Pesquisar no blog

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Por Que Eu Deixei de Ser Calvinista (Pt 5): Uma Cristologia Deformada

Ao mesmo tempo em que minha esposa e eu começamos a questionar o Monergismo, começamos a nos interessar pelos antigos concílios ecumênicos da igreja. Nós ficamos fascinados em aprender que o Sexto Concílio Ecumênico (680-681) forneceu a estrutura para o entendimento da relação entre o humano e o divino enquanto rejeitou as heresias do Monoenergismo e Monotelismo.
Os Monotelistas declaravam que enquanto Cristo possuía duas naturezas, Ele possuía apenas uma vontade. Os Monoenergistas, por outro lado, mantinham que Cristo era movido por apenas uma ‘energia’.
Levando em conta que essas duas posições minavam a Cristologia Calcedoniana por implicar o Monofisismo (a crença que Cristo tem somente uma natureza divina e não uma humana, a qual seria uma espécie de Docetismo), o Sexto Concílio Ecumênico (680-681) condenou ambas posições.
Embasado na teologia de Máximo, o Confessor, (580-662), o concílio forneceu uma estrutura para o entendimento da relação entre o humano e o divino, e por extensão, entre o espiritual e o material.
Contra os Monoenergistas, os Cristãos Ortodoxos da Calcedônia afirmaram que Jesus agia por intermédio de duas energias: a divina e a humana. Contra os Monotelistas, eles sustentaram que se Cristo era verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus, então ele deveria ter duas vontades: uma humana e uma divina. As duas vontades trabalham juntas sinergisticamente, assim como os seres humanos são chamados a cooperar em sua vontade humana com as energias de Deus. Desta forma, a doutrina firmada pelo Sexto Concílio Ecumênico ficou conhecida como Dioenergismo, significando “duas energias”.
Você deve estar se perguntando o que  todas essas coisas tem a ver com o Calvinismo. Eu confesso que levamos muito tempo para ligar os pontos devido às profundas heresias Calvinistas estarem enraizadas em nossa mente. Entretanto, enquanto ainda estávamos presentes em nossa igreja Calvinista, minha esposa e eu começamos a pensar sobre as implicações soteriológicas do Sexto Concílio Ecumênico. Percebemos que o Monergismo do Calvinismo parecia ser dirigido por muitos dos mesmos interesses que moviam os antigos Monoenergistas, pois ambos tendiam a tratar as duas naturezas, divina e humana, como se elas fossem duas partes em um jogo de soma zero.
O Monergismo soteriológico, não menos do que a heresia do Monoenergismo, vê as naturezas divina e humana competindo pelo mesmo espaço, e ambas querem dar à divina todos os pedaços do bolo. Isso se torna mais claro quando identificamos a questão crucial que o Calvinismo parece nunca enfrentar diretamente, ou seja, se a vontade humana de Cristo foi predestinada a obedecer o Pai, ou se Sua vontade humana permanecia isenta da predestinação aplicada ao resto da raça humana.
Se dissermos que a vontade humana de Cristo estava isenta da predestinação divina, então é difícil evitar a implicação de que deve ter havido um verdadeiro sinergismo não-monergistico e cooperação entre as vontades divina e humana de Cristo. Mas neste caso, é igualmente difícil enxergar o motivo pelo qual seria problemático afirmar uma sinergia não-monergística e cooperação similar entre a vontade divina e a vontade humana quando se trata do resto da humanidade, especialmente porque Cristo tipifica a relação apropriada entre a humanidade e a divindade. Dizer que Cristo é isento da predestinação divina também parece sugerir, pelo menos pela implicação, que alguma versão do livre arbítrio libertário pode não ser um conceito intrinsecamente incoerente como os Calvinistas frequentemente querem afirmar.
Por outro lado, se dissermos que a vontade humana de Cristo não estava isenta da predestinação divina, então os resultados são igualmente problemáticos para os Calvinistas. Não me refiro meramente ao problema que nós então teríamos de Cristo predestinando a Si mesmo, embora isso crie um série de problemas espinhosos por si só. Ao invés disso, eu me refiro ao fato de que se a vontade humana de Cristo foi “irresistivelmente” movida pela vontade divina, então segue-se que deve ter havido somente uma energia operativa em Cristo — uma energia divina, não uma energia humana — visto que neste esquema a humanidade de Cristo se torna pouco mais do que uma ferramenta passiva. A razão pela qual nós podemos dizer que a humanidade de Cristo é reduzida a pouco mais do que uma ferramenta passiva, é porque a energia humana de Cristo está englobada, superada, subordinada à energia divina, não porque a vontade humana se rende genuinamente ao divino em um ato de cooperação e sinergia, mas porque tal subordinação é requerida pelos termos da própria predestinação.
