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sexta-feira, 5 de julho de 2013

Estudos paulinos adaptados de Vincent Cheung (III): primeira parte da análise de 1 Tessalonicenses, cap. 1

ANÁLISE HISTÓRICO-TEOLÓGICA DE 1 TESSALONICENSES (PARTE 1)

1 Tessalonicenses 1:1-2
A segunda viagem missionária de Paulo começou em Antioquia (Atos 15.30-35). Sua contenda com Barnabé a respeito de Marcos resultou no rompimento de sua parceria original (5.37-39), de maneira que, desta vez, ele escolheu Silas para ir com ele (15.40). eles passaram por Síria e Cilícia, fortalecendo as igrejas (15.40b). Quando chegaram a Derbe, Listra e Icônio, Paulo incluiu Timóteo em sua equipe missionária (16.1-3). A relação entre esses dois se tornaria produtiva, tanto no campo pessoal como no ministerial. Paulo e os outros trabalharam pela região da Frígia e da Galácia, mas foram impedidos de pregar na província da Ásia (16.6). Quando chegaram à fronteira da Mísia, quase continuaram até a Bitínia, mas o Espírito não lhes permitiu (16.7). Então passaram por Mísia e foram a Trôade (16.8). Ali Paulo teve uma visão que convenceu o grupo que Deus os havia chamado para entrar na Macedônia (16.9,10).
De Trôade eles navegaram à Samotrácia e a Neápolis, e depois viajaram a Filipos (16.11,12). Seu trabalho ali recebe uma descrição mais detalhada em Atos dos Apóstolos. A pregação, no início, foi recebida com algum sucesso (16.13-15), mas depois eles foram confrontados com uma perturbação demoníaca que levou a um tumulto na cidade e à prisão deles (16.16-24). O livramento miraculoso de Deus, junto com sua fé exultante e inabalável, reverteu a sua provação e os pôs em situação vantajosa. Isso resultou na conversão do carcereiro e de toda sua família (16.25-34). Ainda assim, pediram-lhes que partissem e, assim, se foram da cidade (16.35-40) . [1]
Depois que passaram por Anfípolis e Apolônia, chegaram a Tessalônica (17.1). Seu ministério foi bem sucedido, uma vez que persuadiram não só alguns dentre os judeus, mas “muitos” gregos e mulheres de alta posição também se converteram (17.2-4). Mas alguns judeus ficaram com inveja e incitaram alguns maus elementos, se ajuntaram e iniciaram uma perturbação da ordem na cidade contra os crentes. Desse modo, os cristãos levaram Paulo e Silas a partir durante a noite (17.10). Embora o presente livro seja uma exposição das cartas de Paulo aos tessalonicenses, para melhor compreensão de algumas das observações que farei neste capítulo e noutro posterior, precisamos ir além de Tessalônica na nossa análise sobre a segunda viagem missionária de Paulo. Portanto continuaremos um pouco mais além.
Os cristãos tessalonicenses enviaram Paulo a Beréia (17.10). Seu trabalho lá foi bem sucedido novamente, e muitas pessoas creram, tanto judeus como gregos, homens e mulheres (Atos 17.12). Deles se disse: “Os bereanos eram mais nobres do que os tessalonicenses, pois receberam a mensagem com grande interesse, examinando todos os dias as Escrituras, para ver se tudo era assim mesmo” (17.11). A ênfase de Lucas nesse texto é frequentemente mal entendida. Ele não está elogiando os bereanos por seu sadio ceticismo ou discernimento, mas fazendo um contraste entre a receptividade dos bereanos e a intransigência e resistência que muitos dos tessalonicenses mostraram. Enfatizar, inicialmente, ainda que fosse um tipo saudável de ceticismo ou discernimento nos bereanos seria ensinar quase o oposto ao que o verso diz. A atitude elogiada é a receptividade e a abertura ao evangelho. Não se trata da atitude “não creremos a não ser que tenhamos de crer”, mas “creremos de acordo como o que está revelado” . [2] Seja como for, quando os judeus da Tessalônica foram informados do trabalho de Paulo na Bereia, eles foram lá também, “agitando e alvoroçando as multidões” (17.13). Então os crentes escoltaram Paulo até Atenas (17.14,15).
