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quinta-feira, 21 de maio de 2015

Crítica ao artigo "O Deus Falível do Molinismo", de J. T. Anderson (ou "A Coerência dos Mundos Verdadeiramente Possíveis")




Por Artur Eduardo

Há alguns dias, o colega pr. e prof. Gaspar de Souza traduziu e postou em seu blog um breve artigo do dr. James Anderson, que nos é apresentado como ministro ordenado na Associate Reformed Presbyterian Church. Dr. Anderson é professor no Reformed Theological Seminary. Especialista em Teologia Filosófica, Epistemologia da Religião e Apologética Cristã. Sua tese de doutorado, na Universidade de Edinburgh, explorou a natureza paradoxal de certas doutrinas cristãs e suas implicações para a racionalidade da fé cristã. O artigo original (em inglês) pode ser encontrado aqui. O objetivo deste nosso post é criticar (analisar) os argumentos do dr. Anderson e observar se os mesmos são válidos, pois, apesar de o título do artigo (O Deus Falível do Molinismo) obviamente fazer um alusão específica ao "Molinismo", a gênese e boa parte do desenvolvimento do pensamento que é criticado pelo dr. Anderson surge bem antes do movimento reconhecido por aquele nome. 

"Molinismo" recebeu esta nome graças ao padre jesuíta do século XVI, Luís de Molina (1535-1600), que procurou conciliar as ideias de liberdade de agência, ou liberdade libertária do ser humano e a providência divina. Segundo o jesuíta a vontade humana nas

ações livres não é só um instrumento de Deus, causa principal, mas causa autêntica dos         
efeitos realizados, sendo o concurso divino simultâneo e não precedente em relação ao 

exercício da própria ação. O molinismo argumenta que Deus atinge seu objetivo através das

vidas das criaturas genuinamente livres por intermédio de sua onisciência. O modelo 

proposto apresenta o conhecimento infinito de Deus em uma séria de três momentos 

lógicos (considerados nessa ordem não-cronológica, mas lógica): "Conhecimento natural", 

"Conhecimento médio" e o "Conhecimento livre".

O artigo do dr. Anderson baseia-se numa conversa que ouviu, no rádio, entre os preletores William L. Craig e Paul Helm. Ele afirma ter ouvido o dr. Craig rearfirmar a preordenação divina de todas as coisas, inclusive dos atos livres dos homens. Não ouvi a colocação exata do dr. Craig, mas creio que sua colocação foi mais lógica do que meramente epistemológica. A lógica na qual se baseia o dr. Craig, até onde sei de seu posicionamento acerca do assunto, o dá subsídios para uma ordenação das ações (soberanas) de Deus e as agências temporais humanas em consonância, ou em simultaneidade umas com as outras, do que precedente e consequentes, respectivamente. A questão aqui é destacar a ideia de que esta "ordem", conforme o pensamento reformado defendido pelo dr. James assevera, traz mais complicações do que respostas, tais como: como pode ter Deus preordenado todas as coisas e, a partir daí, relacionado as mesmas, estando Ele fora do tempo? Este encadeamento que enfatiza a onisciência de Deus quase em função do que Ele determina, não só parece colocar o carro na frente dos bois - pois não soa lógica ou racionalmente bem, de jeito nenhum -, como vai de encontro à premissa básica acerca dos atributos de Deus, e.g., a de que ele é ilimitado e, portanto, decide todas as coisas em um eterno "já", um eterno presente: esta é a única forma de entendermos uma onisciência que decide criar e estabelecer todos os critérios possíveis para que suas criações livres, à sua semelhança - ainda que distorcidas pelo pecado (mas, mesmo assim ainda sua imagem e semelhança) -, sigam um plano que Ele de fato "preordenou". A confluência de todas as ações livres com a vontade do próprio Deus só poderiam convergir em um mundo possível em que Deus soubesse da posição exata de cada coisa, para que assim procedesse. Esta infinitude de nexos causais foi estabelecida neste mundo possível, o que é perfeitamente coerente quando se imagina um "ser sobre o qual nada de maior pode ser concebido", como diria Anselmo, ou, em outras palavras, um ser perfeito. 