Uma vez que você diga que a vontade humana de Cristo estava subordinada e era irresistivelmente movida pela vontade divina, então você essencialmente abraçou o Monotelismo. Pois o que poucos Calvinistas percebem é que o Monotelismo estava mais longe do que meramente uma negação da vontade humana natural em Cristo, visto que alguns Monotelistas estavam até contentes em reconhecer que Cristo tinha duas vontades. Ao contrário, fica claro a partir da obra The Disputation With Pyrrhus de São Máximo, que suas heresias envolviam a noção de que mesmo se Cristo possuísse ambas vontades divina e humana, a vontade humana seria somente um tipo de instrumento que fora usado pela divina em um forma determinada. Conforme Schonborn pontua, o Monotelismo era “caracterizado pela sua incapacidade de ver a impecabilidade de Cristo de outra forma que não uma passiva determinação da natureza divina sobre a natureza humana…”(Schonborn, cited in Farrell, Free Choice in St. Maximus the Confessor, p. 192). Similarmente, quando Tomás de Aquino estava descrevendo a heresia Monotelista em sua Summa Contra Gentiles, ele disse que “eles viam a vontade humana em Cristo inteiramente submetida à vontade divina, para que Cristo não desejasse nada com sua vontade humana, exceto aquilo que a vontade divida  preparasse para ela desejar”.
Como isso sugere, mesmo quando eles permitiam duas vontades, o Monotelismo era caracterizado pela crença de que havia somente uma atividade ou energia operativa em Cristo, visto que a humanidade de Cristo era essencialmente uma ferramente que estava subordinada e determinada pela vontade divina.
Como tal, o Sexto Concílio Ecumênico é tanto uma confissão da necessidade do papel da vontade humana no esquema da salvação quanto é qualquer outra coisa. “Na verdade, alguém poderia dizer que em termos de princípios gerais da doutrina dele [São Máximo] sobre livre escolha, a falta de sinergismo na antropologia teológica ou em soteriologia … implica e pressupõe uma concepção de Cristo inerentemente monotelista em suas dimensões” (Farrell, p. 193).
Segue-se que se a ortodoxia do Sexto Concílio Ecumênico for completamente abraçada, então a realidade do sinergismo soteriológico não pode ser evitada. Significativamente, nem mesmo os pais Calcedônios que as vezes parecem endossar um monotelismo puramente verbal chegaram tão longe ao claro ensino de que a vontade humana é movida pela divina. “…a visão de que o humano é movido pelo divino não é uma característica distinta de Atanásio, Cirilo, ou Leôncio de Jerusalém” (Bathrellos,The Byzantine Christ, p. 93).
É importante que a fim de defender a metafísica da predestinação, o Ocidente Latino muitas vezes flertou nas bordas da Cristologia Monoenergista, como exemplificado na declaração de Anselmo que “a vontade justa que [Cristo] tinha não veio da [Sua] humanidade mas da [Sua] divindade” (cited in Pelikan, The Christian Tradition, p. 117). Ou como o teólogo reformado Lane G. Tipton colocou (sem notar qualquer problema), “O divino e o humano no Deus-homem, portanto, não são em fim iguais… O divino é primário; o humano, enquanto real, é subordinado.”