Lucas cobre em detalhes o trabalho de Paulo em Atenas. O apóstolo pregou na sinagoga e na praça principal, e sua controvérsia com alguns filósofos o trouxe diante do Areópago (17.16-21). Uma longa seção é dedicada em transcrever ou resumir a fala de Paulo, um discurso significante que lembra uma apresentação em obras cristãs de teologia sistemática ou filosofia (17.22-31). [3] Esse esforço foi recebido com algum sucesso – “alguns homens” e alguns “outros” se tornaram cristãos. Entre eles estavam Dionísio, membro do Areópago (17.34). Houve alguma oposição, ainda que em forma de zombaria que os distúrbios violentos incitados pelos judeus em outros locais (17.18,32). A perseguição mais perigosa sempre virá daqueles que se consideram povo de Deus. Jesus disse: “Vocês serão expulsos das sinagogas; de fato, virá o tempo quando quem os matar pensará que está prestando culto a Deus” (João 16.2). 
Do mesmo modo, um ministro do evangelho descobrirá frequentemente que seus maiores inimigos consistem naqueles que professam ser crentes, os que se dizem cristãos, mas que observam tradições e personalidades humanas ao invés de mandamentos e ensinos de Deus.
Depois Paulo deixou Atenas e entrou em Corinto (18.1). Sua pregação ali foi eficaz, já que um chefe da sinagoga e toda sua casa, juntamente com muitos dos outros coríntios que ouviram o evangelho, creu no Senhor. Mas os judeus novamente se opuseram ao evangelho e “lançavam maldições” [N. do T.: “became abusive” = "tornaram-se ofensivos"] (18.6). Eles tentaram manipular Gálio, o procônsul, mas ele os descartou, uma vez que Paulo não cometera nenhum crime (18.12-17). Assim Paulo permaneceu em Corinto por mais algum tempo (18.18). Depois disso, Paulo navegou até a Síria, parando em Éfeso, que ficava no percurso (18.18,19). Ele foi à sinagoga e debateu com os judeus; quando lhe pediram que ficasse mais, ele recusou, mas disseque voltaria (18.19-21). Então ele foi a Cesaréia e finalmente voltou à Antioquia (18.22).
Há um padrão que se repete nessa narrativa da segunda viagem missionária de Paulo. Sempre que ele entrava num novo lugar, entrava primeiro na sinagoga local e debatia com os judeus, mostrando, pelas Escrituras, que Jesus de Nazaré era o Cristo, que ele deveria sofrer e morrer, e ser ressuscitado dos mortos. Isso não significa que seu ministério fosse limitado às sinagogas; apenas que ele tentaria primeiro persuadir os judeus locais a respeito da verdade do evangelho. A seguir, alguma perseguição irrompia, comumente incitada pelos judeus que eram resistentes à verdade e com ciúmes do sucesso de Paulo, de maneira que o apóstolo e seus companheiros tinham de deixar aquele lugar e continuar sua viagem.
Partindo desses dados, podemos fazer algumas observações sobre as funções e os efeitos da perseguição em relação ao progresso do evangelho. Primeiro, a perseguição constantemente impulsionou Paulo e seus companheiros a prosseguir em sua missão. Eles prosseguiam de local a local bastante rapidamente, sempre permanecendo o suficiente para deixar o trabalho pronto, mas raramente ficando mais que o necessário. Quando a perseguição eclodiu contra a igreja em Jerusalém, em Atos 8, os cristãos se dispersaram pela Judéia e Samaria, e “Os que haviam sido dispersos pregavam a palavra por onde quer que fossem” (verso 4). Assim, a perseguição é uma manifestação da providência divina que facilita a difusão do evangelho.
Segundo, a perseguição evitava que a jovem igreja começasse com o fardo dos falsos crentes que professariam a religião cristã por curiosidade ou emoção. É claro que tal confissão não vem de uma fé genuína e não resulta em mudança de pensamento e de comportamento, nem tampouco leva à salvação da alma. Uma congregação sobrecarregada por um grande percentual de falsos crentes terá problemas em afirmar as doutrinas apropriadas e em se governar corretamente, e terá dificuldades em se relacionar com os de fora de um modo que honre a doutrina de Cristo e o poder do Espírito, e de um modo que a diferencie corretamente do reino das trevas. Por outro lado, é mais provável que uma igreja nascida no meio da perseguição seja composta de indivíduos comprometidos em professar o evangelho pela força de sua verdade e pela obra do Espírito em seus corações. Eles não têm ilusões sobre o que o cristianismo lhes oferecerá e requererá deles. Sobre quem não possui a fé genuína, Jesus explica: “Todavia, visto que não tem raiz em si mesmo, permanece pouco tempo. Quando surge alguma tribulação ou perseguição por causa da palavra, logo a abandona” (Mateus 13.21). Discípulos verdadeiros são aqueles que abandonariam tudo para seguir a Cristo (Lucas 14.26, 27, 33), que põem a mão no arado e não olham para trás (Lucas 9.62). Portanto, a perseguição é também uma manifestação da divina providência que serve para manter a pureza da igreja.
