Após quase 20 horas num avião monomotor, o sertanista José Carlos dos Reis Meirelles Júnior, coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental da Funai, comandou um sobrevôo que resultou nas primeiras fotografias dos índios de uma das quatro etnias isoladas que vivem na fronteira do Acre com o Peru. As mulheres e suas crianças fugiram para a floresta em busca de proteção, enquanto os guerreiros da tribo se posicionaram e reagiram atirando flechas no avião.
- Nós já sabíamos da existência desses povos, mas, a partir de agora, temos a prova material de que a região é uma das poucas que abriga as últimas etnias isoladas ou desconhecidas do Planeta - afirma José Carlos Meirelles, com exclusividade para Terra Magazine.
Nas cabeceiras do Igarapé Xinane, conhecido nos mapas de geografia como Cachoeira, muito próximas ao paralelo 10º, no limite Brasil-Peru, foram fotografadas duas malocas de índios isolados. Ambas foram localizadas inicialmente, a partir dos recursos da ferramenta Google Earth, pelo sertanista Rieli Franciscato, da Frente de Proteção Etnoambiental do Javari, no Amazonas, que tratou de enviar as coordenadas ao colega dela no Acre.
- Ano passado, numa expedição, passamos próximos a este local e vimos muitos vestígios. Desconfiávamos que poderia existir maloca na região, o que se confirmou. Uma delas é bem recente e confirma a migração dos isolados para o Brasil devido a pressão da exploração ilegal de madeira nas cabeceiras do Rio Envira peruano - assinala o sertanista.
Foto por Gleilson Miranda/Funai
As mulheres índias do grupo de isolados que foi fotografado usam saiote de algodão. Os homens usam uma cinta de algodão na qual amarram o pênis. Raspam o cabelo até a metade da cabeça, mas a cabeleira se estende até o meio das costas. Usam tiaras e aparecem pintados de urucum (vermelho). Chama a atenção o fato de que alguns poucos aparecem pintados de jenipapo, isto é, com os corpos pretos, mas sem arco e flecha.
Fartura
Segundo Meirelles, trata-se de povo distinto dos dois povos que possuem malocas e dos Masko (nômades) que ocupam aquele território. A distância dessas malocas para as das cabeceiras do Riozinho e para as das cabeceiras do Humaitá e igarapés tributários do Envira é muito grande (cerca de 100 quilômetros) e a arquitetura delas difere das demais.
- Nas cabeceiras dos igarapés Furnanha e Jaminauá, afluentes da margem direita do rio Envira, as duas malocas encontradas estão com roçados grandes, novos e velhos, com muita banana, macaxeira, mamão, milho e outras plantações que nas fotos parecem batata ou amendoim - relata o sertanista.
Ao analisar as fotos, José Carlos Meirelles disse que as malocas estão com os roçados fartos e novos roçados estão sendo abertos. Ele ficou bastante impressionado ao constatar que os isolados estão se mudando para perto de igarapés maiores, o que não acontecia antes. Segundo o sertanista, com o controle da área, as invasões diminuíram e os índios se sentem mais tranqüilos para viverem na beira dos igarapés maiores, o que melhora e facilita a captura de peixes.
Outra constatação do coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental do Rio Envira é que as malocas das cabeceiras dos igarapés da margem esquerda do rio Envira (Paranãnzinho, Inês, Maronaua, Anjo e outros) não só aumentaram em número como em tamanho.
- Os roçados são enormes, todos plantados de macaxeira, milho, algodão, banana, cana, batata, mamão, urucu e possíveis outras variedades que não são detectáveis nas fotos. São seis malocas e podemos afirmar que desde o primeiro sobrevôo, ocorrido há vinte anos, estes índios ao menos dobraram a população. São eles que aparecem nas fotos, pintados, fortes, guerreiros e sadios, recebendo nosso avião invasor com flechas - assinala Meirelles.
Bem-vindos ao Brasil
Ele considera muito difícil visualizar os índios das cabeceiras do Xinane e acredita que já tiveram alguma experiência ruim relacionada com aviões no lado peruano. Por lá, nem homens nem mulheres são avistados, embora a equipe da Frente de Proteção Etnoambiental veja com certa freqüencia fogo aceso nas casas.
- Suspeito que estejam escabreados em decorrência de alguma agressão da qual possam ter sido vítimas.