Mas, a questão do presente post é uma crítica à análise feita pelo dr. James Anderson. Antes de continuarmos, porém, destaco aqui que não creio em um livre-arbítrio pleno, posto que fomos totalmente corrompidos, isto é, em todas as áreas. Mas, não creio que somos corrompidos totalmente e, semanticamente, a diferença é enorme. A "total corrupção" do Homem assevera que, a despeito da Queda e da irreversível mancha causada pelo pecado, aquele não deixou de ser a imagem e a semelhança de Deus, ou seja, ainda encerra em seu ser tais características. A corrupção (ou depravação) total, pelo contrário, assevera que não há o menor espaço da iluminação primordial do Homem, sendo este "morto" em um sentido deveras abrangente. Se assim fosse, a própria "base", sobre a qual se constrói a fé salvífica, por ato de Deus, conforme Efésios 2:8-9, não poderia existir, já teria se "decomposto", se "deteriorado", cabendo ao ser humano nada mais do que a mera existência viva, mas sequer cognoscente. Isso! O ser humano, num estado de corrupção total, não teria espaço para nada a não ser corrupção, sendo impedido de usar a própria razão que, cremos, foi-lhe dada como sinal da semelhança com Deus. O Homem não produziria nada de bom, a não ser uma mera existência animalesca, o que, obviamente, não condiz com a realidade. Não se entenda aqui que utilizo a realidade para interpretar a Bíblia, mas é a própria Bíblia que se nos assegura, quando fala do Homem e de sua capacidade intrínseca de construir, de produzir, de crescer, de desenvolver-se no saber. E a realidade adequa-se perfeitamente àquilo que está presente nas Escrituras. 

Seguindo o artigo, em meados do mesmo, o dr. Anderson vale-se de premissas lógicas para construir o argumento da posição que acusa e de sua própria posição. Portanto, para destacar o pensamento de um livre-arbítrio libertário, ele argumenta:

Molinistas, então, estão comprometidos com o seguinte:
(1)               Se S escolhe livremente A em C, então é possível para S não escolher A em C.
Ou, colocando a questão em termos de mundos possíveis:
(1’) Se S escolhe livremente A em C, então existe ao menos um mundo possível no qual S não escolhe A.

Observe que nessa demonstração, C aqui deveria ser entendido como, de fato, a história inteira do universo até o momento da escolha de S. O ponto é que a escolha de S não é determinada (ou, pelo menos causadamente determinada) por qualquer evento anterior ou estados do universo (incluindo o caráter de S, experiências passadas, memórias, crenças, desejos etc).

Onde,

S = Pessoa.
A = Escolha.
C = Circunstância.

A grande questão que é levantada pelo dr. Anderson é que, se há mundos possíveis, como assegurar que em quaisquer deles a vontade de Deus seja efetivada? Talvez o leitor não acostumado com a modalidade não esteja percebendo a questão - embora o dr. Anderson não tenha chamado à atenção para isso no seu post -, mas diz respeito com o próprio conceito de necessidade de Deus (Deus como "Ser necessário"). Sendo assim, ele expõe:

Em terceiro lugar, o Molinista afirma que Deus tem conhecimento médio, isto é, conhecimento dos contrafactuais da liberdade (por falta de um nome melhor). Deus, então, sabe, antes de sua decisão de criar um mundo particular, verdades condicionais subjuntivas como a que se segue:

 (2) Se S estivesse em C, S livremente escolheria A.

Este é o conhecimento, afirma o Molinista, que permite a Deus preordenar os eventos. Desde que Deus conhece o que cada possível criatura escolheria livremente em cada possível circunstância, consequentemente ele pode planejar. Ele pode saber de antemão como as coisas iriam se ele fosse para criar determinadas pessoas e arranjá-las para fazerem suas escolhas em circunstâncias particulares.

Então, ele conclui:

Deus é infalível na visão Molinista?

Eu suspeito que muitos seriam inclinados a responder sim. Face a essa situação, esperaríamos Deus ser infalível. “Deus falível” dificilmente soa bem! Mais significantemente, a Bíblia ensina explicitamente que os planos de Deus não podem falhar. Os propósitos de Deus sempre serão cumpridos. (....)