Os cristãos oram, se preocupam, planejam, conspiram, se comprometem, suplicam, imploram, ameaçam, atraem, e ficam treinados em ajuntar mais pessoas em suas igrejas. É um desejo legítimo se isso significa que desejamos pregar o evangelho para que as pessoas creiam e se tornem membros fiéis de nossas congregações. Mas um assunto quase tão urgente quanto esse outro é como poderemos excluir de nossas igrejas o número impressionante de falsos crentes que temos acumulado pelos anos. Como disse um pregador, “Homens não regenerados resultam em péssimos cristãos”. Entre outras coisas, uma pregação bíblica e uma forte perseguição afastarão aqueles que se recusam a crer, contudo ainda desejam manter sua reputação de cristãos.
Agora, qualquer coisa que possa ser feita através de perseguição, pode ser feita pela Palavra de Deus sozinha. Por exemplo, uma pessoa que se torna ciente do tratamento áspero que experimentaria como crente pode aprender sobre isso através das Escrituras antes de – e independente de – qualquer perseguição. Uma pessoa cuja falsa fé foi evidenciada em virtude de sua incapacidade de resistir à atribulação poderia ter descoberto isso através de auto-exame, pela Palavra de Deus. Não obstante, nem todos os homens são honestos, e a perseguição frequentemente os força a se tornar pelo menos um pouco mais honestos consigo mesmos e para com o mundo. O terceiro ponto é resultado dos dois anteriores, ou seja, a perseguição não indica a desaprovação de um ministério por Deus. É um equívoco presumir que se um ministério está dizendo e fazendo o que Deus ordenou, então ele cumprirá sua missão sem oposições (perseguição), obstáculos (atrasos, limitações etc.) e contratempos. Essas coisas são, muitas vezes, ferramentas providenciais pelas quais Deus produz os efeitos exatos desejados através do ministério. Elas servem para manter um nível de eficiência, pureza e honestidade, entre os ministros e os convertidos.
O quarto ponto é conseqüência do terceiro, e apresenta outra razão por que um ministério legítimo pode enfrentar oposição, e até perseguição, que frequentemente parece atrapalhar sua missão e seu progresso. E a razão é que os cristãos são chamados não apenas para ajuntar e instruir os eleitos – esse é apenas um aspecto específico do seu chamado. Antes os cristãos são chamados para serem testemunhas do Senhor Jesus. Em outras palavras, os cristãos representam e testemunham para o mundo a verdade, o poder e a graça de Deus, e a razão para o fazerem não é apenas atrair aqueles que Deus escolheu para a salvação, mas também provocar as reações negativas dos preteridos, de modo a expressarem com suas palavras e obras o que está em seus corações, isto é, a perversidade e a rebelião que estão dentro deles.
Os homens são testados e expostos pela sua resposta a um ministério que proclama a Palavra do Senhor pelo poder do seu Espírito. Os eleitos são despertos, convertidos e edificados, mas os preteridos perseguem tal ministério. Logo os não-cristãos testificam contra si mesmos perante Deus pelo modo como ridicularizam e se opõem aos crentes e pregadores do evangelho. Cada caso de perseguição é outro exemplo pelo qual Deus demonstra ao mundo a perversidade e obstinação daqueles que rejeitam o Cristo. Cada caso de perseguição é outra afirmação da justiça de Deus em Sua condenação contra todos os pecadores. João 3.19 diz: “Este é o julgamento: a luz veio ao mundo, mas os homens amaram as trevas, e não a luz, porque as suas obras eram más”. E assim, Paulo escreve: “porque para Deus somos o aroma de Cristo entre os que estão sendo salvos e os que estão perecendo. Para estes somos cheiro de morte; para aqueles, fragrância de vida” (1 Coríntios 2.15,16; tb. 1 Tessalonicenses 2.14-16).