Os Calvinistas tentarão escapar deste problema afirmando que Cristo tinha tanto a vontade humana quanto a vontade divina, e que a relação entre as duas corre paralela à relação entre a nossa vontade e a vontade divina conforme afirmado pelo Calvinismo histórico. Mas isso é meramente reapresentar o próprio problema, pois o que é a relação entre a vontade divina e a nossa vontade no Calvinismo histórico? Pegue qualquer livro reformado desde as Institutas de Calvino até Chosen by God  (Eleitos de Deus) de Sproul e a resposta é clara: todos os atos justos executados pela vontade humana são apenas possíveis quando a vontade humana é englobada, superada, subordinada, ou predeterminada pela vontade divina.  Novamente, a questão crítica é se essas categorias podem realmente descrever a relação entre a vontade divina de Cristo e a vontade humana de Cristo. O Ocidente Latino geralmente respondeu que elas podem, que Cristo é tipo máximo de predestinação. Como Agostinho ensinou, “A mais clara ilustração da predestinação e da graça é o próprio Salvador…” (cited in Farrell, p. 202). Desta forma, a natureza humana torna-se essencialmente uma ferramenta passiva de Deus. O resultado se assemelha ao tipo de dualismo Apolinariano que, nas palavras de Demetrios Bathrellos, “não podia conceber uma coexistência e cooperação entre as naturezas e vontades divina e humana em Cristo que respeitasse a particularidade e integridade de ambas.”
A noção que a natureza humana de Cristo era um tipo de ferramenta passiva usada por Deus não é peculiar do calvinismo, mas foi a posição tomada por muitos monotelistas, tais como Theodore de Pharan no século VII, que caiu na armadilha de dar ênfase demasiada à hegemonia do divino sobre o humano em Cristo. Conforme Demétrios Bathrellos resumiu a posição de Theodore, “a energia de Cristo é única… sua divindade e sua humanidade tinham uma energia… Cristo tinha uma única vontade, a divina…”(The Byzantine Christ, pp. 69-70). Theodore alcançou essa posição a partir das premissas que Calvinistas (especialmente os da tradição de Jonathan Edwards) tomam como axioma, isto é, “ênfase na iniciativa divina, sobre a completa subordinação do humano ao divino…” Em conjunto com muitos outros Monotelistas do século VII, Theodore de Pharan “atribuiu cada iniciativa ao poder do Logos, e pensou na humanidade de Cristo como um mero veículo por meio do qual os atos são realizados.” Para Theodore, a humanidade de Cristo é um instrumento mais ou menos passivo de sua divindade.” Desta forma, Theodore incitou o que Bathrellos corretamente chamou de “uma sobre-assimétrica ênfase na redenção com trabalho exclusivo de Deus… a vontade de Jesus Cristo é idêntica à vontade divina” (Bathrellos, p. 71).
O que foi deixado de lado por Theodore e pelo Calvinismo é a  afirmação de sinergia entre a vontade humana e a vontade divina, sinergia esta que parece ter sido o entendimento por detrás do veredito do Sexto Concílio Ecumênico. No ensino de São Máximo o Confessor (o principal arquiteto teológico da vindicação de Diotelismo do Sexto Concílio Ecumênico), a vontade humana de Cristo não é determinada pela vontade divina, mas autodeterminada. “Se o Logos não assumiu o poder de autodeterminação da natureza que ele criou, “ou ele condenou sua própria criação com algo que não é bom… ou ele negou-nos a cura da nossa vontade, privando-nos da salvação completa… Maximus repetidamente declarou sua crença que a alma humana não é movida por nada, mas é autodeterminada. Ademais, ele diz em outro lugar que o homem tem, por natureza, “um poder com movimento independente e sem mestre”. Em adição, ele repetidamente caracterizou a vontade humana como autodeterminada. Conforme foi mostrado, para Maximus a vontade humana é caracterizada tão fundamentalmente pela autodeterminação que ela pode ser identificada com isso. O Logos encarnado possui uma vontade humana autodeterminada, o que o faz capaz de desejar como um homem de uma forma autodeterminada, e assim usar o poder de autodeterminação da sua vontade humana. (Bathrellos, The Byzantine Christ, 131 & 166–7 & 169).
Um Calvinista consistente deve negar que a vontade humana possui tal poder de autodeterminação. Dessa forma, a obediência de Cristo ao Pai, ao ponto de morrer, torna-se ou um tipo de dramatização falsificada ou algo atribuído somente à Sua natureza divina. A noção de que a humanidade de Cristo foi simplesmente uma ferramenta passiva surge de vez em quando na polêmica reformada contemporânea. As vezes isso é explícito, como quando o teólogo Calvinista R.C Sproul reduz a humanidade de Cristo a uma mera ferramenta passiva usada por Deus. De acordo com a Cristologia padrão da Calcedônia, não foi uma natureza que sofreu na cruz (divina ou humana), mas uma pessoa divina real: a Palavra; a segunda pessoa da Trindade; o próprio Deus encarnado. Ao contrário, Sproul mantém que a segunda pessoa da Trindade não morreu na cruz. Em seu livro The Truth of the Cross, Sproul condena a declaração “foi a segunda pessoa da Trindade que morreu” e adiciona “Nós devemos sentir-nos horrorizados com a ideia de que Deus realmente morreu na cruz. A expiação foi feita pela natureza humana de Cristo.”
