Por Nancy Pearcy (autora, pesquisadora e conferencista)
Adaptado por Artur Eduardo
Foto do Parthenon, um templo e espécie de ´casa do tesouro´ dos atenienses, consagrado à deusa Atena. Este é o principal dos templos remanescentes da cultura grega clássica.
Muitos historiadores dão aos antigos gregos o crédito de serem os precursores do pensamento científico, com base no fato de serem os primeiros a tentar explicar o mundo por meio de princípios racionais. Certamente, é inegável que a filosofia grega teve um imenso impacto formativo sobre a cultura ocidental. No entanto, não foi o suficiente para produzir ciência – por diversas razões.1 Primeiro, os filósofos clássicos definiram ciência como conhecimento logicamente necessário – conhecimento das Formas racionais eternas incorporadas na Matéria. O problema com essa definição é que uma vez que você tenha compreendido a essência de qualquer objeto através de um insight racional, você pode estender toda informação relevante sobre ela por meio da dedução absoluta. Tome como exemplo a caçarola: uma vez que você saiba que o propósito de uma caçarola é ferver líquidos, você pode deduzir que ela precisaria ter uma forma apropriada para reter o líquido, que ela deveria ser feita de um material que não derretesse quando aquecido, e assim por diante. Esse método dedutivo era o modelo para os pensadores gregos clássicos. No entanto, como resultado, ele tinha pouca utilidade para observações e experimentos detalhados.
Assim, a metodologia experimental da ciência moderna não veio dos gregos; antes, foi derivada do conceito bíblico de Criador. Teólogos medievais raciocinaram que se Deus é onipotente, como ensina a Bíblia, então Ele poderia ter feito o mundo de inúmeras outras maneiras. A ordem no universo não é logicamente necessária, ao contrário do que pensavam os gregos, mas é contingente, fixada externamente por Deus agindo conforme o Seu próprio livre-arbítrio. Isso foi chamado na teologia de voluntarismo, e Newton expressou a idéia nestas palavras: “O mundo poderia ter sido de outra forma… Portanto não foi uma determinação necessária, mas voluntária e livre, que deveria ser tal como é”.2
Qual a implicação que a convicção de liberdade divina teve sobre a ciência? É que nós não podemos obter conhecimento do mundo apenas e tão-somente pela dedução lógica. Isto é, nós não podemos simplesmente deduzir o que Deus deveria ter feito; antes, precisaríamos observar e experimentar a fim de descobrir o que Deus de fato fez. Isso foi belamente exposto pelo amigo de Newton, Roger Cotes, ao dizer que a Natureza “não poderia ter surgido de nada que não fosse o perfeito livre-arbítrio de Deus a tudo conduzindo e dirigindo”. E porque o universo é uma criação livre e contingente, Cotes segue, “Nós devemos, portanto… estudá-las [as leis da natureza] a partir das observações e dos experimentos”.3
O debate sobre a liberdade divina tomou lugar primeiro na teologia, e então posteriormente foi traduzido para a linguagem da filosofia da ciência. No século dezessete, o matemático francês Marin Mersenne discordou do argumento lógico de Aristóteles, de que a terra deveria estar no centro do cosmos. Como explica o historiador John Hedley Brook, “Para Mersenne, não havia ‘deveria’ nessa questão. Estava errado dizer que o centro era o lugar natural da terra. Deus tinha sido livre para colocá-lo no lugar onde bem desejasse. Fomos incumbidos de encontrar esse lugar”.4 O conceito bíblico de Deus abriu a porta para uma metodologia de observação e experimentação.
Platão também idealizou o ´mito da caverna´, conf. ilustração, em que descreve o mundo sensível (ou real) como o interior da caverna, que só vê sombras (dos demiurgos) das coisas como são, de fato. Assim, é necessário sair da caverna (contemplação) para ´libertar-se´, ver as verdadeiras ´Formas´ como são (mundo ´ideal´), e voltar para ´libertar´os que ainda estão na caverna.
Lembre da Sua Matemática
Muitos historiadores têm proposto Euclides e Pitágoras como importantes precursores da ciência moderna, uma vez que eles tornaram possível o tratamento matemático da natureza. Isso é verdade, é claro – com uma restrição crucial: para os gregos, as verdades matemáticas não eram plenamente demonstradas na esfera material. Isso é simbolicamente representado no mito da criação de Platão, em que o mundo é formado por um demiurgo (uma divindade de nível inferior) que na verdade não cria matéria, mas trabalha com substâncias pré-existentes. Porque seus materiais precursores existem independentemente, possuem propriedades independentes sobre as quais o demiurgo não tem controle. Ele tem simplesmente que usá-los da melhor forma que lhe for possível.
