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segunda-feira, 8 de outubro de 2012

"Nenhum Ponto de Contato? - Uma Crítica À Apologética Pressuposicionalista" (VÍDEOS)



NENHUM PONTO DE CONTATO?
UMA CRÍTICA À APOLOGÉTICA PRESSUPOSICIONALISTA

 

 Por Alister McGrath, do livro "Bridge-Bulding", ou "Apologética Cristã no Século XXI".
Adaptado por Artur Eduardo

             No final da década de 1920, a igreja presbiteriana dos EUA foi sacudida por uma série de controvérsias entre conservadores e liberais. Por fim, tais controvérsias levaram a uma das mais importantes mudanças na educação religiosa de nível superior: a saída de quatro membros do Seminário Teológico de Princeton que se uniram para formar o Seminário de Westminster, na Filadélfia. Convencidos de que Pricenton havia abandonado seu compromisso com a "velha teologia", J. Grescham Machen e três colegas  de Princeton (entre eles, Connelius Van Til) tornaram-se o núcleo do corpo docente do novo seminário comprometido com a preservação da tradição que Princeton parecia ter abandonado. Contudo, paradoxalmente, o tratamento apologético que vei a ser identificado com o novo Seminário guarda pouca relação com a "velha escola de Princeton" de apologética, que dominou o pensamento reformado americano até a década de 1920. O sistema apologético de Van Til, mas conhecido pelo nome de "pressuposicionalismo", representa um afastamento consciente e deliberado da posição de autores como Benjamim B. Warfield, em direção a uma posição mais semelhante àquela associada a autores reformados holandeses posteriores, como Abraham Kuyper.
            O pressuposicionalismo tem como um de seus pressupostos centrais (no nosso caso, este será o pressuposto por excelência), a crítica da "autonomia". Para Van Til, o ponto de partida lógico da apologética deve ser a idéia bíblica de Deus. Contudo, a apologética evangélica clássica, conforme encontrado nos escritos de Calvino e de Edwards, parte de um raciocínio que não toma como pressuposto a existência de Deus, pautando-se pela suposição pedagógica de que se deve começar por aquilo que se conhece (a natureza ou a experiência humana) e caminhar na direção do que não se conhece (a existência de Deus). Parafraseando a expressão encontrada no Cur Deus homo, de Anselmo de Canterbury, a apologética tradicional principia como remoto Deo, "longe de Deus", e tem como objetivo mostrar que Deus representa a explicação mais sensata para o mundo, tal como ele se nos apresenta. Van Til expressa da seguinte forma essa estratégia, conforme se depreende dos cânones da teologia da "velha Princeton":

De acordo com esse método, supõe-se que o homem natural seria capaz de:
a. formular uma teologia natural segundo a qual o teísm seria provavelmente mais verdadeiro do que quaisquer outras teorias da realidade e,
b. mostrar que o cristianismo é provavelmente mais verdadeiro do que qualquer outra teoria acerca do pecado e da redenção.(Van Til, Defense of the Faith, pg. 260).

            Van Til argumenta que esse enfoque só pode resultar na criação de Deus pelos seres humanos à imagem deles, e recorrendo a critérios humanos de racionalidade e evidência, em ve de critérios divinamente autorizados. Os que praticam essa teologia seriam culpados de idolatria, a criação e adoração de um Deus à sua própria imagem.
            Por quê? A resposta de Van Til é de certo modo complexa e, não raro, escudada em linguagem obscura. A estrutura básica de seu argumento parece ser a seguinte: não podemos começar a pensar em Deus sem antes pressupormos sua existência. |Se assim o fizermos, estaremos, na verdade, nos comprometendo com uma cosmovisão não-bíblica da qual Deus se acha excluído, ou que fatalmente o conceberá em termos puramente humanos. Nosso raciocínio se desenvolve com base em um ponto de partida autônomo, e é esse ponto de partida, na verdade, que predetermina nossas conclusões. O único ponto de partida válido é o que pressupõe a existência de Deus, não qualquer idéia de Deus, mas uma visão de Deus explicitamente expressa nas Escrituras. A apologética deve, portanto, no entendimento de Van Til, começar "de cima" (com Deus), e não "de baixo" (com as experiências e eventos do cotidiano). Van Til diz que não é possível dialogar com indivíduos estranhos à fé cristã. Não há terreno comum. Se aceitarmos o pressuposto de Deus, com tudo o que esse pressuposto implica, isso significa que já somos cristãos; se não aceitarmos, não poderemos sequer começar a entender os méritos do argumento cristão. Somente se o não-cristão se entregar totalmente ao pressuposto da existência de Deus, poderá compreender os méritos do argumento cristão.


