O estudante iraniano Majid Movahedi se apaixonou pela universitária Ameneh Bahrami quando ela promoveu uma campanha de doação de agasalhos à comunidade pobre onde ele morava. A paixão virou obsessão. Ameneh, 24 anos, não queria namorá-lo. Ele não se conformou, abordou-a na rua e lhe atirou ácido no rosto. A jovem ficou cega. Isso foi em 2004. Agora, Movahedi foi enquadrado anacrônica Lei de Talião - data de 1730 a.C e preconiza "olho por olho, dente por dente". Ameneh aplaudiu a decisão. O tribunal islâmico ordenou que quatro gotas do mesmo ácido sejam despejadas em cada olho de Movahedi. Até a quarta-feira 17 a sentença não fora cumprida - ativistas de direitos humanos promoviam protestos. Ameneh considerou a decisão "uma vitória".
Fonte: Isto É
NOTA: É indiscutível a eficácia da ´Lei do Talião´ na repressão de crimes bárbaros como o que cometeu este jovem iraniano. Contudo, na maioria dos países ou em regiões inter-fronteiriças nas quais prevalece a ´Lei do Talião´, mesmo que somente ´de fato´, é comum (1) que as formas de se descobrir a culpa ou a inocência de réus seja primitivamente supersticiosa, ou (2) que haja discriminação na maioria dos casos. O que aconteceu com esta jovem (refiro-me ao parecer favorável ao que ela apelava) não é a regra, caro leitor, mas a excessão. E, creio, é por isso que a notícia chegou aqui. Numa sociedade de equidade e cujos parâmetros são indiscutivelmente sóbrios a própria existência da lei é um fator coibidor do ato mau e criminoso.
Em Cristo Jesus,
Pr. Artur Eduardo
3 comentários:
A Lei de Talião representa um dos grandes avanços da história do Direito Penal. Ela surge para coibir a punição desmedida, sendo a primeira aparição do importante "princípio da proporcionalidade" que domina todo o direito moderno, inclusive o penal.
Entretanto, no curso da evolução histórica, a Lei de Talião certamente não serve mais a um direito penal que se proponha a obter o título de "moderno". Dentro da própria Bíblia vemos a inclusão do chamado "Talião simbólico" em oposição ao Talião real, com a aplicação de sanções que não se equiparavam ao dano causado, mas representavam uma forma de compensação (por vezes pecuniária) à vítima pela infração sofrida, o que constitui em mais um sifgnificativo avanço histórico na direção de um direito penal de penas humanizadas.
Focault sinalizava que o direito penal moderno transferia a aplicação da pena do âmbito do corpo (punição física) para o âmbito da alma, com a instituição da pena privativa de liberdade.
Hoje, o direito penal moderno guarda em si a responsabilidade de tutelar os bens jurídicos mais valiosos a uma sociedade, tais como a vida, a liberdade, a integridade física, a dignidade, a propriedade. Numa ótica de direitos humanos, entretanto, a proteção desses bens deve ser feita com extrema cautela, a fim de não serem eles mesmos destruídos pelo próprio direito penal que pretende tutelá-los. Isso significa que, no direito penal moderno, uma pena só pode ser aplicada se for adequada ao crime cometido (princípio da adequação) e se não houver outro meio igualmente eficaz, porém mais brando, de punir o infrator (princípio da necessidade).
Os críticos dos direitos humanos sempre irão dizer que tais direitos só valem para os criminosos e irão perguntar onde estão os direitos das vítimas. Trata-se, obviamente, de uma tolice, já que a proteção dos direitos humanos tem como escopo magno a garantia de uma sociedade em que a condição de ser humano seja respeitada a todo custo, seja em favor do criminoso, seja em favor da vítima, posto que todos são, em sua essência, humanos.
Aliás, é impossível negar que a origem dos direitos humanos remonta às palavras de Jesus e à cosmovisão cristã desenvolvida nas Escrituras. A pregação da igualdade intrínseca de todos os homens, o conceito de universalidade do pecado, o entendimento de que "não há distinção entre judeu e grego, homem e mulher, escravo e livre, bárbato e cita" formam as bases mais sólidas dos direitos humanos, o que nem os estudiosos mais céticos tentam desmentir.