Como resultado, os gregos esperavam que o mundo fosse nada mais que uma aproximação das formas ideais – um reino imprevisível de anomalias irracionais. Eles não esperavam encontrar precisão matemática na criação. Como explica Dudley Shapere, no pensamento grego, o mundo físico “contém um elemento essencialmente irracional: nada nele pode ser descrito de forma exata pela razão, e em particular, por leis e conceitos matemáticos”.5 Em contraste, o Deus bíblico é o Criador da própria matéria. Conseqüentemente, Ele tem controle absoluto sobre os seus materiais precursores, e pode criar o mundo exatamente como deseja. Esse é o significado prático da doutrina da criação ex nihilo – que não existiu matéria pré-existente com suas propriedades inerentes de eternidade e independência, limitando o que Deus poderia fazer com ela. Logo, não há nada essencialmente arbitrário ou irracional na natureza. Sua estrutura ordenada pode ser descrita com precisão matemática.
Nas palavras do físico Carl von Weizsacker, “Matéria no sentido platônico, que deveria ser ‘governada’ pela razão, não obedeceria leis matemáticas com exatidão”. Por outro lado, “Matéria que Deus havia criado do nada poderia seguir rigorosamente as regras que o seu Criador havia formulado para elas. Neste sentido eu chamaria a ciência moderna de um legado, poderia mesmo dizer um produto, do Cristianismo”.6 Um exemplo histórico pode ser encontrado na obra de Johannes Kepler. Uma vez que os gregos consideravam os céus como perfeitos, e o círculo como a forma perfeita, eles concluíram que os planetas deveriam se mover em órbitas circulares, e essa permaneceu a visão ortodoxa por quase dois milênios.
Mas Kepler tinha dificuldade com o planeta Marte. O círculo mais perfeito que ele poderia traçar deixou ainda um pequeno erro de oito minutos de arco. Tivesse se mantido fiel à mentalidade grega, Kepler teria dado de ombros a uma diferença pequena como essa, lembrando que a natureza era apenas uma aproximação das formas ideais. (Neste caso, o pensamento grego era um obstáculo à ciência). No entanto, como luterano, Kepler estava convencido de que se Deus quisesse que algo fosse um círculo, seria exatamente um círculo. E se não era exatamente um círculo, deveria ser exatamente alguma outra coisa, e não uma mera variação caprichosa. Essa convicção manteve Kepler em conflito intelectual por seis anos, e milhares de páginas de cálculos, até que ele finalmente chegou à idéia de elipses. O historiador R. G. Collingwood vai longe ao ponto de dizer que “A própria possibilidade de matemática aplicada é uma expressão… da convicção cristã de que a natureza é criação de um Deus onipotente”.7
Era Bom
Um problema final com o pensamento grego era o pequeno valor que ele concedia ao mundo material. Matéria era vista como menos que real, o reino da simples aparência, por vezes mesmo a fonte do mal. Muitos historiadores acreditam que essa é uma das razões porque os gregos não desenvolveram uma ciência empírica. As elites intelectuais não tinham interesse em sujar as suas próprias mãos com experimentos reais, e tinham desprezo pelos fazendeiros e artesãos que poderiam fornecer-lhes um conhecimento prático da natureza. A igreja cristã primitiva mostrou forte objeção a essa atitude. Os pais da igreja ensinaram que o mundo material veio das mãos de um Criador bom, e que portanto, era essencialmente bom. O efeito disso é descrito por uma filósofa britânica da ciência, Mary Hesse: “Nunca houve espaço na tradição cristã ou hebraica para a idéia de que o mundo material é algo de que devemos nos desvencilhar, e que trabalhar nele é degradante”. Pelo contrário, “As coisas materiais devem ser usadas para a glória de Deus e para o bem do homem”.8
Kepler é, mais uma vez, um bom exemplo. Quando ele descobriu a terceira lei do movimento planetário (o período orbital elevado ao quadrado é proporcional ao semi-eixo maior elevado à terceira potência, ou P [índice 2] = a [índice 3]), essa era para ele uma “assombrosa confirmação de um deus geômetra digno de adoração. Ele confessou ter sido ‘arrastado por um êxtase inexprimível perante o espetáculo divino da harmonia celestial’”.9 Na cosmovisão cristã, a investigação científica da natureza tornou-se tanto um chamado como uma obrigação. Como explica o historiador John Hedley Brooke, os cientistas primitivos “freqüentemente afirmariam que Deus se revelou em dois livros – o livro das Suas palavras (a Bíblia) e o livro das Suas obras (natureza). Posto que uma pessoa estivesse na obrigação de estudar o primeiro, estaria da mesma forma na obrigação de estudar o segundo”. 10
O surgimento da ciência moderna não poderia ser explicado à parte da visão cristã da natureza como sendo boa e digna de estudo, o que levou os primeiros cientistas a tratar o seu trabalho como obediência ao mandato cultural de “cultivar o jardim”.