Todavia, deveria estar claro a partir o exposto acima que, de acordo com a posição Molinista existem mundos possíveis nos quais os planos de Deus falham. Porque o Molinista está comprometido em afirmar que, embora Deus conheça que S escolheria A em C, e ele não atualiza C porque ele planeja para S escolher A, não deixa de ser possível para S não escolher A em C (Craig claramente afirma este ponto várias vezes em sua conversa com Helm). Em outras palavras, existem mundos possíveis nos quais Deus atualiza C de modo que S escolherá A, mas S não escolhe A. Existem mundos possíveis nos quais o decreto eterno de Deus não acontecerá, porque agentes livre-libertários farão outra coisa do que ele tinha planejado.

A conclusão é esta: com base na posição Molinista existem alguns mundos possíveis nos quais Deus é falível. De fato, existem muitos, mas muitos de tais mundos. Qualquer mundo em que o plano de Deus falhe é um mundo no qual Deus é falível. Parece-me que esta conclusão é construída sobre o sistema molinista.

Então, o que um Molinista poderia dizer em sua resposta? Uma resposta seria a de dizer que Deus não é necessariamente infalível: ele não é infalível em todo mundo possível, mas ele é infalível neste mundo (pelo menos). Deus é contingentemente infalível.

Bem, há uma série de problemas aqui, da construção do argumento à conclusão do dr. Anderson:

1º) A confusão entre "mundos reais" e "mundos possíveis" e seus revisionismos. O Dicionário de Filosofia de Abbagnano nos diz: "Os mundos possíveis não têm existência real: são construções ideais, logicamente completas e consistentes, infinitas em número, que Deus contempla em seu intelecto e entre as quais decide fazer existir mais perfeita" (ABBAGNANO, Nicolas. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 802). Abbagnano também fala da evolução da ideia de mundos possíveis, até um "realismo extremo" de David Lewis. É óbvio que o conceito de "mundos possíveis" tratado aqui é o que tem origem clássica (grega), passando pela atualização do filósofo Gottfried Wilhelm Leibniz (1645-1716), até à segunda metade do século XX, quando foi retomado o conceito, principalmente por filósofos da tradição analítica, como Saul Kripke. O problema, aqui, com o argumento do dr. James é simples: ele não percebe que comete uma petição de princípio ao dizer que "Deus planeja para S escolher A, em C, mas Se não escolhe A" (em determinado "mundo possível"), fazendo de Deus um ser não necessariamente infalível (ou, como ele diz, contingentemente infalível), para, depois, concluir que Deus é falível. Ora, mas a questão é essa: todos os atos que "Deus planeja" são atos que ele planejaria em quaisquer mundos possíveis, pois Deus não planejaria um mundo em que nada do que Ele quisesse desse certo!! É claro que isto atrela-se à ontologia divina, à natureza do Ser de Deus, mas é justamente por isso que devemos entender quais mundos hipotéticos são de fato "possíveis". Você imaginaria um mundo em que todos, em todo o tempo, sempre vivessem blasfemando contra Deus? Estritamente falando, esse mundo é "possível"- em sentido lógico -, mas se entendermos assim, tenho que crer que há a possibilidade de Deus fazer um mundo em que todos blasfemem sempre... simplesmente porque quis fazer. Isto não é um "mundo possível" porque simplesmente falamos sobre ele!!!! Posso pensar em um "mundo possível" onde haja um círculo-quadrado. Não é porque eu falo sobre esse "mundo possível" que de fato o torne um "mundo possível". O absurdo, no caso de Deus criando um mundo como nós falamos (de blasfêmias constantes) é que a realidade de Deus (ilimitada) não se imporia, ou seja, abriria espaço para ser o que não é, o que é simplesmente impossível para Deus. Se Deus existe, a realidade da existência não pode deixar de ser o que é, pois ela existe pelo simples fato de que Deus existe. Você já deve estar pensando, se estiver lendo atentamente, que, de igual modo, não é possível que haja um mundo possível em que não haja uma realidade que lhe seja inerente, ou seja, um mundo composto de nada. Ontologicamente, para Deus não faz sentido distinguirmos entre sua existência e santidade, pois não há atualização em Deus, sendo Deus tão existente quanto santo. Nós, pelo contrário, tornamo-nos existentes e tornamo-nos santos, mas a realidade que abraça todas as possíveis realidades, a de Deus, é o que é. Um mundo composto de "nada" é tão impossível quanto um mundo em que Deus só fizesse o que é mau. 

