Nós, cristãos evangélicos, ao longo dos séculos desenvolvemos formas e formas de construirmos nossos edifícios de moral com uma característica unívoca: há Cristianismo presente em todas as construções, por mais diferentes que sejam. A moral cristã está presente, de alguma forma, do neopentecostalismo às manifestações protestantes mais conservadoras, isto porque, como foi no passado com a mitologia, os preceitos cristãos são muito mais facilmente transmitidos na oralidade. Como gostamos de pregações, conversas e de dabatermos nossas opiniões, então não é de admirar que a moral cristã flua com alguma uniformidade em meio a este turbilhão de diversidade pragmática que existe, hoje, no meio evangelical.
Contudo, o que une esta consciência universal do cristianismo em relação à moral e ética cristãs não é o cimento do edifício, mas a pintura. Explico: solidez não é exatamente a característica que melhor define a diversidade moral evangelical no presente. Toda obra precisa de um cimento que, independente da marca, tem aproximadamente as mesmas qualidades. Todo edifício moderno usa cimento ou concreto, cuja solidez proveniente de sua composição é o que permite às estruturas permaneceram unidas, sem desmoronar. As tintas com as quais cobrimos nossos edifícios, por sua vez, não têm esta característica. Há tintas e tintas, todas com características bem distintas. Na verdade, penso que a distinção química é tamanha que o que liga uma tinta à outra, em vários casos, é o simples fato de as duas serem chamadas "tinta". Nada mais.
Este elasticismo quanto à conceituação e prática de uma moral cristã no seio cristão evangelical e protestante se dá, no mais das vezes, por um fator que tem se tornado - este sim - "regra" para a maioria dos indivíduos pertencentes àquele grupo: o desconhecimento quanto ao que a Bíblia fala sobre o assunto. Posicionamentos tão díspares quanto o que vemos na atualidade, no modus operandi de muitas igrejas, só podem ser explicados, creio eu, desta maneira. Atitudes tomadas por certos líderes em relação à moral de seus respectivos rebanhos são completamente antagônicas às de outros líderes, por motivos diversos, mas que têm uma característica comum: o analfabetismo bíblico. Não é de admirar que vejamos cristãos evangélicos instruídos, com posições de destaque na sociedade secular, alguns até participando eventualmente do ensino ou atividades afins na Igreja, mas que se revelam imaturos quando o assunto é a moral cristã; o que não deixa de ser paradoxal, pois pensa-se que algo que deveria estar tão presente na vida dos evangélicos, como a moral cristã, seja uma regra mais ou menos uniformemente conhecida. Bem, não é!
Hoje, devido ao turbilhão de movimentos evangelicais e pseudo-evangelicais, a filosofia prática do cristianismo tornou-se tão fluídica, com porções de si que funcionam de maneira tão diferente entre si que, de um modo geral, já não podemos mais chamá-la de "moral cristã", mas de "morais cristãs". Não se sabe se algo no corpus doutrinário cristão é um "dever" ou se não tem nada a ver com o mesmo. Aliás, perdemos inclusive a própria idéia bíblica do que é um dever preceitual - os dogmas transformaram-se em dogmas dos homens, cujos discursos amoldam-se às características culturais nas quais as comunidades cristãs estão instaladas. A moral não é mais cristã, portanto, mas uma "moral cultural cristã" que, como toda a cultura, caracteriza-se pela diversidade e não pela unidade. Este é um dos últimos e mais mortais ataques sofridos pelo Cristianismo à sua unidade dogmática. Por causa do analfabetismo bíblico oriundo das simples transmissões orais, preceitos humanos, interpretações espúrias da Escritura, conveniências pessoais e a prevalência da normaticidade moral relativa à cultura do indivíduo, este pensa estar agindo da maneira mais cristã possível, quando, em muitos casos, seus atos diferem tanto da moral bíblico-cristã quanto uma tinta pode diferir de outra, não somente em cor, mas em propriedades que lhes são intrínsecas.