Notas:
1 A discussão a seguir nos dá a chave de porque as culturas islâmicas, qualquer que seja o caso, não produziram a ciência moderna. Uma razão é que a sua vida intelectual era dominada pela filosofia grega. Na Era Dourada do Islamismo, nos séculos dezessete e dezoito, os exércitos de Maomé conquistaram territórios da Pérsia à Espanha – e neste processo, também assimilaram as filosofias desses lugares. Assim, o mundo árabe teve uma rica tradição de tratados sobre a obra de pensadores como Platão, Aristóteles e Pitágoras, muito antes da Europa. De fato, dois dos mais proeminentes filósofos aristotélicos da Idade Média foram Avicenna e Averroes – conhecidos em suas terras nativas, respectivamente, como Abu Ali al-Hussein Ibn Sina e Abdul Waleed Muhammad Ibn Rush. O que isso significa é que em termos de ciência, a filosofia árabe tinha tendência a reter os aspectos positivos, mas também negativos, da filosofia grega. Veja a transcrição de um ensaio que eu ofereci baseado na obra Verdade Absoluta, na Heritage Foundation, em Washington, DC, 19 de Outubro de 2004, em www.heritage.org/Press/Events/loader.cfm?url=/commonspot/security/getfile.cfm&PageID=71383.
2 Citado em Edward B. Davis, “Newton’s Rejection of the ‘Newtonian World View’: The Role of Divine
Will in Newton’s Natural Philosophy,” em Science and Christian Belief, 3, nº 1, p. 117, ênfase
adicionada.
3 Roger Cotes, prefácio à segunda edição do Principia de Newton, em Newton’s Philosophy of Nature: Selections from His Writings, ed. H.S. Thayer (New York: Hafner, 1953), ênfase adicionada.
4 John Brooke e Geoffrey Cantor, Reconstructing Nature: The Engagement of Science and Religion (NY: Oxford University Press, 1998), p. 20. Para saber mais a respeito desse assunto, veja a minha discussão de como a teologia voluntarista levou a uma visão contingente da natureza, em Soul of Science, pp. 30-33, 81ff (A Alma da Ciência – Fé Cristã e Filosofia Natural, Ed. Cultura Cristã, 2005). Veja também Nancy Pearcey, "Recent Developments in the History of Science and Christianity," e "Reply," Pro Rege 30, nº 4 (Junho, 2002):1-11, 20-22.
5 Dudley Shapere, Galileo: A Philosophical Study (Chicago: University of Chicago Press, 1974), pp. 134-36, ênfase no original.
6 C.F. von Weizsacher, The Relevance of Science (New York: Harper and Row, 1964), p. 163.
7 R.G. Collingwood, An Essay on Metaphysics (Chicago: Henry Regnery, Gateway Editions, 1972; originalmente publicado por London: Oxford University Press, 1940), pp. 253-257. Veja Soul of Science, pp. 27-29 (A Alma da Ciência – Fé Cristã e Filosofia Natural, Ed. Cultura Cristã, 2005).
8 Mary Hesse, Science and the Human Imagination: Aspects of the History and Logic of Physical Science (New York: Philosophical Library, 1955), pp. 42-43, ênfase adicionada.
9 John Hedley Brooke, "Scientists and their Gods," Science and Theology News, Volume 11/12
Julho/Agosto, 2001, em http://www.stnews.org/archives/2001/Jul_feat2.html. Veja também John Hedley Brooke, "Can Scientific Discovery be a Religious Experience?," o ensaio de Alister Hardy Memorial realizado no Harris Manchester College, Oxford, em 4 de Novembro, 2000, em
http://users.ox.ac.uk/~theo0038/brookealisterhardy.html; e John Hedley Brooke, "Science and Religion: Lessons from History?," Science, Volume 282, Número 5396 (11de Dezembro, 1998) pp. 1985 - 1986.