Logo, em um Estado de Direito que institui um direito penal humanizado, o Talião não pode hoje permanecer como uma alternativa viável. Não se resolvem os atuais problemas da criminalidade e da ineficiência do direito penal pelo retorno a uma prática já historicamente superada, mas sim pela afirmação e o aperfeiçoamento dos modernos instrumentos de aplicação da sanção penal.
Concordo com quase tudo dito... Contudo, faço uma ressalva: "Os críticos dos direitos humanos sempre irão dizer que tais direitos só valem para os criminosos e irão perguntar onde estão os direitos das vítimas. Trata-se, obviamente, de uma tolice, já que a proteção dos direitos humanos tem como escopo magno a garantia de uma sociedade em que a condição de ser humano seja respeitada a todo custo, seja em favor do criminoso, seja em favor da vítima, posto que todos são, em sua essência, humanos.". A questão é que os Estados não têm provido, em grande parte, às populações os direitos que lhes são garantidos, seja por constituições nacionais, seja por resoluções internacionais. O grito pela aplicação do Estado de direito é justo, e, infelizmente, tende por confundir-se com o clamor pela equidade na aplicação dos direitos humanos. A questão proposta no artigo, e no comentário, contudo, diz respeito à supersticiosidade e minimalismos com que é aplicada a Lei do Talião em alguns países islâmicos, além da aplicação ser, notoriamente, discriminatória em relação à mulher. Isto, porém, é tão antigo quanto a Lei, penso. E, por fim, é fato que não vemos ONG´s de direitos humanos, instituições, grupos quaisquer unidos para se defender o direito comum à vida, ao emprego, à moradia, à educação, à segurança... a não ser aqueles que, em sua grande maioria, é composta por parentes e/ou vítimas do descaso do Estado em assegurar tais direitos. Não vejo avanço algum na aplicação de direitos humanos, em diversos países. Ouço discursos na mesma proporção em que ouço clamores.
Pr. Artur,
Concordo plenamente com o seu comentário. Um dos grandes desafios da retórica dos direitos humanos é justamente sair do plano da mera retórica. A questão, de forma simplificada, reside na ausência de vontade política das casas legislativas nacionais e, principalmente, do "estado de natureza" em que ainda vive a comunidade internacional.
Explico: no âmbito interno dos Estados, a dificuldade para a efetivação dos direitos humanos equivale à própria dificuldade para cumprir a lei. As constituições, por definição, possuem um conteúdo que se equilibra entre o fático e o simbólico, porém no caso dos países periféricos há uma hipertrofia da função simbólica, que resulta em Cartas cujo conteúdo, apesar de moderno e avançado, não consegue alcançar efetividade no plano social. É assim que, no exemplo brasileiro, os alardeados direitos à vida, à dignidade, à saúde, à segurança garantidos constitucionalmente muitas vezes são os direitos menos assegurados aos cidadãos.
Já no âmbito supranacional a dificuldade é outra: assim como, historicamente, o direito moderno só surge com a formação de estados SOBERANOS, o fato é que é impossível se defender os direitos humanos no plano internacional sem que haja organismos supranacionais dotados de coercitividade, isto é, dotados do poder de impor o cumprimento de tais direitos independentemente da aceitação ou não do Estado. Obviamente, isso implica na própria mitigação do conceito de soberania nacional, e é justamente por isso que ainda há tanta resistência aos direitos humanos.
Desse modo, a (não)aplicação dos direitos humanos no plano interno é um problema de ordem jurídica; e no plano externo, de ordem política. Só a criação de uma ordem jurídica global dotada de coercitividade pode tornar os direitos humanos impositivos sobre os Estados nacionais. Eis o grande desafio.
Para uma leitura simples, porém consistente em defesa dos direitos humanos e em favor da adoção de organismos supranacionais de coerção, v. "A Era dos Direitos" de Norberto Bobbio.
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