Ao contrário do que muitos pensam, uma caixa sem qualquer partícula dentro não é uma "caixa com nada", como este modelo de uma caixa de vidro. Só o fato de podermos ver do outro lado mostra-nos que, de fato, há algo na caixa (luz) que permite que veja através dela. Isto definitivamente não é nada!!

2º) Conclusão precipitada de que a "solução" seria dizer que "Deus não é necessariamente infalível". Dizer que Deus faça algo que negue sua própria existência (divina), como qualquer de seus atributos, é descaracterizá-lo como Deus. O problema é ontológico e epistemológico aqui: um mundo em que Deus tivesse seu plano "frustrado" é um mundo em que Ele não teria Onisciência, ou Onipotência, por exemplo. Em suma, Ele não seria ilimitado. É claro que o dr. Anderson quer atrelar a existência à mera necessidade da determinação divina, ou, em outras palavras (e mesmo que não se admita), é dizer que só há um caminho possível para as ações de quaisquer indivíduos e as mesmas foram preordenadas por Deus. Se isso não for FATALISMO IRRESTRITO, não sei mais o que é! O problema com o fatalismo irrestrito é a paradoxalidade que lhe é inerente: como se dão quaisquer juízos a atos que, de fato, foram preordenados por Deus? Responder esta pergunta com malabarismos semânticos não resolve a situação em absoluto. É impossível haver uma ideia completa de justiça ilimitada de Deus, quando se sabe que as ações cometidas (todas elas.. e não esta ou aquela específica) são preordenações divinas... todas baseadas em seu "decreto". Ora, se Deus é infalível, todas as suas vontades serão satisfeitas em quaisquer mundos possíveis, pois Deus é um "Ser necessário" (existe necessariamente, em quaisquer mundos possíveis). Ora, se Deus existe necessariamente, há a possibilidade de existir qualquer mundo diferente deste e, mesmo assim, Deus continuar soberano e infalível? A resposta é um sonoro "SIM", pois um mundo em que a diferença seja de um átomo para o nosso e a vontade de Deus prevaleça é um mundo possível. O dr. James chamou à atenção, é verdade, para os mundos em que "Deus planejasse S escolhendo A e S, na verdade, escolhesse não-A". Mas, como vimos, ser Deus quem é significa que tudo o que faz é em consonância com quem Ele é e vice-versa, tudo o que Deus é, é em consonância com o que Ele faz. Esta simultaneidade é característica da ilimitação e, sendo Deus quem é e fazendo o que faz, só é possível que qualquer coisa exista (inclusive "mundos") se e somente se for a partir de quem Deus é e do que faz. Logo, é impossível existir um mundo, mesmo no pensamento de Deus, em que Deus planeje algo que não venha a ser, do mesmo modo que é impossível haver um mundo em que um círculo seja um quadrado ou o "nada exista". Se Deus "imaginou" o "nada existindo", também imaginou um mundo "perfeito imperfeito" (ou seja, feito por sua vontade perfeita, mas que não atenda à sua vontade perfeita), o que é um contrassenso lógico intransponível. 

Ainda em sua argumentação, o dr. James Anderson ataca o conceito do "Deus contingente infalível", o qual ele hipoteticamente trouxe como "o pensamento do molinista". Assim, ele segue batendo em um "boneco de palha" e sua argumentação se estrutura como se aquele conceito, de fato, fosse o conceito defendido por William Lane Craig e outros que pensam similarmente. Vejamos:

Se eu estou certo sobre isso, então o Molinista não deveria dizer que Deus é infalível. Pois, se Deus não é infalível em todo mundo possível, então ele não infalível em qualquer mundo possível, incluindo o mundo atual. (Eu observo, para registro, que este argumento pressupõe alguns princípios modais amplamente-controlados que eu não estou a defender aqui, precisamente porque eles são amplamente controlados!).

Em Segundo lugar, esses mundos com  falhas-divinas apresentam um problema para o Molinista que está comprometido com o ser perfeito da teologia(que é maioria, penso). Se Deus é apenas contingentemente infalível, segue-se que Deus não possui máxima grandeza: pois um ser que é necessariamente infalível é maior que um ser que é contingentemente infalível. Um ser que é infalível em todos os mundos possíveis é maior que um ser que é infalível em apenas alguns mundos possíveis. (É digno de nota que Alvin Plantinga, que introduziu a noção de grandeza máxima em sua defesa do Argumento Ontológico, é um dos mais proeminentes advogados do Molinismo).