Compreender isso nos capacita a manter uma atitude exultante diante da perseguição e a combater a dúvida e o desencorajamento. A aprovação do homem não valida um ministério, do mesmo modo que a rejeição do homem não o desqualifica. Somente a Palavra de Deus, o padrão que foi revelado e estabelecido por revelação divina, é o juiz verdadeiro e final. Mas ainda que falemos isso com esse tom de triunfo, a dor da perseguição é real e intensa naqueles que a precisam suportar. Portanto, tenhamos em mente o sofrimento de nossos irmãos crentes, e oremos por aqueles que têm de suportar a provação por amor ao evangelho. Nosso presente estudo se trata das duas cartas que Paulo escreveu à igreja em Tessalônica. Aquele centro comercial e político era um porto marítimo situado no entroncamento com uma estrada romana mais importante. É fácil compreender por que ele teria sido um local estratégico para a promoção do evangelho. E de fato, as notícias a respeito dos cristãos tessalonicenses se espalhavam rapidamente pela Macedônia, Acaia, e “por toda parte” (1 Tessalonicenses 1.7,8), em parte por causa do fácil acesso e do tráfego intenso para dentro e fora da cidade.
Atos 17 declara que Paulo entrou na sinagoga e pregou “por três sábados” (v. 2). O texto, então, rapidamente passa a descrever a perseguição pelos judeus (v. 5-9) e a saída de Paulo da cidade (v. 10). Por causa disso, alguns comentaristas têm a impressão de que sua permanência em Tessalônica se estendeu por apenas três semanas. Contudo, existem razões, umas mais fortes que outras, para crer que Paulo permaneceu na cidade por um período mais longo . [4] Tem sido destacado que, quando Paulo partiu de Tessalônica, a igreja já incluía crentes que haviam sido convertidos da idolatria, ou seja, cristãos gentios (1 Tessalonicenses 1.9). A partir desse fato, é possível deduzir que o ministério de Paulo ali não se limitou a pregar na sinagoga. Ele não pregou apenas aos judeus, mas também aos gentios. Não obstante, isso tem valor duvidoso como argumento para tentar demonstrar que Paulo tenha permanecido naquele lugar por mais de três semanas. Isso porque o texto diz que ele pregou na sinagoga por três sábados, mas não diz que ele deixou de pregar entre os sábados.
Outro argumento é que Paulo e seus companheiros “trabalharam noite e dia” para se manter enquanto estavam ali (1 Tessalonicenses 2.9; 2 Tessalonicenses 3.8). Seu exemplo era forte o bastante para demonstrar um padrão de vida tão óbvio que Paulo podia citá-lo como base para instrução e, talvez, também para defender sua integridade contra a calúnia .[5] Um argumento mais confiável é que Paulo tenha recebido pelo menos dois presentes dos cristãos filipenses enquanto estava na Tessalônica (Filipenses 4.16). É possível que todas essas coisas tenham ocorrido dentro de três semanas, mas é também possível, e alguns acham mais provável, que ocorreram num período mais longo. Seja como for, se Paulo permaneceu em Tessalônica por mais do que três semanas, isso não faz qualquer diferença decisiva em nossa interpretação de qualquer porção das duas cartas.
Por outro lado, é importante reconhecer que essa igreja nasceu sob perseguição e continuou sob perseguição. A explicação em Atos descreve apenas um caso (17.5-9). Pelo fato de que a permanência de Paulo em Tessalônica, provavelmente, foi curta, ainda que possa ter sido superior a três semanas, e porque a igreja ali nasceu sob perseguição e continuou sob ela, ele estava preocupado sobre se seu trabalho ali criaria raízes e permaneceria. Por essa razão, Timóteo foi mandado de volta a Tessalônica. Como Paulo explica, “e, assim, enviamos Timóteo… para fortalecê-los e dar-lhes ânimo na fé, para que ninguém seja abalado por essas tribulações… enviei Timóteo para saber a respeito da fé que vocês têm, a fim de que o tentador não os seduzisse, tornando inútil o nosso esforço” (1 Tessalonicenses 3.2,3,5). Um aspecto essencial do ministério evangelístico é “fortalecer e dar ânimo” aos cristãos, tanto velhos como novos. Sua primeira carta aos tessalonicenses foi escrita em resposta ao relatório de Timóteo, positivo no geral, sobre a condição daqueles crentes (1 Tessalonicenses 3.6). Provavelmente foi enviada de Corinto, em 50 ou 51 AD. Ele lhes escreveu uma segunda carta não muito depois. Consideraremos os problemas específicos que podem ter movido Paulo a escrever essas cartas, à medida que formos chegando aos versos relevantes.
