Psicologia Analítica, nome escolhido como alternativa à Psicologia Complexa, termo já cunhado por Pierre Janet.Fontes: Mídia sem Máscara, PsiqWeb
Sua graduação veio em 1902, após o que trabalhou na clínica psiquiátrica da Universidade de Zurique, como assistente do professor Eugene Bleuler, mantendo estudos paralelos com Pierre Janet, em Paris. Seu interesse, então, voltava-se para a esquizofrenia. No Teste de Associação de Palavras, Jung chegou ao que denominou Complexos, definindo estes como idéias ou representações afetivamente carregadas e autônomas da Psique consciente. O renome internacional conquistado por Jung através destes estudos, conduziram-no a uma colaboração próxima com Freud, que conheceu pessoalmente em 1907. Esta afinidade de idéias entre os dois mestres, no entanto, deteriorou-se com a publicação da Psicologia do Inconsciente, em 1912 (revista em 1916).
Com esta obra, Jung declara sua independência da estreita interpretação sexual de Freud com relação à libido, apresentando os paralelos próximos entre as fantasias psicóticas e os mitos antigos, e explicando a existência de uma energia criativa maior (elan vitae) motivadora da mente humana. Neste momento, Jung renuncia à presidência da Sociedade Psicoanalítica Internacional e funda sua própria Escola, incentivado por outros colegas, pacientes e amigos. Jung era contrário à formação de escolas e discípulos, mas cedeu aos apelos de seus seguidores.
Jung desenvolveu suas teorias traçando um amplo conhecimento de mitologia (trabalhos em colaboração com Kerensky) e História; recorrendo a diversas culturas de países como México, Índia e Quênia. Os Tipos Psicológicos, nos quais se ocupou do vínculo entre o consciente e o inconsciente, propondo os tipos de personalidade, extroversão e introversão, foram publicados em 1921, num importante e posteriormente bem difundido trabalho.
Segundo Jung, o inconsciente coletivo — sensações, pensamentos e memórias compartilhadas por toda a humanidade — compõe-se do que ele denominou, tomando de Platão, “arquétipos”, ou “imagens primordiais”. Estes correspondem às experiências da Humanidade típicas, como enfrentar a morte ou eleger um companheiro, cuja manifestação simbólica encontram-se nos mitos, nas grandes religiões, nos contos de fadas, nas fantasias e na Alquimia, e em especial nas obras de Paracelso e Picco della Mirandola.
Confrontando o inconsciente pessoal e integrando-o com o inconsciente coletivo, representado no arquétipo da Sombra Coletiva, Jung sustenta que um paciente pode alcançar um estado de individuação, ou a integridade de um mesmo (O Deus Interior), através da reconciliação dos estados diversos da personalidade, que ele viu divididos não somente em contrários de introversão e extroversão, mas também nas subvariáveis pensamento, intuição, sensação e percepção.
Em Cristo Jesus,
Pr. Artur Eduardo
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