Mas nós não deveríamos ficar horrorizados com a ideia de que Deus realmente morreu na cruz, porque Deus realmente morreu na cruz. A natureza humana em sí não pode sofrer; apenas pessoas podem sofrer, e neste caso foi a pessoa do Deus-homem que sofreu e foi sepultado e ao terceiro dia ressuscitou. Para ser consistente com esta extração do Deus-homem da cruz, Sproul também teria que dizer que Maria não foi realmente portadora de Deus, mas que ela simplesmente deu à luz a uma natureza humana que foi então usada por uma pessoa divina de uma determinada forma.
Essa separação radical da natureza e pessoa, age como um tampão conveniente para Calvinistas modernos separarem Deus da dor do mundo, de modo que a pessoa do Verbo não experimentou realmente a humilhação na cruz, apenas uma “natureza humana abstrata.” O escândalo da encarnação e crucificação que criou tanto desconforto para os gnósticos é igualmente difícil para os Calvinistas de hoje. Os gnósticos tentaram resolver o problema com um Docetismo que separava Cristo da materialidade, enquanto os calvinistas na tradição de Sproul tentam resolver o problema por um cripto-Nestorianismo que sequestra a segunda pessoa da Trindade de Sua natureza humana passando por nascimento e morte (como diz Sproul, “a morte é algo que só pode ser experimentada pela natureza humana …”). No entanto, separar a natureza humana de Cristo da pessoa divina, de modo que os atos centrais da encarnação podem ser ditos do primeiro sem tocar o último, nega a afirmação explícita de o Credo Niceno que Ele era “verdadeiro Deus de verdadeiro Deus”, que foi crucificado, sofreu e foi sepultado. O Concílio de Constantinopla, foi ainda mais explícito em afirmar que Ele era “verdadeiro Deus, Senhor da Glória e Um da Santíssima Trindade”, que nasceu e morreu na cruz. Essencialmente, este tipo de Calvinismo transforma a humanidade de Cristo em uma mera ferramenta passiva. Por trás disso está o recorrente senso de angústia entre os teólogos reformados — transmitido pelo compromisso irracional com o Monergismo — contra qualquer sinergia entre o divino e o humano, o espiritual e o material.
Objeções e Respostas
Objeção #1: Você representa Sproul equivocadamente visto que o ponto dele é meramente que a natureza divina não morreu (tornou-se inexistente) na cruz.
Resposta à Objeção #1: Na controvérsia que seguiu seu livro, Sproul poderia facilmente ter esclarecido as coisas dizendo, “O que eu realmente quis dizer foi que enquanto a Segunda Pessoa da Trindade morreu, Ela não deixou de existir.” Mas Sproul nunca disse isso. Por quê não? Porque ele parece realmente crer que certas coisas (p. ex., a morte) podem acontecer à humanidade de Cristo sem também acontecerem ao Logos, isto é, a Pessoa Divina (Deus) encarnada. Ademais, Sproul é dúbio sobre se “o Deus-homem” é o mesmo que o Logos. (Por exemplo, ele implicitamente nega que o Deus-homem e o Logos são um e o mesmo quando ele diz, “Alguns dizem, ‘foi a Segunda Pessoa da Trindade que morreu’. Isso seria uma mutação dentro do verdadeiro ser de Deus.”) Entretanto, conforme eu pontuei acima, se isso for verdade então Maria não foi realmente a portadora de Deus, mas apenas “portadora da natureza humana”, o que foi condenado como heresia. Ademais, Perry Robinson observou que isso também é Nestorianismo, visto que trata a natureza humana como um objeto distinto do Logos.
Mas vamos dar à Sproul o benefício da dúvida e assumir que por “morte” Sproul que realmente dizer cessação da existência. Se concedermos isso, então muitos outros novos problemas surgem, dos quais o pior é o fato de que o próprio Jesus demonstrou que a morte física não implica a cessação ou não-existência da pessoa que morreu. Ademais, se a palavra “morreu” na declaração de Sproul (Nós devemos sentir-nos horrorizados com a ideia de que Deus realmente morreu na cruz”) refere-se meramente à cessação de existência, então Sproul aplicou termos teológicos com significados incomuns e pessoais. Isso minaria sua reivindicação de trabalhar dentro da tradição e abraçar o Sola Scriptura ao invés do Solo Scriptura. (A diferença é esplanada aqui.)