"Sempre damos graças a Deus por todos vocês, mencionando-os em nossas orações".
Em suas tentativas para frear o egoísmo na oração, os pregadores algumas vezes exortam os crentes a reduzir o tempo aplicado em fazer pedidos para suas próprias necessidades e aumentar o tempo gasto em fazer petições em favor de outros, ou seja, devotar mais atenção na oração intercessora.  Depois, em suas tentativas para frear uma falta de equilíbrio ou uma atitude de “receber” de Deus, eles às vezes exortam os crentes a reduzir o tempo aplicado em toda e qualquer petição e aumentar o tempo gasto em outros aspectos ou formas de oração, tais como adoração, ações de graças, confissão, e daí por diante. Ambas as recomendações são equivocadas e destrutivas. Isso porque, embora os problemas percebidos sejam reais, e perigos de fato, presentes, as soluções propostas são antibíblicas e vão contra os ensinos e as ênfases das Escrituras.
Por toda a Bíblia, o povo de Deus é incentivado a fazer petições diretas a Deus, fazer-Lhe pedidos. O Pai nos manda pedir (Jeremias 29.12), o Filho nos manda pedir (Mateus 7.7), Paulo nos manda pedir (Filipenses 4.6), e Tiago nos manda pedir (Tiago 4.2). A Bíblia não nos diz para parar de fazer petições, ou fazer petições em favor de outros como uma prescrição para curar o egoísmo em nós mesmos. Devemos enfocar o próprio egoísmo e não em qual seja a prática legítima para fazer petições a Deus. De fato, não há necessariamente uma relação entre as duas coisas. Uma pessoa que faz pedidos constantes pode de fato não ser egoísta, e seu comportamento pode muito bem ser uma expressão de sua fé em Deus, ou seja, sua confiança no poder divino (que Deus é capaz), e sua dependência da graça divina (que Deus está disposto). Uma petição reverente dirigida a Deus não brota de um motivo perverso e temeroso, mas é um reconhecimento da soberania e bondade de Deus, que Ele está no controle e que Ele é misericordioso para abençoar, ajudar e libertar.
É difícil perceber a motivação de uma pessoa por meio de sua conduta exterior somente. Algumas inferências são possíveis, especialmente se duas palavras e ações revelarem pensamentos e disposições específicas do coração. Mas o simples fato de haver petições constantes não implica num desequilíbrio espiritual. Isso é o que deveríamos esperar de alguém que crê e obedece às instruções de Deus. Podemos não saber o motivo de alguém que faz constantes petições a Deus, mas certamente sabemos que há algo errado com a pessoa que não o faz, pois ela desobedece aos ensinamentos das Escrituras. Além disso, a natureza das petições sugere diversos motivos possíveis pelos quais a pessoa não as faz. Talvez esteja cheia de orgulho, ou de uma atitude auto-suficiente, e pensa que ela mesma pode suprir suas próprias necessidades e resolver seus problemas da sua maneira e por sua capacidade. Talvez esteja cheia de incredulidade e por isso não creia que Deus responda à oração, e que fazer petições a Deus é um uso improdutivo de seu tempo e energia. Talvez, por alguma razão, esteja cheia de amargura contra Deus, de tal modo que está relutante em se humilhar e submeter seus pedidos a Deus . Se essa pessoa ora por outros e não por si mesma, isso não indica falta de egoísmo, mas pode-se deduzir que ela pensa que outras pessoas precisam de Deus, mas não ela.