10 John Hedley Brooke, Science and Religion: Some Historical Perspectives, Cambridge University Press, 1995), p. 22. Veja também Soul of Science, pp. 34-36 (A Alma da Ciência – Fé Cristã e Filosofia Natural, Ed. Cultura Cristã, 2005).
Fonte: Monergismo
Em Cristo Jesus,
Pr. Artur Eduardo
Assim, a metodologia experimental da ciência moderna não veio dos gregos; antes, foi derivada do conceito bíblico de Criador. Teólogos medievais raciocinaram que se Deus é onipotente, como ensina a Bíblia, então Ele poderia ter feito o mundo de inúmeras outras maneiras. A ordem no universo não é logicamente necessária, ao contrário do que pensavam os gregos, mas é contingente, fixada externamente por Deus agindo conforme o Seu próprio livre-arbítrio. Isso foi chamado na teologia de voluntarismo, e Newton expressou a idéia nestas palavras: “O mundo poderia ter sido de outra forma… Portanto não foi uma determinação necessária, mas voluntária e livre, que deveria ser tal como é”.2
Representação da capa da obra máxima de Newton, ´Princípios Matemáticos da Filosofia Natural´, de 1687. Nesta época, ´Ciências Exatas e da Natureza´ eram ainda conhecidas como ´Filosofia Natural´.
Qual a implicação que a convicção de liberdade divina teve sobre a ciência? É que nós não podemos obter conhecimento do mundo apenas e tão-somente pela dedução lógica. Isto é, nós não podemos simplesmente deduzir o que Deus deveria ter feito; antes, precisaríamos observar e experimentar a fim de descobrir o que Deus de fato fez. Isso foi belamente exposto pelo amigo de Newton, Roger Cotes, ao dizer que a Natureza “não poderia ter surgido de nada que não fosse o perfeito livre-arbítrio de Deus a tudo conduzindo e dirigindo”. E porque o universo é uma criação livre e contingente, Cotes segue, “Nós devemos, portanto… estudá-las [as leis da natureza] a partir das observações e dos experimentos”.3
O debate sobre a liberdade divina tomou lugar primeiro na teologia, e então posteriormente foi traduzido para a linguagem da filosofia da ciência. No século dezessete, o matemático francês Marin Mersenne discordou do argumento lógico de Aristóteles, de que a terra deveria estar no centro do cosmos. Como explica o historiador John Hedley Brook, “Para Mersenne, não havia ‘deveria’ nessa questão. Estava errado dizer que o centro era o lugar natural da terra. Deus tinha sido livre para colocá-lo no lugar onde bem desejasse. Fomos incumbidos de encontrar esse lugar”.4 O conceito bíblico de Deus abriu a porta para uma metodologia de observação e experimentação.
Platão também idealizou o ´mito da caverna´, conf. ilustração, em que descreve o mundo sensível (ou real) como o interior da caverna, que só vê sombras (dos demiurgos) das coisas como são, de fato. Assim, é necessário sair da caverna (contemplação) para ´libertar-se´, ver as verdadeiras ´Formas´ como são (mundo ´ideal´), e voltar para ´libertar´os que ainda estão na caverna.
Lembre da Sua Matemática
Muitos historiadores têm proposto Euclides e Pitágoras como importantes precursores da ciência moderna, uma vez que eles tornaram possível o tratamento matemático da natureza. Isso é verdade, é claro – com uma restrição crucial: para os gregos, as verdades matemáticas não eram plenamente demonstradas na esfera material. Isso é simbolicamente representado no mito da criação de Platão, em que o mundo é formado por um demiurgo (uma divindade de nível inferior) que na verdade não cria matéria, mas trabalha com substâncias pré-existentes. Porque seus materiais precursores existem independentemente, possuem propriedades independentes sobre as quais o demiurgo não tem controle. Ele tem simplesmente que usá-los da melhor forma que lhe for possível.