Finalmente, se Sproul esta usando o termo ‘morte’ com um significado incomum, você ainda teria o problema que ele vai além disso para manter que foi a natureza humana de Cristo que sofreu na cruz. Novamente, a razão pela qual isso é problemático e que a natureza não pode salvar. Apenas pessoas podem fazer isso. A menos que uma pessoa divina tenha sofrido e sido sepultada, então ainda estamos mortos em nossos delitos. Considere: Foi uma Pessoa que nasceu de Maria, ou simplesmente uma natureza? Uma pessoa sofreu, ou uma natureza sofreu? Uma pessoa morreu, ou uma natureza humana morreu? Em cada caso, a última posição neca a união hipostática.
Objeção #2Sproul está simplesmente dizendo que a expiação “foi feita pela natureza humana de Cristo.” O que há de mal nisso?
Resposta à objeção #2: Se a expiação foi feita pela natureza humana de Cristo, então, ou a pessoa morreu na cruz ou a pessoa não morreu na cruz. Se a pessoa não morreu, mas meramente a natureza humana, então isso é Docetismo. Coforme Bryan Cross explicou,
“A natureza canina não morre quando um cão morre. A natureza suína não morre quando um suíno morre. A natureza equina não morre quando um cavalo morre. Ao invés disso, um cão morre, um suíno morre, ou um cavalo morre. Naturezas não são entidades concretas, mas somente abstrações; elas não vivem ou morrem. Elas pertencem aos serem que vivem ou morrem. Desta forma, se a reivindicação é que somente a natureza morreu, isso implica não somente que ninguém morreu, mas que nada morreu. E neste caso, nós temos Docetismo.”
Por outro lado, se uma pessoa morreu na cruz, então essa pessoa era (1) meramente humana, ou (2) divina e humana. A alternativa #1 implica que nós ainda estamos em nossos pecados; enquanto a #2 significa que a pessoa divina sofreu e morreu, o que Sproul nega explicitamente. Citando novamente Cross,
Ou uma mera pessoa humana morreu, ou uma pessoa divina morreu. Mas de qualquer forma uma pessoa morreu. Assim, se nos afirmamos que um organismo humano morreu, mas negamos que uma Pessoa divina morreu, nossa posição implica que uma possoa humana morreu. E isso é Nestorianismo. Desde que, por um concílio Ecumênico nós sabemos que não há duas pessoas; mas somente uma Pessoa divina, há somente uma resposta ortodoxa possível: uma pessoa divina morreu na cruz.
Em outro lugar Bryan Cross resumiu o dilema completo que Sproul criou para si mesmo:
Sproul está aqui corretamente preocupado em proteger a doutrina da imutabilidade da natureza divina. Mas ele pensa que, a fim de proteger essa doutrina, a Segunda Pessoa da Trindade não pode ter morrido na cruz. Isso implicaria ou (a) que nenhuma pessoa sofreu, morreu, e fez expiação por nossos pecados, mas somente alguma coisa impessoal e criada fez tudo isso por nós; ou (b) que uma pessoa não-divina sofreu, morreu, e fez expiação por nós. A última posição é uma forma da heresia do Nestorianismo, condenado no Terceiro Concílio Ecumênico em Éfeso em 431 d.C. A primeira posição anularia a eficácia da expiação por nossos pecados pela mesma razão que o sangue de bois e cabras não podem tirar pecados (Hb 10:4); o sacrifício de Cristo pelo qual Ele fez a satisfação pelos nossos pecados é de tão grande valor e mérito precisamente porque o cordeiro que foi morto por nossos pecados é Deus, não uma mera criatura.