Uma forma de ilustrar o que venho dizendo é a maneira como muitos cristãos brasileiros pensam ser a forma bíblica de exortar e obedecer à exortação. Tem surgido no meio evangelical brasileiro mais e mais pessoas - independentemente de suas denominações - que pensam que uma exortação jamais pode ser veemente, por exemplo; e, sim assim for, então tal exortação "não é cristã", pois esta não "destrói no lugar de construir". E, qualquer sinal de afastamento - por mais evidentemente bíblico que seja -, simplesmente "não é cristão o suficiente". Este enfatuamento, para piorar, vem acompanhado de uma auto-comiseração que, na verdade, penso ser o disfarce perfeito da soberba enrustida, típica de um bruto que se sente "ofendido" quando lhe é revelado que as bases do edifício teórico e prático que ele construiu para si, o qual defende com avidez, não são exatamente as bases que ele julgava conhecer tão bem. Pensando estar construindo seu edifício particular de moral sobre fundamentos realmente bíblicos, o constrói sobre as ferragens e o terreno da pessoalidade, do achismo, do maniqueísmo individualista, enfim, uma verdadeira "areia movediça" que, ao longo do tempo, mostrar-se-á inapropriada para sustentar qualquer construção.
É neste aspecto que o apóstolo Paulo exorta Timóteo quanto àqueles que poderiam lhe causar males, por causa de uma moral própria. Travestidos de "mestres da doutrina", mas cujos procedimentos revelavam nada mais do que ignorância em relação à doutrina, não só confundiam-se a si mesmos acerca do justo posicionamento que os crentes e os líderes deveriam ter quando lidassem com os casos que desafiariam a moral cristã, como poriam a fé de muitos a perder, uma vez que sua obstinação em parecerem como "mestres", "conhecedores", "professores" os cegaria inexoravelmente, levando-os a uma posição de confronto com homens como os apóstolos, estes sim, sob os auspícios do apostolado concedido pelo próprio Cristo e ratificado pelo Espírito Santo, baluartes da defesa da unidade coerencial e formal da fé cristã.
Paulo diz a Timóteo: "Se alguém ensina outra doutrina e não concorda com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo e com o ensino segundo a piedade, é enfatuado, nada entende, mas tem mania por questões e contendas de palavras, de que nascem inveja, provocação, difamações, suspeitas malignas, altercações sem fim, por homens cuja mente é pervertida e privados da verdade..". (1 Tm. 6:3-5). Agora, vamos fazer um exercício mental. Suponha que alguém, um líder, um professor, um pastor, um evangelista, um teólogo, um missonário ou alguém que esteja exortando um determinado público composto de cristãos piedosos fale estas palavras. Imagine, agora, que esta palavra é reverberada, não somente àquele primeiro público, mas a todos os públicos possíveis, dentro dos moldes evangelicais e protestantes espalhados pelo Brasil, que saem nas análises do IBGE como "Evangélicos", apenas. Talvez esta definição monolítica esconda o fato de que, com certeza, grande parte dos que ouvirem esta palavra - sem a citação da fonte, é claro - irão discordar prontamente daquele que a enuciara.
Por que a certeza? Pelo que vejo como pastor, professor, blogueiro e alguém que, eventualmente, está atendendo alguns convites para palestras, simpósios e eventos do gênero. Pelo que vejo - e a Internet nos propicia ver muito além do que veríamos em condições não virtuais - a moral relativa das conveniências sócio-culturais nas quais estamos estabelecidos introjetou-se na cosmovisão de inúmeros cristãos, corrompendo padrões preceituais da Bíblia, o livro que deveria nos nortear como um alicerce fundamental às questões práticas mais gerais. Não é de admirar que, se isto não é fato na vida da maioria, o é com certeza nas vidas de muitos que, apesar de se auto-proclamarem "mestres", imediatamente pensariam que o "enfatuado", no caso da citação paulina, seria o indivíduo que proferiu tais palavras!
Por isto, tornou-se, em muitos casos, praticamente impossível reestabelecermos o status da moral bíblico-cristã ao nível de paradigma prático da Igreja, pois esta desconhece os fundamentos mais básicos dos preceitos bíblicos que, conjuntamente, formam o que conhecemos como "moral cristã". Desta forma, líderes fazem cada vez mais malabarismos nos relacionamentos interpessoais afim de não "tolherem a consciência" de seus mimados e relativizados liderados. Portanto, tornam-se cúmplices e até ascendem à posição de principais perpetradores uma moral (ou morais) relativa(s) e, em sua totalidade, estranha(s) àquilo que prescrevem as Escrituras. Não é de admirar que vejamos cada vez menos maturidade cristã para que os membros das congregações lidem com casos "clássicos" de prevaricação contra a moral cristã. O adúltero sempre será disciplinado, no mínimo... mas o fofoqueiro, o hipócrita, o "maledicente", o defraudador têm passe livre garantido! Responda-me, prezado leitor: qual foi a última vez que você ouviu falar de alguém exortado, disciplinado, excluído (o equivalente à excomunhão) por causa de práticas como as que lhe falei? Pois é, e muitos sequer conhecem como a Igreja deveria agir de acordo com o padrão bíblico.