De igual modo, é legítimo manter alguma suspeita sobre aqueles que ensinam que devemos diminuir nossa atenção a petições por nós mesmos ou que devemos focar as petições por outros e não por nós mesmos. Se esse é o modo como ensinam, então essa é provavelmente sua própria atitude com respeito à oração de súplicas. A menos que eles ensinem contra a ênfase na petição mas ainda assim o façam sempre em secreto, e nesse caso são hipócritas, então eles não percebem a necessidade e a legitimidade da súplica constante, e isso é um desconhecimento de instruções bíblicas sobre o assunto. Os cristãos devem ser encorajados, mesmo ordenados, a fazer mais súplicas. Se devemos levar a sério as instruções bíblicas acerca do assunto, cada indivíduo deve fazer mais petições por si mesmo, e ser consistente e persistente em fazê-lo. Se o motivo é algum problema, a solução não é se afastar de Deus ou de seus mandamentos, mas olhar para Ele. Assim, a solução para motivações e atitudes erradas não é desencorajar as súplicas nas orações, mas ensinar sobre essas atitudes e motivações erradas, e suplicar por atitudes e motivações corretas. A solução para os problemas associados à petição é fazer petições sobre esses problemas. Isto é, os problemas com as súplicas são resolvidos através de mais súplicas. É Deus que nos concede o discernimento para perceber nossos próprios defeitos, depois o desejo de mudar, e o mover interior que produz a súplica por um coração puro.
Depois há uma tendência a desencorajar a súplica por coisas materiais, por coisas pertinentes às nossas circunstâncias, nossas finanças, nossa saúde e assim por diante, e focalizar nosso esforço em suplicar por bênçãos e progresso espirituais. As críticas anteriores se aplicam igualmente a esse ponto de vista, pois é como se a pessoa reconhecesse sua necessidade do suprimento de Deus para suas carências espirituais, mas não para suas necessidades materiais. Jesus, por outro lado, instrui seus discípulos a pedir seu pão de cada dia. Ele diz também: “Peçam e receberão, para que a alegria de vocês seja completa” (João 16.24). Logo, minha postura é que eu preciso de Deus, agora e em cada momento, e para todas as coisas. Assim, eu peço e Ele atende, e ele reponde e abençoa. Seu suprimento não se restringe às minhas petições, ou eu teria muito pouco. Ele dá mais do que eu peço, uma vez que sou limitado naquilo que consigo perceber, pensar, lembrar e expressar, mesmo sobre minhas próprias necessidades e desejos. Contudo eu devo trazer a Ele todos os pedidos que me vêm à mente, e todas as necessidades e desejos que eu possa reconhecer em minha vida.
Não obstante, é verdade que, para muitas pessoas, orar é o mesmo que fazer súplicas a Deus, sempre excluindo os outros aspectos da oração, e isso precisa ser corrigido. Para fazer essa correção, ou para encorajar o “equilíbrio” na oração, diversos itens ou categorias são às vezes indicados. Eles incluem adoração, confissão, ações de graças e súplica. Uma vez que são ensinados nas Escrituras, é também apropriado que os ensinemos. Contudo, devemos evitar prescrever regras rígidas, como ordenar que tais pontos sejam seguidos e qual a proporção que cada item deve ocupar.
Por exemplo, existe um ensino pelo qual devemos sempre chegar a Deus primeiro pela adoração. Podemos listar pelo menos três problemas com isso. Em primeiro lugar, a própria Bíblia não ensina isso. Não há um ensino explícito prescrevendo isso, e só porque algumas orações na Bíblia começam por adoração, isso não significa que todas as orações na Bíblia comecem dessa maneira, nem que as nossas devam começar assim. Segundo, há o problema prático de se decidir onde uma oração termina e a próxima inicia. Isto é, se depois de despender algum tempo em adoração, durante a oração matinal, eu deixo o quarto para tomar um copo d’água, então volto ao quarto para orar; é a mesma oração ou uma nova? Se é uma nova, então terei de começar pela adoração de novo. E se trinta segundos de ausência não quebra uma sequência de oração, que tal trinta minutos? Se eu desejo orar à tarde, devo começar por adoração de novo? Quem decide? Onde isso está na Bíblia? Terceiro, esse ensino que exige a alguém que comece com adoração eliminaria uma oração legítima como “Deus, salva-me!”. Se o ensino é que as orações devem comumente começar com adoração, isso é melhor, mas, na falta de uma afirmação explícita das Escrituras, ou um levantamento estatístico partindo de exemplos bíblicos, mais um princípio que nos permita fazer uma inferência forçada desse levantamento, tal ensino será nada mais seria que uma sugestão.
