AFINAL DE CONTAS: QUEM ´MANDA´ NO MUNDO?
Por Olavo de Carvalho
Adaptado Artur Eduardo
Nas minhas leituras de juventude, mais de quatro décadas
atrás, poucas perguntas me impressionaram como aquela que dá título à
segunda parte de La Rebelión de las Masas, de José Ortega y Gasset: “Quién manda en el mundo?
O filósofo não a formulava em sentido metafísico,
onde poderia ser respondida por algo como “Deus”, “o acaso”, “a
fatalidade”, mas em sentido geopolítico, e chegava à conclusão de que
era uma lástima a Europa ter perdido seu posto de liderança, cedendo a
vaga para a Rússia e os Estados Unidos.
A resposta parecia deslocada da pergunta. Estados,
nações, governos e continentes não mandam. Quem manda são os indivíduos e
grupos que os controlam. Antes da geo-política vem a política tout court.
E aí tudo se complica formidavelmente. É fácil perceber quais Estados
ou países predominam sobre os outros. Mas descobrir quem realmente manda
num Estado ou país – e através dele manda nos outros -- é um desafio
intelectual mais atemorizante do que o pode imaginar o analista político
usual.
O verbo “mandar” vem do latim manus dare:
quem manda empresta os seus meios de ação (sua “mão”) para que outros
realizem algo que ele pensou. Um governante dá ordens a seus
subordinados, mas, examinando bem, você verá que só raríssimos
governantes, na História – um Napoleão, um Stálin, um Reagan –, foram
eles próprios os criadores das idéias que realizaram. Os primeiros
teóricos do Estado moderno acertaram na mosca quando inventaram a
expressão “poder executivo”: em geral o homem de governo é o executor de
idéias que ele não concebeu nem teria a capacidade – ou o tempo -- de
conceber. E os que conceberam essas idéias foram os mesmos que deram a
ele os meios de chegar ao governo para realizá-las. Quem são eles?
Aplicando a pergunta ao caso específico dos Estados Unidos, o sociólogo Charles Wright Mills, um dos mentores daNew Left, publicou em 1956 o livro que viria a se tornar um clássico: The Power Elite,
“A Elite do Poder”. A resposta que ele encontrou tomava a forma de uma
trama complicadíssima de grupos, famílias, empresas, serviços secretos
oficiais e extra-oficiais, seitas, clubes, igrejas e círculos de
relacionamentos pessoais ostensivos e discretos, incluindo amantes e call girls.
A classe política, que culminava na pessoa do governante nominal,
aparecia aí como a espuma na superfície de águas obscuras. Mills estava,
obviamente, na pista certa. Mas ele morreu em 1962 e não teve a ocasião
de presenciar um fenômeno que ele mesmo ajudou a produzir: a New Left tornou-se
ela própria a elite do poder e perdeu todo interesse em
“transparência”. Ao contrário: esmerou-se na opacidade ao ponto de
colocar um completo desconhecido na presidência do país mais poderoso do
mundo e cercá-lo de um muro de proteção que bloqueia toda tentativa de
descobrir quem ele é, o que fez, com quem anda e que interesses
representa. Se você quer ter uma idéia do que anda fazendo a elite do
poder nos EUA, tem de buscar informação na outra ponta do espectro
ideológico: os conservadores são os atuais herdeiros da tradição de
estudos inaugurada por Wright Mills.
Graças a eles é que hoje a elite globalista fabiana,
núcleo vivo do poder por trás de praticamente todos os governos do
Ocidente, se tornou visível na sua composição e em detalhes do seu modus operandi ao
ponto da quase obscenidade, tornando involuntariamente cômica a
insistência de alguns em chamá-la de “poder secreto”. Clique no Google
as expressões “Council on Foreign Relations”, “Bilderberg”, “Trilateral”
e similares, e obterá mais informações do que seus neurônios poderão
processar pelos próximos dez anos -- informações cujo nível de
credibilidade varia desde a prova científica até a rematada
invencionice.
Em compensação, pouco ou quase nada se sabe das
fontes profundas do poder na Rússia, na China e nos países islâmicos.
Mesmo as descrições que temos da classe dirigente visível nessas regiões
do globo são esquemáticas e superficiais, sem comparação possível com o
meticuloso Who’s Who da elite ocidental. Isso explica-se
facilmente pela diferença de acesso às fontes de informação. Uma coisa é
pesquisar em arquivos e bibliotecas ocidentais, sob a proteção das leis
e instituições democráticas, podendo até, nos EUA, furar a barreira da
má-vontade oficial por meio do Freedom of Information Act. Coisa totalmente diversa é tentar adivinhar o que se passa por trás das muralhas impenetráveis do establishment russo-chinês.
Nem a KGB nem os serviços secretos da China jamais deram
acesso a pesquisadores independentes. Mesmo os arquivos do Partido
Comunista da URSS voltaram a fechar-se após um breve período de
tolerância, motivado não por algum súbito amor à liberdade, mas pela
convicção ilusória, logo desmentida, de que os pesquisadores ocidentais
eram majoritariamente simpáticos ao regime soviético.
No mundo islâmico, por baixo da classe dirigente e da
barafunda de grupos terroristas estende-se uma rede inabarcável de
organizações esotéricas, algumas milenares, cujo poder de influência é
enormemente variado de país para país e de época para época. Essas
organizações, que constituem o núcleo espiritual do Islam, a garantia
profunda da sua unidade civilizacional e, a longo prazo, a condição de
possibilidade da expansão islâmica mundial, continuam perfeitamente
desconhecidas pelos analistas políticos ocidentais, jornalísticos ou
mesmo acadêmicos.
Fonte: Olavo de Carvalho
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