Não sei do fato de Plantinga, William L. Craig ou qualquer que pense aos moldes de Agostinho (principalmente no seu "O Livre-Arbítrio") admitirem Deus como "contingentemente infalível". Nestes supostos "mundos possíveis", nos quais "Deus falha", como citado pelo dr. Anderons, percebe-se que, a partir de uma filosofia cristã mais adequada e coerente com os conceitos extraídos da Escritura sobre Deus, os quais podemos organizar como seus atributos, aqueles mundos não são possíveis, mas armadilhas da linguagem, conforme o que expomos (um mundo onde o "nada exista"). A realidade possível - e aqui faço questão de, a exemplo dos clássicos, falar hipoteticamente a partir da ´mente de Deus´ - somente é possível em níveis que sejam comandados pela perfeição do ser que Deus é. QUAISQUER concessões a isso denotam um Deus menor do que Deus é, sendo, portanto, impossível. Com isso, contudo, não quero dizer que "só há uma única atitude para cada ser humano e, tudo, em estrito alinhamento à vontade divina", posto que, pensando assim, alguns defendem não só a ideia de Deus como autor do mal, mas de todos os males humanos, pois todos os atos, por mais hediondos e escabrosos que possam ser cometidos pelo ser humano, "farão" parte de um grande plano de divino e é Deus quem conduz todos os atos "nos bastidores", quase como aquele "Gênio maligno" cartesiano. Em absoluto! Deus é o ser em quem não pode haver NADA mal, pois "TODA a boa dádiva e TODO o dom perfeito procede dELe" (Tg. 1:17). Deus conduz ações específicas na História? Sem dúvida alguma!! Agora, TODAS se dão em função daquilo que lhe é claro, conhecido a partir do projeto perfeito que foi a Criação, mesmo diante de inúmeras outras possibilidades de Criação que, incontestavelmente, eram possíveis. Instigar uma determinada ação, propiciar os meios para que os homens façam determinada ações, até "autorizar um espírito de mentira para que um rei seja enganado" (mas não sem ANTES saber da trama e TER UMA ESCOLHA - cf. 1 Rs. 22) é algo que compete à Providência divina e nada mais coerente do que afirmar que "a mão do Senhor conduz a História". Sem dúvida alguma! Mas, nos contextos onde Deus soberanamente coloca o homem, ele, o homem precisa saber o que fazer diante destes contextos. Deus colocou Adão no Éden, para administrá-lo. Deus trouxe os animais até Adão... mas foi Adão quem batizou os animais (Gn. 2:19). Ora, as responsabilidades das coisas no mundo devem ser coerente com sua natureza. Se é da alçada humana decidir sobre algo, é porque isto é de sua natureza. Não entendo como, na prática, reformados como o dr. Anderson aceitam a óbvia ligação entre a natureza humana (imagem e semelhança de Deus) e suas escolhas mas, em teoria, afirmam, em suma,  que tal ligação é impossível!


Por fim, o dr. Anderson afirma:

Outro modo de ver o problema é perguntar se os mundos não-factíveis realmente são possíveis. Suponha que, de todos os mundos factíveis que ele considerou, Deus opte pelo mundo X.  Não parece coerente imaginar Deus pensando: “Eu vou atualizar X um pouco (fracamente) – este é o meu decreto – mas eu sei que há uma possibilidade real de que vou terminar com outro mundo, por causa da possibilidade real que agentes livres-libertários agirão de outro modo que eu tenho planejado”. Mas, se isso não é coerente, em que sentido esses mundos são mundos realmente possíveis?