Pronunciamentos legalistas, ainda quando criados para se contrapor a um problema genuíno, causa servidão e destruição. Ao invés disso, apenas digamos que deveríamos incluir a adoração (ou confissão, ou ações de graças) em nossas orações. Mas quem nos obrigará a fazê-lo, se não observamos uma ordem ou planejamento prescrito cada vez que orarmos? Nós o faremos se desenvolvermos qualidades interiores que se expressem naturalmente em adoração, confissão e ações de graças. Estas são produzidas por ensinos bíblicos sólidos e pela obra contínua do Espírito em nossos corações. Então podemos dizer que a oração não deverá consistir em súplicas somente. Talvez seja melhor dizer isso a partir de um ângulo positivo, isto é, há outras razões pra oração além de fazer súplicas. Mais que incluir pela força ou de um modo artificial as coisas que estão faltando, podemos nos fazer lembrar de várias coisas sobre Deus e nossa grande salvação que nos moverá naturalmente a buscar outras formas e expressões de oração. Ao invés de apoiar um conceito vazio de adoração na oração e então tentar trazer à tona coisas sobre Deus para aqueles que O adoram, podemos nos trazer à memória coisas sobre Deus que naturalmente nos moverão a expressar-Lhe nossa adoração. Essa é outra maneira de dizer que se nossos lábios se movem para Deus, mas nossos corações estão longe dele, então nossas orações são vazias, ainda que pensemos ter coberto todos os itens exigidos, na ordem correta e nas proporções devidas.
Ações de graças são outro aspecto da oração. Paulo não começa sua carta dizendo que faz exigências a Deus em favor dos Tessalonicenses. Seguramente eles têm suas necessidades e problemas, mas essa não é a única razão para que Paulo falasse com Deus sobre aqueles crentes. Antes, ele primeiro dá graças a Deus por eles, pelo que eles já estão conseguindo, pelas coisas boas que Deus tem realizado entre eles. Qualquer coisa boa que seja encontrada neles é uma obra de Deus; assim, Paulo não pede a Deus que agradeça aos tessalonicenses por seu invejável comprometimento com o evangelho, mas agradece a Deus por produzir fé e santidade entre eles. Uma doutrina de autonomia humana dá espaço a uma gratidão de coração dividido.
Ações de graças necessitam que nos lembremos da graça divina, um chamado ao significado da generosidade e fidelidade de Deus para conosco. Requer uma gratidão sincera, pois é difícil agradecer a Deus sinceramente e sem reservas pelas coisas que você tem, ao mesmo tempo em que se ressente de Deus por coisas que você não possui. É claro que o motivo de uma pessoa raramente é perfeito, e o ato de agradecer poderia se focalizar na bondade de Deus cada vez mais, afastando qualquer descrença e amargura encobertas para com Deus. Ações de graças são uma expressão de um coração crente e regenerado. Os preteridos não dão graças a Deus (Romanos 1.21). Embora os não-cristãos às vezes demonstrem gratidão, esta nunca é direcionada a Deus, uma vez que, por definição, eles não creem no Deus verdadeiro, mas eles a direcionam a seres humanos ou a falsos deuses, os quais consistem em demônios ou entidades imaginárias. Assim, quando um não-cristão pensa que algo bom aconteceu, se ele demonstrar gratidão por isso, é dirigida a um ser humano, um demônio ou a uma ilusão, e não ao Deus verdadeiro.
Isso significa que sempre que um não-cristão demonstra gratidão, está atribuindo crédito por alguma coisa boa (ou que ele veja como boa) a uma criatura – por vezes até ao diabo – e não ao Criador. Isso, por sua vez, significa que sempre que um não-cristão demonstra gratidão, ele está demonstrando sua falta de gratidão à verdadeira fonte de todo o bem e o único que merece tal gratidão. Todas as vezes em que ele mostra gratidão a outrem, está esfregando na face de Deus a sua falta de gratidão. Logo, sempre que um não-cristão expressa gratidão (ele nunca agradece ao Deus verdadeiro, ou não seria um não-cristão), ele zomba e irrita a Deus, e desse modo peca contra Ele. Nos não-cristãos, a gratidão é uma exclusão e um escárnio ao Criador, pois criaturas pecaminosas mostram apreciação apenas a outrem. Claro, não expressar agradecimentos a ninguém é também algo pecaminoso, pois segue-se que nenhuma gratidão será expressa ao Deus verdadeiro. Os não-cristãos nada podem fazer de bom. Todos os seus pensamentos, palavras e ações, são perversas o tempo todo.
CONTINUA...
Fonte: Monergismo

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