Como resultado, os gregos esperavam que o mundo fosse nada mais que uma aproximação das formas ideais – um reino imprevisível de anomalias irracionais. Eles não esperavam encontrar precisão matemática na criação. Como explica Dudley Shapere, no pensamento grego, o mundo físico “contém um elemento essencialmente irracional: nada nele pode ser descrito de forma exata pela razão, e em particular, por leis e conceitos matemáticos”.5 Em contraste, o Deus bíblico é o Criador da própria matéria. Conseqüentemente, Ele tem controle absoluto sobre os seus materiais precursores, e pode criar o mundo exatamente como deseja. Esse é o significado prático da doutrina da criação ex nihilo – que não existiu matéria pré-existente com suas propriedades inerentes de eternidade e independência, limitando o que Deus poderia fazer com ela. Logo, não há nada essencialmente arbitrário ou irracional na natureza. Sua estrutura ordenada pode ser descrita com precisão matemática.
Nas palavras do físico Carl von Weizsacker, “Matéria no sentido platônico, que deveria ser ‘governada’ pela razão, não obedeceria leis matemáticas com exatidão”. Por outro lado, “Matéria que Deus havia criado do nada poderia seguir rigorosamente as regras que o seu Criador havia formulado para elas. Neste sentido eu chamaria a ciência moderna de um legado, poderia mesmo dizer um produto, do Cristianismo”.6 Um exemplo histórico pode ser encontrado na obra de Johannes Kepler. Uma vez que os gregos consideravam os céus como perfeitos, e o círculo como a forma perfeita, eles concluíram que os planetas deveriam se mover em órbitas circulares, e essa permaneceu a visão ortodoxa por quase dois milênios.
Mas Kepler tinha dificuldade com o planeta Marte. O círculo mais perfeito que ele poderia traçar deixou ainda um pequeno erro de oito minutos de arco. Tivesse se mantido fiel à mentalidade grega, Kepler teria dado de ombros a uma diferença pequena como essa, lembrando que a natureza era apenas uma aproximação das formas ideais. (Neste caso, o pensamento grego era um obstáculo à ciência). No entanto, como luterano, Kepler estava convencido de que se Deus quisesse que algo fosse um círculo, seria exatamente um círculo. E se não era exatamente um círculo, deveria ser exatamente alguma outra coisa, e não uma mera variação caprichosa. Essa convicção manteve Kepler em conflito intelectual por seis anos, e milhares de páginas de cálculos, até que ele finalmente chegou à idéia de elipses. O historiador R. G. Collingwood vai longe ao ponto de dizer que “A própria possibilidade de matemática aplicada é uma expressão… da convicção cristã de que a natureza é criação de um Deus onipotente”.7
Era Bom
Um problema final com o pensamento grego era o pequeno valor que ele concedia ao mundo material. Matéria era vista como menos que real, o reino da simples aparência, por vezes mesmo a fonte do mal. Muitos historiadores acreditam que essa é uma das razões porque os gregos não desenvolveram uma ciência empírica. As elites intelectuais não tinham interesse em sujar as suas próprias mãos com experimentos reais, e tinham desprezo pelos fazendeiros e artesãos que poderiam fornecer-lhes um conhecimento prático da natureza. A igreja cristã primitiva mostrou forte objeção a essa atitude. Os pais da igreja ensinaram que o mundo material veio das mãos de um Criador bom, e que portanto, era essencialmente bom. O efeito disso é descrito por uma filósofa britânica da ciência, Mary Hesse: “Nunca houve espaço na tradição cristã ou hebraica para a idéia de que o mundo material é algo de que devemos nos desvencilhar, e que trabalhar nele é degradante”. Pelo contrário, “As coisas materiais devem ser usadas para a glória de Deus e para o bem do homem”.8
Kepler é, mais uma vez, um bom exemplo. Quando ele descobriu a terceira lei do movimento planetário (o período orbital elevado ao quadrado é proporcional ao semi-eixo maior elevado à terceira potência, ou P [índice 2] = a [índice 3]), essa era para ele uma “assombrosa confirmação de um deus geômetra digno de adoração. Ele confessou ter sido ‘arrastado por um êxtase inexprimível perante o espetáculo divino da harmonia celestial’”.9 Na cosmovisão cristã, a investigação científica da natureza tornou-se tanto um chamado como uma obrigação. Como explica o historiador John Hedley Brooke, os cientistas primitivos “freqüentemente afirmariam que Deus se revelou em dois livros – o livro das Suas palavras (a Bíblia) e o livro das Suas obras (natureza). Posto que uma pessoa estivesse na obrigação de estudar o primeiro, estaria da mesma forma na obrigação de estudar o segundo”. 10
Quadro ´Jardim do Éden´, de Cole Thomas, 1828.
O surgimento da ciência moderna não poderia ser explicado à parte da visão cristã da natureza como sendo boa e digna de estudo, o que levou os primeiros cientistas a tratar o seu trabalho como obediência ao mandato cultural de “cultivar o jardim”.