Esta suposição fantástica do autor é um excelente indicador de como muitos veem "os decretos" divinos: indistintamente dos decretos ou determinações de um regente humano! Mas, se é assim, o problema é claro: Deus não é um regente humano! Não há aquela deliberação de Deus consigo mesmo, como há conosco, pelo simples fato de que, se houvesse o mais mínimo movimento no pensamento divino, fazendo-o mudar ou até mesmo estender o pensamento sobre algum ponto, configurar-se-ia potencialidade e em Deus não há movimento (dá-lhe, Tomás!). Não há esse "Eu vou.... mas.... pensando bem..... é melhor....", nada disso. Deus não é um "Motor Imóvel" aristotélico, mas não tem potencialidade. Isto SÓ é possível quando entendemos o conceito de ilimitação, o qual não perscrutamos, mas vislumbramos. Todo e qualquer pensamento possível, incluindo todos os atos mediante todas as situações em quaisquer mundos verdadeiramente possíveis já foram pensados por Deus!! ISTO é a genuína Onisciência!!!! É este pensamento que diferencia o Deus aqui descrito de um Deus que analisa decretos e, mesmo contra sua soberana natureza santa, idealiza, "move", orquestra e conduz até os atos pecaminosos, para que o seu "decreto" se cumpra. O rastro de dor e sofrimento em nome do "decreto" divino, por mais nobre que tenha sido intencionado, eclipsa-lhe qualquer mérito!! É algo tão incongruente com a natureza divina revelada na Palavra que fica difícil pensar em "amor", "entrega", "abnegação" etc. diante de um quadro que mais parece um "faz de contas" cósmico, conosco, como marionetes auto-iludidas. É claro que, com isso, não "liberto" o Homem totalmente, pois sei de sua inclinação pecaminosa inerente. Mas, isso não quer dizer que o Homem não desenvolva coisas boas, ecos dele ser quem é, isto é, "a imagem e a semelhança" de Deus. É claro que tal imagem só refletirá a plenitude daquele que a projeta EM CRISTO JESUS, ou seja, com Cristo como padrão Divino-humano para nós, humanos, os quais um dia, ressurretos ou transformados - mais ainda assim, homens -, partilharemos também da "co-natureza divina" (2 Pe. 1:4), seja qual for esta bela, transcendental e misteriosa ideia petrina hermética que nos é revelada. 

3 comentários:

Anônimo disse...

Pr. Artur, saudações. Como prometido, seguem as minhas considerações sobre as suas críticas ao artigo do Dr. Anderson. Considerarei apenas três pontos, e tentarei ser direto e objetivo. Vai por partes.

1. O primeiro ponto é sobre o parágrafo que trata da sua alega distinção entre corrupção total e total corrupção. Não quero me alongar, pois as dúvidas e questões colocadas e abordadas pelo senhor já foram todas respondidas cabalmente nos Cânones de Dort, mais especificamente nos artigos: 1, 2, 3, 16, dos Terceiro e Quarto capítulos, e também nas refutações aos erros 4 e 5 destes mesmos capítulos. Julgo ser desnecessário repetir agora as argumentações desse documento. Porém, ao meu ver, o maior equívoco cometido pelo senhor é o de supor que (cito) "num estado de corrupção total, não teria espaço para nada a não ser corrupção, sendo impedido de usar a própria razão que, cremos, foi-lhe dada como sinal da semelhança com Deus". Nenhum defensor da depravação total admite isso. Nenhum calvinista admite isso. Ninguém que não acredita num suposto livre-arbítrio admite isso. Para os calvinistas, o problema não está em usar a razão, mas está em saber se ela está isenta da corrupção radical no ser humano. Os descendentes de Caim, homens maus e perversos (Gn: 4), usaram a sua razão. Richard Dawkins usa a sua razão. Ninguém nega isso. Segundo a sua opinião, parece-me que a razão humana está isenta da corrupção radical. Afinal de contas, o senhor mesmo afirma que, se não fosse assim, "O Homem não produziria nada de bom". Quero lhe dizer que, em seu estado natural, nenhum descendente de Adão produz algo de bom. Do meu ponto de vista, o modo como o senhor trata a chamada total corrupção confronta diretamente o que o apóstolo Paulo nos diz em Rm: 3. 1-18, especialmente, o versos 10 e 11. Devemos levar a sério o que o apóstolo diz sobre a nossa incapacidade de fazer o bem. Diante disso, de nada servirá usar o termo "morte" entre aspas, como o senhor usa, pois a questão mantém-se, com aspas ou sem aspas: o homem está ou não está morto? Se estiver, não poderá fazer nenhum bem, e seu arbítrio não é livre, dado que está intimamente ligado à sua natureza caída e corrompida.

Anônimo disse...