Nosso padrão é o AMOR, sem sombra de dúvida! Mas conceitos como perdão, justificação, graça, perderam completamente o sentido em meio à profusão de palavras, pregações, conversas que versam sobre estes assuntos, mas tão distantes do seu fundamento bíblico quanto a Terra está da Lua. Confunde-se a "Graça" de Cristo Jesus, conforme está exaustivamente trabalhada nas Cartas Paulinas e Gerais, por aquilo que alguém já chamou de "graça barata", vulgar, imprópria aos padrões de Cristo. A "graça", neste caso, é comprada é uma falsa graça, algo que provém de adulação, de conformismo, da mais funesta hipocrisia que, finalmente, está travestida de uma humildade fora do comum! O que a denuncia? Bem, o fato de que ela se mostra tão artificial e, às vezes, ingênua, que seus proponentes posam ridiculamente como aqueles que querem ter mais amor, compaixão e misericórdia do que o próprio Deus!!
Representação artística da "Parábola do Fariseu e do Publicano" (Lc. 18:9-14), uma das muitas proferidas por Jesus, nos Evangelhos, que revela o nível de falsa-modéstia e hipocrisia os homens chegaram.
É o AMOR de Deus que faz com que Ele nos alcance, por sua Graça. Esta propicia-nos o Perdão de Deus (Efésios 2:1-9)... mas, observe, ela só se concretiza mediante o arrependimento. Deus não perdoa sem o arrependimento (veja João 1). E, numa época em que, para muitos, qualquer coisa dita como "Você está errado, meu irmão" soa como algo "agressivo", "carnal", "prepotente", "tirânico", e até, pasme, "antibíblico", não é de admirar que vejamos florescer uma geração de cristãos evangélicos tão voltados para si mesmos, tão engodados dentro de seus próprios pensamentos balisadores de sua fé esdrúxula, tão distantes dos fundamentos dos preceitos bíblicos e ao mesmo tempo tão paradoxais! O culpado torna-se vítima. O que exerce juízo (a Igreja - vd. 1 Co. 5:9-13) com "os de dentro", na verdade é um carrasco. O documento norteador da atividade moral (a Bíblia), é completamente negligenciado, e, quando ressaltado, prontamente combatido com frases como "Mas, não é bem ´assim´, não"!
O futuro, prezado internauta, não é promissor. Creio que entramos em uma espiral da qual não sairemos facilmente. O desconhecimento bíblico sempre foi, de uma forma ou de outra, a regra. Contudo, não me lembro de ter lido ou sabido de qualquer época na história da Igreja onde esta regra fosse tão regra assim. Ao retirarmos a Escritura como nosso norteador de moral, sobra apenas o que os homens acham de si mesmos e de sua própria moral, o que tem-nos levado a situações eclesiais, de um modo geral, em que a auto-justificação, o antropoecentrismo pseudo-revelacional exacerbado e à inevitável substituição da vontade de Deus pela vontade do Sujeito, o que rebaixa o padrão bíblico ao nível do insustentável! O nonsense quanto ao dever cristão tem feito o Sujeito enfatuado afirmar querer fazer as coisas na Igreja "por amor" e toda exortação contrária seria uma "imposição" desmedida e anticristã. E, sem problema algum, podemos trocar aquela expressão por uma que não lhe mudará o real sentido de como tem sido proferida, pois se dá nos contextos sócio-culturais nos quais fluidificamos nossa real moral cristã. Assim, por "...quero fazer as coisas POR AMOR, e não ´obrigado(a)´ ou ´por dever´", entenda-se "quero fazer as coisas como, quando e onde EU quiser".
"...Portanto, caso a luz que em ti há sejam trevas, que grandes trevas serão!" Mateus 6:23b.
Em Cristo Jesus,
Pr. Artur Eduardo
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