Notas:
1 A discussão a seguir nos dá a chave de porque as culturas islâmicas, qualquer que seja o caso, não produziram a ciência moderna. Uma razão é que a sua vida intelectual era dominada pela filosofia grega. Na Era Dourada do Islamismo, nos séculos dezessete e dezoito, os exércitos de Maomé conquistaram territórios da Pérsia à Espanha – e neste processo, também assimilaram as filosofias desses lugares. Assim, o mundo árabe teve uma rica tradição de tratados sobre a obra de pensadores como Platão, Aristóteles e Pitágoras, muito antes da Europa. De fato, dois dos mais proeminentes filósofos aristotélicos da Idade Média foram Avicenna e Averroes – conhecidos em suas terras nativas, respectivamente, como Abu Ali al-Hussein Ibn Sina e Abdul Waleed Muhammad Ibn Rush. O que isso significa é que em termos de ciência, a filosofia árabe tinha tendência a reter os aspectos positivos, mas também negativos, da filosofia grega. Veja a transcrição de um ensaio que eu ofereci baseado na obra Verdade Absoluta, na Heritage Foundation, em Washington, DC, 19 de Outubro de 2004, em www.heritage.org/Press/Events/loader.cfm?url=/commonspot/security/getfile.cfm&PageID=71383.
2 Citado em Edward B. Davis, “Newton’s Rejection of the ‘Newtonian World View’: The Role of Divine
Will in Newton’s Natural Philosophy,” em Science and Christian Belief, 3, nº 1, p. 117, ênfase
adicionada.
3 Roger Cotes, prefácio à segunda edição do Principia de Newton, em Newton’s Philosophy of Nature: Selections from His Writings, ed. H.S. Thayer (New York: Hafner, 1953), ênfase adicionada.
4 John Brooke e Geoffrey Cantor, Reconstructing Nature: The Engagement of Science and Religion (NY: Oxford University Press, 1998), p. 20. Para saber mais a respeito desse assunto, veja a minha discussão de como a teologia voluntarista levou a uma visão contingente da natureza, em Soul of Science, pp. 30-33, 81ff (A Alma da Ciência – Fé Cristã e Filosofia Natural, Ed. Cultura Cristã, 2005). Veja também Nancy Pearcey, "Recent Developments in the History of Science and Christianity," e "Reply," Pro Rege 30, nº 4 (Junho, 2002):1-11, 20-22.
5 Dudley Shapere, Galileo: A Philosophical Study (Chicago: University of Chicago Press, 1974), pp. 134-36, ênfase no original.
6 C.F. von Weizsacher, The Relevance of Science (New York: Harper and Row, 1964), p. 163.
7 R.G. Collingwood, An Essay on Metaphysics (Chicago: Henry Regnery, Gateway Editions, 1972; originalmente publicado por London: Oxford University Press, 1940), pp. 253-257. Veja Soul of Science, pp. 27-29 (A Alma da Ciência – Fé Cristã e Filosofia Natural, Ed. Cultura Cristã, 2005).
8 Mary Hesse, Science and the Human Imagination: Aspects of the History and Logic of Physical Science (New York: Philosophical Library, 1955), pp. 42-43, ênfase adicionada.
9 John Hedley Brooke, "Scientists and their Gods," Science and Theology News, Volume 11/12
Julho/Agosto, 2001, em http://www.stnews.org/archives/2001/Jul_feat2.html. Veja também John Hedley Brooke, "Can Scientific Discovery be a Religious Experience?," o ensaio de Alister Hardy Memorial realizado no Harris Manchester College, Oxford, em 4 de Novembro, 2000, em
http://users.ox.ac.uk/~theo0038/brookealisterhardy.html; e John Hedley Brooke, "Science and Religion: Lessons from History?," Science, Volume 282, Número 5396 (11de Dezembro, 1998) pp. 1985 - 1986.
10 John Hedley Brooke, Science and Religion: Some Historical Perspectives, Cambridge University Press, 1995), p. 22. Veja também Soul of Science, pp. 34-36 (A Alma da Ciência – Fé Cristã e Filosofia Natural, Ed. Cultura Cristã, 2005).
Fonte: Monergismo
Em Cristo Jesus,
Pr. Artur Eduardo
Um comentário:
Viver de uma fantasia, e o mesmo que enganar a si propria, obscurecendo a realidade dos fatos.
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