Sproul adiciona que “foi o Deus-homem quem morreu”. Mas isso apenas cria o seguinte dilema. Ou o “Deus-homem” é a mesma pessoa que a Segunda Pessoa da Trindade, ou o “Deus-homem” não é a mesma pessoa que a “Segunda Pessoa da Trindade”. Se temos a primeira parte do dilema, então o “Deus-homem morreu e, então, a Segunda Pessoa da Trindade morreu, e Sproul está contradizendo o que ele disse no primeiro trecho do parágrafo. Mas se tomamos a segunda parte do dilema, então temos [tanto (a) ou (b)] ou (c) a Primeira ou a Terceira Pessoa da Trindade sofreu, morreu e fez expiação por nós. A consequência de ambas as partes do dilema são profundamente problemáticas, por razões óbvias.
Pelo Contrário, a Igreja Católica ensina que não foi a natureza que sofreu, morreu e fez expiação, mas a Segunda Pessoa da Trindade quem sofreu, morreu, e fez expiação por nós em Sua natureza humana. Nós dizemos no Credo Niceno:
O qual por nós homens e pela nossa salvação desceu do céu,
E encarnou por obra do Espírito Santo, da Virgem Maria,
E foi feito homem.
Foi crucificado por nós sob o poder de Pôncio Pilatos,
Padeceu e foi sepultado.
A mesma Pessoa que “desceu do céu” e “e encarnou da Virgem Maria” é a mesma Pessoa que “foi crucificada sob o poder de Pôncio Pilatos” e “padeceu e foi sepultado”. Essa Pessoa é a asegunda Pessoa da Trindade, não uma natureza impessoal ou uma coisa criada. Quando dizemos que Cristo sofreu a morte, não estamos querendo dizer que havia uma mudança na natureza divina, mas que Ele suportou a separação de Sua alma do Seu corpo. O Canon 12 do Concílio de Éfeso (o qual condenou o Nestorianismo) diz: “Seu alguém não confessa que o Verbo de Deus sofreu em carne, e experimentou a morte na carne, e foi feito o primogênito dentre os mortos [Cl 1:18] segundo o qual, como Deus, Ele é ao mesmo tempo a vida e o doador da vida, seja anátema.
Assim, o que está por trás da razão para a reivindicação de Sproul de que a Segunda Pessoa da Trindade não morreu, e que uma mera natureza humana sofreu, morreu, e fez expiação por nós? Parece-me que negar que a Segunda Pessoa da Trindade padeceu e morreu por nós na cruz é o resultado de múltiplos fatores. Um fator, penso eu, é a negação protestante (o uma relutância geral em afirmar) que Maria é Theotokos (Mãe de Deus). Se ela deu à luz à apenas uma natureza humana, então somente uma natureza humana padeceu e morreu na cruz. Mas se ela deu à luz à Segunda Pessoa da Trindade, então a Segunda Pessoa da Trindade padeceu, morreu, e fez expiação por nós. Outro fator é a aderência Protestante ao Sola Scriptura, de acordo com o qual, concílios, incluindo o Concílio de Éfeso, não tem autoridade e são em última análise desnecessários: “Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela..” (Confissão de Fé de Westminster I.6) [Nota 1]
——————————————————–
Tradução: Samuel Coutinho
Fonte: http://orthodoxyandheterodoxy.org/2014/01/23/why-i-stopped-being-a-calvinist-part-5-a-deformed-christology/
——————————————————-
Notas do tradutor:
[1] Certamente os dois fatores apresentados por Cross são irrelevantes para a negação calvinista de que a segunda pessoa da trindade morreu na cruz. Protestantes em geral, dos quais a maioria não é calvinista, creem que a pessoa que morreu naquela cruz era realmente Deus ao mesmo tempo que relutam em concordar com a terminologia da igreja católica sobre Maria e que creem no Sola Scriptura.
[2] Assim como Robbin Philips, que abandonou o calvinismo e abraçou o catolicismo, já vi muitas histórias de reformados que nos últimos anos tomaram esse mesmo caminho. As críticas apresentadas nesta série de artigos são extremamente pertinentes, todavia, não creio que são motivos adequados para abandonar o protestantismo e migrar para o catolicismo, mas apenas para abandonar o TULIP.
Fonte: Deus Amou o Mundo


Robin Phillips

Robin Phillips é o autor de Saints and Scoundrels e um editor que tem contribuído para uma série de publicações, incluindo Salvo MagazineTouchstone e Chuck Colson Center. Ele está trabalhando em um Ph.D. em teologia histórica na King’s College, Londres e blogando em Robin’s Readings and Reflections

Fonte: Deus Amou o Mundo 

Nenhum comentário:

Ofertas Exclusivas!!!!