2. O meu segundo ponto é o de que não há qualquer confusão com relação ao entendimento do Dr. Anderson sobre o que é um mundo possível e um mundo real, e , por isso mesmo, não há qualquer conclusão precipitada do Dr. Anderson. Quanto às definições de mundo possível e mundo real, ele, no decurso de sua exposição, trata desses conceitos a partir do modo como eles aparecem na argumentação molinista apresentada. Nos é dito que "Molinistas como Craig farão distinção entre mundos possíveis e mundos factíveis. Todos os mundos factíveis são mundos possíveis, mas nem todos os mundos possíveis são mundos factíveis". O Dr. Anderson destaca isso para mostrar o cerne da fragilidade do argumento molinista. Pois, de acordo com os pressupostos admitidos pelo molinismo, "existem mundos possíveis nos quais os planos de Deus falham", dado que "o molinista está comprometido em afirmar que, embora Deus conheça que S escolheria A em C, e ele não atualiza C porque ele planeja para S escolher A, não deixa de ser possível para S não escolher A em C". Se não é possível S não escolher A em C, os planos de Deus nunca falharão, e num faz sentido a nossa discussão. Mas, se é possível para S não escolher A em C, como defendem os molinistas, há mundos possíveis em que os planos de Deus falham, e, se há mundos possíveis em que os planos de Deus falham, "existem mundos possíveis nos quais o decreto eterno de Deus não acontecerá". Isso não é difícil de entender. Se há mundo possível em que o decreto de Deus não acontece, a conclusão é clara: Deus não é necessariamente infalível, uma vez que, para sê-lo, seu decreto deveria ocorrer em todos os mundos possível. Dito isso, não vejo o porquê da sua acusação de uma petição de princípio no argumento do Dr. Anderson. Repare-se que em momento algum o Dr. Anderson usou algum dos recursos que caracterizam uma petição de princípio. Ele nem usou a conclusão como premissa, nem assumiu a conclusão como verdadeira antes de argumentar. A conclusão admitida pelo Dr. Anderson de que o Deus do molinismo não é necessariamente infalível decorre do fato de se aceitar as frases (1), (1') e (2) tais como os molinistas as aceitam, e não do fato de ele a pressupor como verdadeira ou mesmo admiti-la como premissa.

Frases:

(1) Se S escolhe livremente A em C, então é possível para S não escolher A em C.
(1’) Se S escolhe livremente A em C, então existe ao menos um mundo possível no qual S não escolhe A.
(2) Se S estivesse em C, S livremente escolheria A.

Lembro ainda que uma falha lógica deste porte jamais passaria pela análise do Dr. Craig. E, como sabemos, não houve crítica alguma da parte dele, simplesmente porque não há petição de princípio.

Anônimo disse...

3. Meu terceiro ponto diz respeito aos comentários feitos a uma citação do Dr. Anderson na parte final do seu texto. Estranhamente, o senhor (não sei como) chega à conclusão de que "a suposição do Dr. Anderson é um excelente indicador de como muitos veem 'os decretos' divinos: indistintamente dos decretos ou determinações de um regente humano!". Como assim? Quem é que enxerga os decretos divinos desta maneira? o Dr. Anderson está supondo e mostra que isso não é coerente ("Não parece coerente imaginar Deus pensando"). A discussão é sobre "em que sentido esses mundos são mundos realmente possíveis" e não o modo como Deus opera. Deus é imutável. Você, eu, Dr. Anderson, Dr. Craig, e todos os molinistas sabemos disto. E, exatamente por isso, seus decretos são infalíveis em todos os mundos possíveis. O que o senhor quis mostrar é precisamente o que o texto do Dr. Anderson está negando. Por fim, digo que não há qualquer faz de contas; não há qualquer fatalismo; não há qualquer marionete. O que há é, de fato, um Deus que é Senhor soberano sobre todas as coisas (Pv: 16.33; Mt: 10.29; Rm: 11.33; Ef: 1.11), que reina e governa de modo absoluto até mesmo sobre as decisões humanas (Pv: 20.24; 21.1), que conduz todas as coisas para o fim que deseja (Is: 46.10-11), cujo propósito não depende de nada, nem mesmo da vontade humana de ninguém (At: 17. 24-26). Esse é o Deus da Bíblia, que todos os calvinistas acreditam e defendem.

Um grande abraço,
Gerson

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