O sertanista não esconde o entusiasmo após 20 anos de dedicação na proteção dos índios isolados, também conhecidos na região como “índios invisíveis”, pois até então jamais tinham sido avistados ou fotografados.
Meirelles Júnior comemora o fato de que a população de índios isolados possivelmente está aumentando por dois motivos.
- O primeiro é a tranqüilidade que o trabalho de proteção proporciona. Por conta disso, a vida segue normal, com fartura, muita criança nascendo e ninguém sendo morto por invasores. O segundo, é lamentável, a expulsão de povos isolados de seus territórios pela frente de exploração ilegal de madeira em território peruano e a consequente migração deles para o território brasileiro. Sejam bem-vindos - saúda o sertanista.
500 anos de resistência
Como a região da fronteira do Brasil com o Peru é gigantesca, as 20 horas de sobrevôo, financiadas pelo governo do Estado do Acre, se tornaram insuficientes. O sertanista disse que é possível que existam outras malocas na extensão da faixa de fronteira.
O sobrevôo foi realizado porque neste ano acontecerá a demarcação da Terra Indígena Riozinho do Alto Envira. Era necessário fazer o reconhecimento dos limites daquela terra indígena, para verificar se alguma maloca de isolados estaria nos arredores da picada. Isso poderia gerar incidentes, como o ocorrido na demarcação da Terra Indígena Kampa e Isolados do Envira, quando os índios queimaram a sede da Frente de Proteção Etnoambiental e cercaram o pessoal da demarcação no limite sul da terra.
O avião usado no sobrevôo foi um Cesna Skylane, sem porta, de asa alta, trem fixo, com velocidade cruzeiro baixa - de 180 a 200 quilômetros por hora. Mas o fotógrafo Gleilson Miranda, da Assessoria de Comunicação do Governo do Acre, sofreu para ajustar o equipamento dele à velocidade com que o avião passava sobre as malocas. As fotos foram tiradas entre os dias 28 de abril e 2 de maio.
O sertanista, o fotógrafo, o cinegrafista e o piloto ficaram baseados na cidade de Jordão, que possui pista de pouso de mil metros, coberta de brita, e que opera independente de chuva, possibilitando a decolagem com de aviões com os tanques cheios, o que aumenta a autonomia de vôo. Jordão fica próxima as terras indígenas que foram sobrevoadas.
- Espero que divulgação das imagens sirva para sensibilizar a opinião pública, dentro e fora do país, da necessidade imperiosa de preservação ambiental e de proteção dos povos desconhecidos ou isolados que se recusam o contato com a civilização branca há mais de 500 anos - apela José Carlos dos Reis Meirelles.
Fonte: Notícias da Amazônia
NOTA: O contato com o homem branco será feito, sim, indubitável e invevitavelmente. A questão é como resolveremos o problema: os índios serão como muitos outros, de outras tribos, "assimilados", falsamente protegidos e, por fim, marginalizados? Ou haverá uma intercâmbio cultural eficiente, com uma abertura responsável para que sua convivência com o homem branco que, repito, é inevitável? A inevitabilidade de tal encontro acentua-se à medida em que vemos e ouvimos notícias de uma "exploração consciente" da Amazônia, de sua "internacionalização" para efeito de estudo, pesquisa e exploração e por aí vai. Como cristão, defendo um intercâmbio eficiente, que vise a preservação de seu meio de vida, mas fechar os olhos ao óbvio é irresponsabilidade e ignorância. Outra coisa que muitos funcionários públicos precisam entender, quando se fala de evangelização, por exemplo: Diferentemente da exploração feita na época do Brasil colônia, a evangelização genuinamente cristã não é ´forçosa´ ou agressiva. O objetivo da mesma é a abertura da cosmovisão de todos os povos, convidando-os a olhar o mundo sob a perspectiva cristã. Se não aceitarem, não há problema com os cristãos. De forma alguma. Além do que, reitero como disse em outros artigos sobre o tema, os cristãos, através das muitas agências que financiam missionários para regiões inóspitas, têm uma parcela de contribuição positiva muito grande. Isto com educação, saúde, enfim, ações sociais que melhoram realmente as vidas de muitos índios que são mal integrados ao convívio com o homem branco, e acabam marginalizados, vendendo seus corpos ou mendigando.
Pr. Artur Eduardo
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