 Cornelius Van Til ministrando uma aula de teologia no Westminster Theological Seminary.

            Contudo, Van Til se vê diante de inúmeros textos, das Escrituras e da tradição reformada, segundo os quais seres humanos pecaminosos têm, sim, acesso ao conhecimento de Deus com base na criação, isto é, ao conhecimento a partir "de baixo". O autor reconhece este ponto:

O apóstolo Paulo fala do homem natural como alguém que efetivamente possui o conhecimento de Deus (Rm. 1:19-21). A enormidade do pecado dele repousa precisamente no fato de que "tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus". Ninguém pode deixar de conhecer Deus. Trata-se de algo que se acha indelevelmente inscrito na consciência que o homem tem de tudo o que o cerca. Portanto, o homem deve, conforme diz Calvino, reconhecer Deus. Não há desculpa para ele se não fizer. O motivo de seu fracasso em reconhecer a existência de Deus encontra-se exclusivamente nele mesmo. (Ibid., pg. 92).

            Eis aí uma síntese admirável da situação. Para onde, porém, Van Til nos leva então? Diz o autor que "todos os homens, em decorrência do pecado que trazem dentro de si, sempre e em todos os seus relacionamentos, buscam "suprimir" esse conhecimento de Deus. O homem natural sempre joga água em uma fogueira que não é capaz de apagar. Ele se rendeu à tentação de Satanás, tornando-se seu escravo". (Ibid., pg. 92).
            É essa idéia de supressão deliberada e sistemática de um conhecimento natural de Deus que requer uma análise crítica. A teologia defendida por essa exposição é excepcionalmente vulnerável; suas implicações apologéticas são custosas e desastrosas. Não há diálogo nenhum com o mundo. E há ainda uma incoerência curiosa no enfoque de Van Til. Embora concorde com que todos têm acesso ao conhecimento de Deus, o autor insiste em que todos (aparentemente sem exceção) suprimem esse conhecimento. Contudo, se existe efetivamente um conhecimento real de Deus fora da comunidade cristã, ainda que suprimido, o apologista tem a oportunidade de desvelar esse conhecimento e elevá-lo ao nível da consciência articulada. Van Til parece a propriedade apologética desse enfoque, acreditando, ao que tudo indica, que ele representa uma capitulação da parte dos apologistas aos pressupostos de uma platéia agnóstica, mas não é o caso. O apologista está simplesmente buscando um posicionamento melhor, ou reculer pour mieux sauter (recuar para melhor sautar). Aqueles que não suprimiram o conhecimento de Deus podem, mediante o uso criterioso de um arsenal de técnicas apologéticas, trazer à tona a lembrança desse conhecimento reprimido de Deus.
            Van Til argumenta que o conhecimento natural de Deus, decorrente da autonomia humana, leva à idolatria. Contudo, reformadores do século XVI, como Lutero e Calvino, estavam perfeitamente cientes desse perigos. Calvino enfatiza que o conhecimento natural de Deus descamba facilmente para a idolatria. Tal conhecimento da divindade é inadequado; ele precisa ser suplementado pela revelação. Contudo, se compreendido corretamente, o conhecimento natural de Deus é o ponto de partida, e nada mais, para a riqueza da auto-revelação divina. O erro em questão não consiste no uso do conhecimento natural de Deus, e sim no uso impróprio de tal conhecimento. Se o ponto de partida (conhecimento natural de Deus criador) se confunde com o ponto final (conhecimento revelado de Deus redentor), haverá uma séria distorção do tipo temido por Van Til. Contudo, conforme destaca Calvino, não é imprescindível que seja assim. Cabe ao apologista desvelar, isto é, elevar à consciência explícita e usar da melhor maneira possível o "conhecimento suprimido", permitindo que ele nos conduza a coisas maiores e melhores.
            (...) Os perigos intrínsecos ao abuso do conhecimento natural de Deus são bem conhecidos dos apologistas clássicos. Van Til, a exemplo de Barth, lembra-nos da necessidade de sermos responsáveis e bíblicos em nosso apelo apologético à natureza e à experiência humana; todavia, nenhum desses autores conseguiu arruinar os fundamentos que conferem justificativa teológica a um apelo limitado e consciente à natureza.
            A posição de Van Til, portanto, é seriamente vulnerável, seja do ponto de vista histórica, seja do teológico. Já nos detivemos sobre a importância desses pontos e manifestamos nossa preocupação no tocante ao enfoque defendido por Van Til. A essência de cada uma das críticas pode ser sintetizada da seguinte forma: teologicamente, o pressuposicionalismo de Van Tilpeca por não integrar as doutrinas cristãs da criação e da redenção. Do ponto de vista histórico, a oposição do autor destoa da tradição reformada como um todo. 
             Van Til diz representar a tradição reformada em toda a sua plenitude. Mas, será que Calvino, a quem se pode considerar fons et origo (fonte e origem) dessa escola específica, endossaria de fato a posição desse autor? Certamente que não! Não seria B. B. Warfield, cuja desconfiança em relação a Abraham Kuyper se acha bem documentada, um representante mais fiel dessa escola? É difícil entender como Van Til pôde incluir tanto Calvino entre os representantes do pressuposicionalismo. Warfield parece resumir de forma magnífica a posição de Calvino no tocante à relação entre revelação geral e especial quando escreve:

Uma é incompleta sem a outra (...). Sem a revelação geral, a revelação especial ficaria destituída desse fundamento que é parte do conhecimento essencial de Deus como o poderoso e sábio, justo e bom, criador e regente de todas as coisas, sem o que a revelação especial acerca da intervenção desse grande Deus no mundo para a salvação dos pecadores não poderia ser inteligível , crível ou eficaz. (WARFIELD, B. B. The Inspirationand Authority of the Bible. Philadelphia: Presbiterian and Reformed, 1948, pg. 210).

A revelação geral oferece o ponto de contato para a revelação especial, sendo estea última o conhecimento salvífico de Deus. Além disso, o pensamento de Van Til não parece ser característico da teologia reformada pós-calvinista. A principal dificuldade qaqui pode ser exemplificada por um estudo de autoria de Jonh Platt, meu colega em Oxford, sobre a função dos argumentos a favor da existência de Deus no âmbito da teologia reformada holandesa no período de 1575 e 1650. Se Van Til estiver correto em sua representação e aplicação da tradição reformada (especialmente no que se refere à dita teologia reformada holandesa), seria de esperar que seus principais autores repudiassem explicitamente uma apologética racional. E não é isso o que acontece. Não há indicação alguma de que uma apologética racional resulte em uma declaração humana de autonomia crua e irresponsável. Em parte alguma, a apologética racional é tratada como gesto de desafio a Deus; pelo contrário, ela é tratada como meio adequado e natural de formulação de um fundamento racional lógico para a doutrina reformada de Deus.
Meus próprios modestos estudos sobre a história da apologética indicam que as idéias de Van Til muito provavelmente baseiam-se em uma escola de pensamento posterior, fundamentada nos escritos do eminente teólogo e filósofo de Amsterdã, Abraham Kuyper, e não na tradição clássica reformada propriamente dita. A apologética da "velha Princeton", conforme se vê nos escritos de Warfield e outros, pode com muito mais razão ser considerada uma representante mais fiel da tradição reformada. (...) a estratégia formulada por Van Til peca por não utilizar ao máximo os recursos dados por Deus para a apologética.
Todavia, quaisquer que sejam as críticas que façamos a Van Til, ele sem dúvida demonstrou a necessidade de fundamentar a apologética em bases teológica sólidas. Para sermos justos, podemos afirmar que o rigor teológico do autor, e não os resultados específicos de sua aplicação, é que lhe conferem lugar de honra entre os apologistas contemporâneos. Essa observação naturalmente nos leva a investigar a importância da reflexão teológica quanto à prática apologética.  

E por falarmos em "pontos de contato" ou "de diálogo" com cosmovisões diferentes, vejam uma entrevista que o neoateu, dr. Richard Dawkins, um dos mais ferrenhos críticos da religião nos últimos tempos fez com o dr. Alister McGrath sobre fé, ciência e criação. Mesmo que não concorde com todos os pontos defendidos por McGrath (ele é evolucionista-teísta), não posso deixar de me entusiasmar pela coragem e lucidez como que este grande apologista expõe e defende a fé cristã bíblica e histórica.


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